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Clássico de Alan Moore que influencia gerações até hoje mostra que não importa quem se esconde por trás da máscara
Você já deve ter ouvido falar do filme com o mesmo nome de 2005, dirigido pelas irmãs Wachowski e estrelado por Natalie Portman. Ou nem isso, pode ter apenas identificado a máscara da capa como aquela mesma usada pelo grupo Anonymous. Mas, caso você não saiba, o filme foi adaptado da HQ escrita por Alan Moore e ilustrada por David Lloyd, lançada em 1982 e que este ano completa 40 anos. Já a máscara foi uma homenagem do grupo ativista que segue à risca a proposta da obra.
V de Vingança é daquelas obras seminais dos quadrinhos. Um clássico que influenciou e ainda influencia gerações. Se você pedir para qualquer fã de HQs fazer uma lista top 10, existem grandes chances de ela estar entre os primeiros lugares. Mas por que ela é tão importante?
V de Vingança, uma das obras mais importantes das histórias em quadrinhos, de Alan Moore e David Lloyd
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Bem, V de Vingança é praticamente um tratado antitotalitarismo. Ela ressoa rebelião. Cada linha, frase e ideia passada nesta graphic novel é um convite à ação contra as injustiças e abusos do mais forte contra o mais fraco, em todos os âmbitos, mas principalmente no social e político.
Foi publicado pela primeira vez na década de 1980 na revista de quadrinhos britânica Warrior. A revista fechou em 1985 mas, antes disso, graças à intervenção da editora Karen Berger à frente do selo adulto da DC, o Vertigo, os direitos foram para a editora. Berger, umas das editoras pioneiras em um mundo de quadrinhos ainda totalmente masculino, tinha a missão de trazer nomes de vanguarda para renovar o catálogo da empresa. O movimento ficou conhecido como “invasão britânica” e trouxe nomes como Neil Gaiman e Alan Moore.
Uma crítica direta aos governos autoritários
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A narrativa de de V de Vingança se passa em 1997, que na época do lançamento era um futuro próximo. Uma guerra nuclear devastou grande parte do mundo. A Inglaterra, onde a história se passa, está entregue a um governo fascista, totalitário e eugenista. Qualquer um que não seja heterossexual, branco e complacente desaparece em campos de concentração. Somos então apresentados a Evey e V, os personagens centrais da HQ. Ela, uma jovem que é resgatada das ruas; ele, um sobrevivente dos campos de concentração que nunca mostra seu rosto e usa uma máscara de Guy Fawkes, personagem conspiracionista inglês acusado de tentar explodir o Parlamento em 1605. Juntos, eles atravessam uma jornada catártica de aprendizado mútuo, ao longo da qual planejam uma rebelião contra o autoritarismo vigente. Acontece que eles não conseguem sozinhos. Será preciso conscientizar toda uma nação e, para isso, algumas medidas extremas são tomadas.
V de Vingança foi uma crítica direta de Alan Moore ao Tatcherismo nos anos 1980, período marcado pelo governo neo-liberal da então Primeira Ministra, Margareth Tatcher. Ela usou de elementos conservadores, autoritários e excludentes visando a supremacia do individualismo sobre o coletivismo -além de utilizar a mídia para ameaçar o resto do mundo com ataques nucleares, acirrando a Guerra Fria.
A HQ é uma obra-prima permeada por símbolos, referências literárias e políticas que causam reflexão e impactam diretamente na maneira como nos percebemos seres políticos. No final, temos um mundo insalubre e a luta pela liberdade travada por um anti-herói que não vê outro caminho senão o da conscientização e revolução popular, a anarquia.
Outro personagem à parte é o próprio autor da obra, Alan Moore, um dos maiores roteiristas de quadrinhos da história. Apelidado de Bruxo de Northampton (por conta de sua barba e seu envolvimento real com magia), Moore sempre fez questão de se posicionar contra o status quo e o lucro desenfreado das grandes corporações. Por conta disso foi completamente avesso à adaptação de suas obras para o cinema, pedindo até para que seu seu nome fosse retirado dos créditos. Causa uma espécie de misto de fascínio e revolta nos nerds por seu posicionamento anti super-heróis e todo o universo relacionado a eles, principalmente o merchandising e os atuais blockbusters milionários. Mesmo depois da fama, mora na mesma casa na cidade inglesa interiorana de Northampton, com a mulher, também quadrinista, Melinda Debbie.
“Anarquia é a melhor e única forma moralmente sensível de conduzir o mundo. Todo mundo deveria ser o mestre do seu próprio destino, todo mundo deveria ser seu próprio líder”, disse em entrevista ao Channel 4
No final, descobrimos que não importa quem está por trás da máscara de V. Pode ser qualquer um de nós. O que está por trás da grande obra V de Vingança tampouco é um autor, mas uma ideia. E ideias são à prova de balas.
O autor brasileiro Marcelo Quintanilha foi o grande vencedor da 49ª edição do Festival Internacional de Angoulême, que aconteceu no último dia 22 na França. O evento é o maior festival de quadrinhos da Europa e o mais respeitado do mundo. Ele levou o troféu Fauve d’or de Melhor Álbum por sua HQ Escuta, Formosa Márcia, publicada ano passado pela Editora Veneta aqui no Brasil e pela editora Ça et Là na França. Quintanilha já havia sido premiado no Festival com Melhor História Policial em 2016 concedido a Tungstênio. A HQ Carolina de Sirlene Barbosa e João Pinheiro também já foi contemplada em Angolêume com o Prêmio Especial. É o quadrinho brasileiro conquistando o mundo!
Gabi Franco
Editora de filmes e séries na Tangerina, Gabi Franco é criadora do Minas Nerds, jornalista, cineasta, mãe de gente, pet e planta. Ex- HBO, MTV, Folha, Globo… É marvete, mas até tem amigos DCnautas.
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