Certas Pessoas acerta ao fazer críticas sociais com muito humor

Novo filme da Netflix, Certas Pessoas tem o que a comédia faz de melhor: críticas sociais com muito humor. Esta é a marca registrada de Kenya Barris, criador de Blackish (2014-2022), que faz aqui a sua estreia como diretor de longas-metragens e divide o roteiro com o astro Jonah Hill (Superbad).

Em Blackish e seus spin-offs, Barris se concentroy nas interações entre negros bem-sucedidos e liberais brancos bem-intencionados, mas sem qualquer noção, muitas vezes extraindo humor dos pontos cegos nos quais ambos os grupos conseguem estar errados de maneira hilária.

Em Certas Pessoas, o diretor não foge de seus costumes. A comédia romântica explora o relacionamento inter-racial entre Ezra (Jonah Hill) e Amira (Lauren London) –ele, um judeu de classe média que trabalha no mercado financeiro, mas que sonha em viver apenas com os rendimentos de seu podcast sobre cultura; ela, uma figurinista negra vinda de uma família de muçulmanos.

O encontro entre os dois acontece de maneira inusitada, mas ambos acabam se encantando um pelo outro por suas visões de mundo e gostos diferentes. Apesar das diferenças, os dois jovens veem o mundo além das raças e decidem ficar juntos mesmo sabendo que a reação de seus pais não seria tão natural quanto gostariam.

Jonah Hill e Lauren London

Divulgação/Netflix

No caso de Ezra, seus pais Shelley (Julia Louis-Dreyfus) e Arnold (David Duchovny) são os típicos brancos ricos que, apesar de bem intencionados, não entendem suas posições de privilégio. Os encontros com Amira são tão constrangedores quanto cômicos, já que sua sogra é incapaz de vê-la apenas como a futura mulher de seu filho, mas, sim, como sua nora preta.

Já os pais de Amira, Akbar (Eddie Murphy) e Fatima (Nia Long), enxergam Ezra apenas como um colonizador branco. Apesar das inúmeras tentativas do jovem de tentar conquistar os sogros, o fato dele não ser o homem negro e muçulmano que eles –principalmente Akbar– desejam para ser marido de sua filha já é motivo de decepção (e uma pitada de raiva).

Quanto mais o casal tenta unir as famílias e quebrar as barreiras raciais, mas seus pais enfrentam dificuldades em lidar com as diferenças. O ápice se dá em um encontro entre as duas famílias que termina em uma discussão acalorada, desastrosa e hilária sobre o que foi pior na humanidade: a escravidão ou o Holocausto?

Jonah Hill e Julia Louis-Dreyfus

Divulgação/Netflix

De forma simples e objetiva, Barris cutuca o espectador em refletir sobre relações raciais. Tão forte em vários países do mundo, principalmente nos Estados Unidos, o racismo e as tensões entre brancos e negros seguem dando o tom em uma sociedade que até se esforça para limpar seus erros, mas nem sempre o faz de maneira reflexiva.

Como bem diz Ezra em certo momento, um branco jamais vai entender como um negro se sente. É por isso que Amira, que nunca teve nada de mão beijada e conquistou suas glórias com base em seu próprio esforço, se recusa a aceitar uma indicação profissional com ajuda da sogra. Enquanto os brancos são acostumados com uma vida de privilégios, pessoas pretas ainda lutam para ter o seu espaço na mesa.

Certas Pessoas é um retrato atual e progressista de uma trama que já foi explorada em filmes como Advinhe Quem Vem Para Jantar (1967) e Entrando Numa Fria (2000), mas que subverte quase todas as convenções do gênero que invoca. Constrangedor como comédias do estilo The Office (2005-2013), o longa é um refresco para quem procura uma opção para se divertir e terminar o dia com um sorriso no rosto.