Série Netflix sobre caso real está escondida mesmo com 100% de aprovação

Você já ouviu falar da minissérie Cidade Tóxica (Toxic Town), que é baseada em um caso real? Se você é daqueles que fica ligado em todos os lançamentos da Netflix, pode até já ter visto, mas para quem costuma consumir mais o que está em alta no catálogo pode ter perdido a chance de assistir a essa produção do mesmo criador de Adolescência. Lançada no final de fevereiro pelo serviço de streaming, a trama fez sucesso no exterior, mas não apareceu no Top 10 aqui no Brasil, ou seja, teve menos audiência do que deveria.

Aprovada por 100% dos críticos no Rotten Tomatoes e com nota 7,5/10 do público no IMDb, Cidade Tóxica é uma daquelas joias escondidas no catálogo da Netflix. Com apenas quatro episódios, é perfeito para assistir em um dia. O elenco de peso inclui nomes como Jodie Whittaker (de Doctor Who), Aimee Lou Wood (de Sex Education) e Brendan Coyle (de Downton Abbey).

Cidade Tóxica mergulha em um escândalo ambiental chocante, dramatizando a história real das mães que lutaram por justiça na cidade inglesa de Corby. Na trama, o pó venenoso no ar de Corby é a causa de crianças nascerem com a falta de membros e outras anormalidades físicas. A minissérie Netflix acompanha essas mães em seu dia a dia sob nuvens de poeira laranja, suas frequentes visitas a hospitais para as cirurgias e consultas médicas de seus filhos.

O enredo se desenrola a partir da perspectiva de personagens centrais, inspiradas em pessoas reais. A trama segue Susan McIntyre (interpretada por Jodie Whittaker), que começa a desconfiar de algo errado após dar à luz um bebê com uma mão deformada. Sua suspeita se intensifica quando ela é colocada no mesmo quarto de hospital que outra mãe cujo filho também nasceu com uma anomalia. Um telefonema de um jornalista é o catalisador para que Susan perceba a dimensão do problema.

Entre as mães que se unem na busca por respostas e justiça estão Tracey Taylor (vivida por Aimee Lou Wood), cujo primeiro filho nasceu com uma orelha deformada e morreu pouco tempo depois, e Maggie Mahon (interpretada por Claudia Jessie), mãe de um filho que nasceu com pé torto e precisou de várias operações para andar normalmente.

O advogado Des Collins (interpretado por Rory Kinnear), natural de Corby, desempenha um papel crucial ao ler o artigo do Sunday Times e decidir encontrar mais mães dispostas a se juntar a um processo coletivo. Outros personagens incluem Roy Thomas (vivido por Brendan Coyle), um vereador fictício de Corby, e Sam Hagen (interpretado por Robert Carlyle), um ex-funcionário do conselho que fornece documentos vitais para o caso.

Cidade Tóxica é baseada em acontecimentos reais

A série é baseada no escândalo de Corby, um caso real em que moradores inalaram poeira tóxica que, posteriormente, foi associada a defeitos congênitos em um grupo de crianças. A sentença de 2009 contra Corby foi um marco, a primeira vez que um tribunal civil na Inglaterra conectou defeitos congênitos à gestão negligente de resíduos tóxicos no ar, tornando-se conhecida como a “Erin Brockovich britânica”. As mães reais que viveram essa experiência e fizeram parte do processo coletivo foram consultadas durante a produção da série para garantir a veracidade da história.

O ponto de partida para a investigação foi o jornalista Graham Hind, que recebeu uma denúncia sobre problemas na descontaminação de uma antiga usina siderúrgica em Corby e múltiplos casos de crianças nascidas com defeitos congênitos de mães que viviam ou trabalhavam perto do local. Ele contatou Susan McIntyre quando seu filho tinha 18 meses, e publicou a notícia em um artigo do Sunday Times em 1999.

O artigo revelou que um dos locais, uma pedreira, continha níveis de arsênio, zinco, boro e níquel que excediam em muito as diretrizes de segurança ambiental, mesmo após a suposta limpeza. As mães suspeitavam que não eram as únicas a ter filhos com defeitos congênitos, e o processo coletivo acabou incluindo 19 famílias.

A vida em Corby era marcada pela presença constante de poeira.

Os residentes da época recordam lagoas lamacentas com cheiro de “enfermaria de hospital” e crianças brincando perto de grandes poças de líquido que efervesciam quando pedras eram jogadas nelas. Tracey Taylor descreveu “uma poeira fina que chegava a todo lado”, como se o “deserto do Saara tivesse dado uma grande varrida”, tornando o ar tão nebuloso que era impossível manter uma superfície limpa por muito tempo. Ela sofria de asma em Corby, mas não precisava usar inaladores quando saía da cidade. Maggie Mahon, cujo marido trabalhava no local da recuperação, precisava escovar a poeira das roupas dele quando chegava em casa.

A vitória no caso de Corby, retratada em Cidade Tóxica, foi possível graças a documentos recebidos pela equipe jurídica de Des Collins. Esses documentos, fornecidos por Sam Hagen, um ex-funcionário do conselho que tinha preocupações com a contaminação, comprovavam que as medidas tomadas pelo conselho de Corby para evitar a contaminação eram inadequadas.

O tribunal considerou o conselho municipal responsável por negligência em 2009, afirmando que a dispersão de lama e poeira contaminadas em áreas públicas e residências de Corby poderia realisticamente ter causado os defeitos congênitos. Muitas das pessoas que faziam a limpeza eram ex-metalúrgicos, sem experiência em remoção de resíduos tóxicos, e o sistema de lavagem de rodas dos veículos de transporte, que deveria limpar os pneus, na verdade os sujava com água contaminada. Em abril de 2010, o conselho chegou a um acordo com as famílias, embora o valor exato da compensação não tenha sido divulgado.

O caso de Corby se tornou um alerta para localidades que embarcam em projetos de recuperação de terras, levando a uma abordagem mais cautelosa. Para as mães envolvidas, o dinheiro nunca foi o foco; o desejo era saber o porquê e como evitar que acontecesse com outros. A minissérie busca levar essa história, que esteve “enterrada por muito tempo”, ao conhecimento público, para que situações como essa não se repitam.

Série do mesmo criador de Adolescência

O escritor Jack Thorne, responsável por adaptar a história para a Netflix, também é um dos responsáveis por Adolescência (2025), série que virou fenômeno ao redor do mundo. O roteirista revelou que, assim como muitos, ele próprio desconhecia o caso dos envenenamentos de Corby antes de ser procurado pelos produtores.

A complexidade do caso e a resiliência das mulheres em sua busca por responsabilização inspiraram a produção. A equipe trabalhou arduamente para garantir a autenticidade, inclusive com a atriz Jodie Whittaker se dedicando para aperfeiçoar o sotaque peculiar de Corby, que o ator Brendan Coyle, nascido na cidade, descreve como um sotaque escocês “diluído”.

Para promover a série e conscientizar sobre a poluição, a Netflix utilizou uma campanha criativa com outdoors no Reino Unido que “desapareciam” em uma nuvem de fumaça branca quando a qualidade do ar na cidade era considerada “ruim”, reforçando a mensagem de que “só porque você não consegue ver, não significa que não está acontecendo”.