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Streamer jogando no PC

RODNAE Productions

Cultura Gamer

Ser Casimiro é pra poucos: Streamer é profissão precária e exaustiva

Entre alguns profissionais milionários e muitos outros que jogam por horas sem garantias de remuneração, o mercado de streaming é mais complexo do que parece

Beatriz Blanco
Beatriz Blanco

O crescimento do mercado de games nos últimos anos trouxe consigo, além de números que impressionam, uma atmosfera de otimismo em torno das profissões que se relacionam com esse universo. Entre as carreiras que ganharam atenção está a de streamer, impulsionada não só pelo crescimento no mercado de games, mas também pela onda de lives durante o isolamento imposto pela pandemia de Covid-19.

A perspectiva de ganhar dinheiro jogando videogame para um público online pode parecer para muitos o emprego dos sonhos. E, de fato, algumas pessoas se dão muito bem fazendo isso: o streamer brasileiro Gaules, por exemplo, faturou US$ 2,8 milhões entre 2019 e 2021. Ou mesmo Casimiro, que hoje faz poucas transmissões jogando, mas ganhou cerca de US$ 500 mil no mesmo período com seu canal na Twitch.

Porém, a carreira de streamer não é composta só de sucesso. Por um lado, as estrelas com mais visibilidade faturam alto com participações além das lives e contratos publicitários. Por outro, as plataformas mais populares, como a Twitch e o YouTube, são sustentadas pela esmagadora maioria de pequenos streamers que muitas vezes trabalham em jornadas exaustivas sem nenhuma estabilidade ou até mesmo garantia de remuneração.

Com todas essas contradições, é preciso cautela para definir a carreira de streamer e, mais ainda, para fazer projeções de futuro sobre essa profissão.. Mas olhar para seu passado pode nos ajudar a entender um pouco esse mercado.

Origem dos streamers

A prática de jogar videogame com alguma plateia, seja física, seja virtual, tem origens bem distantes do glamour que cerca as estrelas de hoje.

A primeira pessoa considerada como streamer de games não poderia ser mais diferente disso: ele é Zot the Avenger, codinome adotado pelo produtor musical J.J. Styles. Aos 12 anos, Styles estreou como apresentador e produtor de um programa de TV local na cidade de Tucson, nos EUA, chamado Video Games and More (Videogames e Mais, em português).

No programa, exibido de 1993 a 1997, Zot jogava diante de uma projeção de sua tela enquanto conversava com seu amigo Jason e atendia telefonemas de jovens pedindo dicas e códigos.

Tudo era produzido e idealizado pelo garoto no estilo ‘faça você mesmo’. Mais do que uma imagem aspiracional de sucesso e ostentação, o garoto se posicionava como um igual que queria dividir seu conhecimento com adolescentes que, como ele, não tinham muito dinheiro para comprar consoles e acessórios. A história de Zod mostra uma visão diferente do influenciador digital do que conhecemos dos streamers hoje.

Video Games And More

Primeiro episódio de Video Games And More (1993)

Programa já trazia pessoas jogando videogame de forma similar aos streamers

Corta para o ano de 2007, quando Emmett Shear e Justin Kan lançaram a plataforma de streaming Justin.tv. Ela nasceu a partir de uma ideia de Kan de trazer o conceito de reality show para a internet. A ideia era lançar uma ferramenta que tornava possível a qualquer pessoa transmitir sua vida 24 horas por dia. 

Em sua primeira versão, a Justin.tv era apenas um canal com a vida de Kan, mas foi remodelada posteriormente para uso do público em geral. A Justin.tv tinha diversas categorias, mas o maior sucesso de longe foi a transmissão de games, que já contava com grandes nomes do cenário como o jogador profissional Ninja.

A possibilidade de se transmitir jogando se encaixava bem com outra tendência: a profissionalização da cultura de influenciadores digitais e na ascensão do cenário de esports. Em 2011, a Justin.tv lançou a Twitch.tv, plataforma com foco no streaming de games. Três anos depois, a gigante Amazon adquiriu o serviço.

