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A adaptação da tragédia de Shakespeare lançada pela Apple TV+ rendeu a Denzel Washington sua nona indicação ao Oscar
O que dizer sobre Macbeth, uma das mais famosas tragédias shakespearianas, que já não tenha sido exaustivamente repetido? O que não falta são produções audiovisuais baseadas na peça de William Shakespeare, que fala basicamente de ganância, assassinato, culpa… e bruxaria.
A Tragédia de Macbeth, protagonizada por Denzel Washington, é o primeiro voo solo de Joel Coen, mais conhecido pelas parcerias com o irmão Ethan em filmes que os consagraram nos anos 1990 e 2000, como Barton Fink, Fargo, O Grande Lebowski e Onde os Fracos Não Têm Vez.
Aqui, o voo de Joel é solo pelo simples fato de que Ethan não se interessou pela adaptação. E Joel acabou se saindo muito bem.
A ideia surgiu pela primeira vez quando Frances McDormand, atriz e mulher de Joel, topou protagonizar uma montagem da peça no teatro. McDormand sugeriu ao marido que dirigisse, mas ele disse só se interessaria por uma adaptação cinematográfica.
Na adaptação, estão à frente justamente McDormand (ganhadora de quatro Oscars), como a icônica Lady Macbeth, e Washignton, outro ganhador de Oscars por atuação. Ambos estão magníficos como protagonistas, declamando o texto clássico e floreado de Shakespeare (como algumas pequenas intervenções) como se estivessem escovando os dentes.
A Tragédia de Macbeth
Shakespeare novamente nos cinema
Para quem não conhece a trama da tragédia, um breve resumo: Macbeth é o general do exército do rei escocês Duncan. Um dia, voltando de uma batalha, ele se depara com uma cabana abandonada no meio de uma estrada erma e nela estão três bruxas. Essas bruxas profetizam que ele será o próximo rei da Escócia. Cego pela ganância e motivado pelo plano astuto de sua mulher, Lady Macbeth, ele usa de todos os meios para conquistar o trono, eliminando qualquer empecilho.
Macbeth data de abril de 1611 e, como em outras obras de Shakespeare, ele se baseou em fatos reais para criá-la. As principais fontes para a tragédia são as Crônicas da Inglaterra, Escócia e Irlanda, de 1587, uma história das Ilhas Britânicas, popular entre Shakespeare e seus contemporâneos.
Ali, há relatos de regicídios e de meios escusos de se usurpar tronos, entre eles a consulta a bruxas. As Crônicas são praticamente uma mistura de Game of Thrones e revista Caras da Idade Média.
Por conta da presença das bruxas, a peça carregou por muito tempo a pecha de “amaldiçoada”, a ponto de não se mencionar em voz alta seu nome — era chamada apenas de “the Scottish play” (“A peça escocesa”).
Ainda assim, Macbeth, assim como Hamlet, também de Shakespeare, é um marco, que funciona como uma espécie de crivo na carreira dramática de qualquer ator e diretor. Praticamente o vestibular de artes dramáticas. E a Tragédia de Macbeth, de Joel Coen, está muito especial por diversos motivos.
Como Lady Macbeth, um dos papéis femininos mais marcantes da dramaturgia, McDormand apresenta toda a força e frieza necessárias para caracterizar a personagem. Ela traz ainda um quê de loucura, mas não aquela desvairada, e sim uma loucura triste, desesperada, muito mais apropriada ao papel.
Já Washington , indicado ao Oscar de melhor ator pelo papel, empresta a Macbeth um pouco de sua passionalidade, sem ser exagerado ou caricato. Entre os outros personagens, destacam-se igualmente Alex Hassel como o lorde escocês Ross, e Harry Malling como Malcom, filho do rei Duncan (Brandan Gleesson, sempre interpretando reis ou cavaleiros britânicos).
Mas as gratas surpresas estão nas interpretações do novato Corey Hawkins (o Benny de Em um Bairro de Nova York), como o vingativo Macduff, e de Katryn Hunter (Ms Arabella Figg de Harry Potter e a Ordem da Fênix) como “as bruxas”, realmente aterrorizante.
Katryn Hunter aterrorizante como a bruxa.
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Além da performance arrebatadora dos atores, o que torna A Tragédia de Macbeth inesquecível são a direção de arte, design de produção e a fotografia. Com franca inspiração em O Sétimo Selo, de Ingmar Bergman, o longa foi todo filmado em preto branco e conta com cenários minimalistas, porém cheios de recortes geométricos, perspectivas simbólicas e banhos de luz e sombra. O filme é um espetáculo gráfico de encher os olhos e embevecer a alma.
A direção de fotografia de Bruno Delbonell (O Fabuloso Destino de Amélie Poulain) e o design de produção de Stevan Dechand (Avatar) também receberam indicações ao Oscar, mas a direção de arte de Jason T. Clark (Pantera Negra) merecia igualmente ter entrado na lista.
A vida pode até ser uma história cheia de som e fúria contada por um idiota que não significa nada, mas são obras como A Tragédia de Macbeth que nos fazem refletir a agradecer infinitamente por ela.
Leva que tá doce! É um belo formato para conhecer a peça de Shakespeare e, quem sabe, aguçar o interesse por outras obras dele.
Dois pelo preço de um: Impossível não fazer o paralelo com o clássico do cinema O Sétimo Selo, de Ingmar Bergman. Aliás, parece ter sido a principal inspiração.
Presta atenção, freguesia: Nas representações da bruxa, ora como figura humana, ora como corvo, e às vezes uma mistura dos dois. Impressionante.
Gabi Franco
Editora de filmes e séries na Tangerina, Gabi Franco é criadora do Minas Nerds, jornalista, cineasta, mãe de gente, pet e planta. Ex- HBO, MTV, Folha, Globo… É marvete, mas até tem amigos DCnautas.
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