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Cauã Reymond

Foto: Fábio Braga/Biônica Filmes

ENTREVISTA

A Viagem de Pedro: Cauã Reymond desconstrói imperador tóxico em filme

Novo longa nacional dirigido por Laís Bodanzky (Como Nossos Pais) estreia nos cinemas nesta quinta (1º) com visão diferente das aulas de história

André Zuliani

Uma das figuras mais importantes da história do Brasil, dom Pedro 1º (1798-1834) é o protagonista de A Viagem de Pedro, longa estrelado por Cauã Reymond (Alemão) que estreia nos cinemas nesta quinta-feira (1º).

Ao retratar um recorte pouco explorado da jornada do ex-imperador, o longa dirigido por Laís Bodansky (Como Nossos Pais) descontrói a figura do herói e expõe o machismo usual dos homens da época.

Situada em 1831, a trama do filme é centrada no trajeto feito por Pedro após fugir do Brasil rumo à Europa. Odiado pelo povo brasileiro, ele busca retornar a Portugal para tomar o trono que fora usurpado por seu irmão, Miguel (1802-1866).

A bordo de um fragata inglesa, o então imperador brasileiro surge fragilizado e inseguro, muito diferente de outras representações anteriores feitas no cinema, teatro ou TV. Quase sempre descrito como herói, o Pedro interpretado por Cauã Reymond é um homem machista, egocêntrico e cuja saúde se deteriora pouco a pouco.

Em entrevista exclusiva à Tangerina, Laís Bodanzky explicou que sempre foi seu intuito mostrar as nuances de dom Pedro 1º além daquele contado nas escolas. Para a cineasta, os livros de história foram escritos de forma parcial, idealizados por homens brancos que se aproveitaram do poder para descrever eventos importantes da maneira que lhes agradassem.

Segundo Laís, revisitar uma passagem pouco explorada por historiadores da vida de Pedro também serve para fazer um estudo de sociedade. Problemas enfrentados na época como racismo, machismo e abuso de poder refletem no Brasil até os dias atuais.

Para retratar estas questões, a cineasta buscou figuras históricas de menos destaque do que o protagonista para explorar os defeitos de Pedro dentro da embarcação. Ao lado do ex-imperador, embarcaram sua segunda mulher, Amélia (1812-1873), soldados ingleses, escravos e negros libertos.

“Olhar para o nosso passado, para a história do Brasil, sem um olhar contemporâneo, é fazer um filme velho. A gente faz parte de uma época que tem duas pautas muito importantes da nossa sociedade: o movimento feminista e o movimento Vidas Negras Importam. Estes movimentos sempre existiram. A mulher sempre foi oprimida na história da humanidade, né? Assim como os pretos no Brasil sempre precisaram resistir. São duas pautas importantes para refletirem no dom Pedro, nessa história contada naquela época. Talvez o Brasil de 1831 não seja tão diferente do Brasil de hoje. Pouca coisa mudou de 200 anos para cá”, argumentou Laís.

Laís Bodanzky e Cauã Reymond

Laís Bodanzsky orienta Cauã Reymond no set de A Viagem de Pedro

Divulgação/Vitrine Filmes

A ‘sorte’ da licença poética

À reportagem, a diretora contou que, apesar de existirem alguns registros oficiais, pouco se sabe sobre a viagem de Pedro à Europa após deixar o Brasil. Isso deu oportunidade para que ela usasse algumas liberdades criativas no roteiro para encaixar a história que escolheu contar sobre a personalidade do ex-imperador.

“Primeiro que eu duvido que todo homem seja machão, né? O próprio dom Pedro, que fazia questão de ter sua masculinidade divulgada publicamente no sentido de poder, tem muita insegurança. Desconstruí-lo eu acho que é uma necessidade para o dia de hoje. Este dom Pedro está aí aos montes, então é olhar para o passado para ter uma consciência do nosso presente e reconstruir o nosso futuro.”

Na visão de Laís, a estreia de A Viagem de Pedro tão próxima do aniversário de 200 anos da independência do Brasil também deve servir para colocar um olhar crítico em cima de alguns fatos históricos. Em vez de apenas aceitar a história como é ensinada, ela vê necessidade de a população questionar certas passagens para que haja uma reflexão profunda e esclarecedora sobre o passado do país.

“Desconstruir o mito do herói tem um outro significado nesse filme, principalmente agora nos 200 anos da independência. Eu acho importante questionar fatos históricos, essas datas de livros que são comemoradas sem críticas. Eu espero que contribua para que as pessoas não saiam simplesmente comemorando e usem essa data para fazer uma reflexão com um olhar crítico”, completou.

As versões de Pedro

Alçado ao status de astro nacional por seu trabalho em novelas, Cauã Reymond tem em A Viagem de Pedro o seu primeiro projeto como produtor executivo desde a sua concepção. Foi ele quem buscou Laís Bodansky para dirigir e escrever o roteiro, além de abraçar outras preocupações usuais de um “comandante” do projeto, como financiamento para viabilizar as filmagens.

Uma curiosidade que poucos fãs do ator sabem é que o imperador foi o primeiro “trabalho” de Cauã na vida artística. Muito antes de estrelar o filme, o eterno Maumau da Malhação (1995-2021) deu vida a dom Pedro em uma peça infantil.

“Eu fiz dom Pedro na terceira série [do Ensino Fundamental], foi o meu primeiro personagem. Eu nem sonhava em ser ator e fiz um dom Pedro herói, montado em um cavalo branco. Eu imaginava aquela vassoura como um cavalo imenso, mas depois descobri que era uma mula. Ao longo desse projeto e com a ajuda do texto da Laís, eu tive acesso a informações muito contraditórias. Os historiadores divergem muito sobre a figura dele, então nós decidimos focar no nosso roteiro e no nosso filme”, explicou Reymond à Tangerina.

De acordo com o ator, foi durante a sua preparação para o longa que ele conheceu várias nuances de dom Pedro com as quais nunca tivera contato. Da insegurança ao machismo, Cauã entendeu que o imperador retratado nos livros era apenas uma caricatura da pessoal real.

“Ele [Pedro] foi um cara que enfrentou epilepsia e sífilis, que levou ele a não ser mais viril e não conseguir engravidar a jovem mulher. Um cara que se dizia liberal, mas, na verdade, virava um ditador quando estava inseguro. Ele não era um estrategista político, quem fazia esse papel era José Bonifácio e até Leopoldina. Tanto que, com a perda da primeira mulher, ele faz muito mais besteira e é expulso do Brasil. Nosso filme propõe um olhar diferente, tanto para o público brasileiro quanto para o povo de Portugal”, finalizou o ator.

Assista abaixo às entrevistas de A Viagem de Pedro:

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QUEM FEZ

André Zuliani

Repórter de séries e filmes. Viciado em cultura pop, acompanha o mundo do entretenimento desde 2013. Tem pós-graduação em Jornalismo Digital pela ESPM e foi redator do Omelete.

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