A Twitch nasceu focada nos gamers, mas fez sucesso também entre outros públicos ao longo dos anos. Com o crescimento da plataforma, o streaming como opção de carreira também ganhou visibilidade fora do nicho. No Brasil, por exemplo, transmissões comentadas da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da COVID-19 no Senado em 2021 tiveram milhares de espectadores.

Tela da Justin.tv

Tela do canal de Justin Kan na Justin.tv, a antecessora da Twitch

Reprodução

A própria pandemia é um momento marcante para a profissão streamer. O isolamento social popularizou as lives de diversos formatos e atraiu mais pessoas para a profissão, muitas desempregadas em busca de uma alternativa de sustento. 

Mas, para viver de lives, é preciso bem mais que uma webcam nas mãos e uma ideia na cabeça.

Precariedade trabalhista

Para conseguir sucesso como streamer, é preciso alcançar um grande público. E isso pode ser uma meta realmente difícil para quem está começando. É necessário estar constantemente em exposição não só nas plataformas de streaming mas em várias redes sociais. 

A pesquisadora Crystal Abidin chama essa atividade de trabalho de visibilidade. Apesar do nome, ela costuma ser invisível e não é levada em conta pelo público e, muitas vezes, nem pelos profissionais. O trabalho de visibilidade envolve não só o esforço de estar presente como também o trabalho emocional em lidar com a constante exposição de sua vida particular.

Entre streamers menores que buscam ascensão na área, são frequentes os relatos de jornadas de transmissão com mais de 10 horas diárias, com poucas pausas para necessidades básicas como comer e ir ao banheiro.

E não existem garantias que este esforço renderá bons ganhos. Plataformas como a Twitch não reconhecem vínculos trabalhistas com produtores de conteúdo e têm liberdade de mudar as regras de remuneração dos profissionais a qualquer momento. Isso pode ocorrer mesmo quando eles cumprem as metas estabelecidas por elas.

Foi o que aconteceu em 2021, quando a Twitch decidiu cobrar os valores de inscrição, chamados de subs, em moeda local nos países que não adotam o dólar. Isso baixou ao mesmo tempo o custo para os assinantes e a remuneração dos criadores de conteúdo. 

A mudança impactou muito pequenos e médios streamers que não têm contratos publicitários fora da plataforma, inviabilizando a permanência da maioria na profissão. Isso motivou uma mobilização dos profissionais para buscar respostas e apoio da plataforma, mas sem sucesso.

O episódio demonstrou tanto a vulnerabilidade trabalhista dos streamers quanto a dificuldade do público em geral entender a profissão como um ‘trabalho de verdade’. Afinal, como diziam muitos comentários sobre a mobilização na época, essas pessoas só ‘ganham dinheiro para jogar o dia inteiro’. 

Olhando por este aspecto, o futuro da profissão streamer pode parecer meio desanimador. Na verdade, o problema vai além das lives e envolve todo tipo de trabalho feito por meio de plataformas digitais, da Uber ao YouTube. 

Porém, movimentos como o Apagão da Twitch estão ampliando o debate sobre os rumos da área, mostrando o amadurecimento do setor e dos profissionais. Este trabalho coletivo, assim como a conscientização do público, será muito necessário nos próximos anos. Talvez para olhar para o futuro precisamos retomar o passado e voltarmos ao espírito punk de Zot the Avenger.

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QUEM FEZ
Beatriz Blanco

Beatriz Blanco

Beatriz Blanco é doutoranda em comunicação, pesquisa videogames e questões de gênero no Brasil, e é professora na área de design e jogos digitais. Também escreve e produz podcasts sobre games e cultura pop. Na Tangerina, assina a coluna Cultura Gamer, que faz a ponte entre o universo gamer e esse mundão aqui fora.

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