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Luciano Quirino, o Abílio, e Guilherme Silva, no Onofre, em Além da Ilusão

Reprodução/TV Globo

COELHO NA CARTOLA

De Getúlio aos comunistas: Além da Ilusão é conto de fadas político?

Em clima de conto de fadas, Além da Ilusão tira uma série de temas políticos da cartola sem afugentar o público

Daniel Farad

Davi (Rafael Vitti) não é o único a sempre ter ao menos uma carta na manga em Além da Ilusão. A autora Alessandra Poggi também dá um jeito de tirar a política da cartola sem atrapalhar a audiência da novela das seis. Como num passe de mágica, ela se aproveita do clima de “conto de fadas” para falar sobre temas que já causaram aversão no público do horário.

A escritora, inclusive, pegou a faixa em uma das suas piores fases, diante da baixa audiência de Nos Tempos do Imperador (2021). O folhetim de Alessandro Marson e Thereza Falcão não sofreu apenas com as limitações impostas pela pandemia de Covid-19, mas também por abrir fogo politicamente, principalmente contra Jair Bolsonaro e seus aliados.

A roteirista já havia passado pela experiência de falar sobre um dos períodos mais delicados do Brasil em Os Dias Eram Assim (2017). Ela e a parceira Ângela Chaves sofreram justamente com os parcos conhecimentos do brasileiro em História, sobretudo diante de um episódio ainda não devidamente solucionado —a Ditadura Militar (1964-1985).

Alessandra, entretanto, fez a lição de casa diante das dificuldades enfrentadas em sua estreia como autora titular. A política não deixa de estar presente em Além da Ilusão, mas não exatamente no centro do debate. Ela está a favor da narrativa, ainda que seja praticamente impossível dissociar algumas tramas do seu contexto social.

As críticas ao bolsonarismo são uma constante na novela, mas estão muito mais moduladas do que na antecessora. Há, claro, bordoadas explícitas. Onofre (Guilherme Silva) reclamou sobre as “fraquejadas” dele por só ter tido filhas mulheres com Felicidade (Carla Cristina Cardoso).

Além da Ilusão, porém, também propõe alfinetadas sutis à ascensão da extrema-direita no Brasil e no mundo. Lorenzo (Guilherme Prates) e Bento (Matheus Dias) não embarcaram para lutar na Segunda Guerra Mundial (1939-1945) à toa, já que o fascismo é fundamental para entender os governos de Bolsonaro, no Brasil; de Viktor Orbán, na Hungria; e de Sebastian Kurz, na Áustria.

A produção também opta por manter a referência aos membros do exército de Adolf Hitler (1889-1945) como “tedescos”. O termo pode soar como um preciosismo de época, mas também é fundamental para evitar a repetição da palavra “nazista” a cada capítulo —num peso que talvez não fizesse sentido dentro da faixa das seis.

Ilusão de Gegê

Alessandra ainda coloca uma das figuras mais centrais do Brasil no século 20 como um dos pilares de sua trama, apesar de ela não ter aparecido até agora. Trata-se de Getúlio Vargas (1882-1954). O presidente constantemente está na boca dos personagens, escapando de um certo maniqueísmo —do “pai dos pobres” aos aliados ou do “ditador” aos rivais.

As duas faces do político são exploradas dentro da trama, que dá maior visibilidade a uma pessoa que até então ficava relegada às notas de rodapé dos livros de História. Darcy Vargas (1895-1968), mulher do ex-mandatário, ganha corpo na atriz Ana Carolina Romano.

Além da Ilusão ainda coloca no ar —para um público tido como mais conservador— uma série de pautas que historicamente são ligadas às esquerdas. Os comunistas Mércia (Vitória Fallavena) e Natan (Luan Borges) não foram vilões, muito pelo contrário; e as greves são tratadas com uma seriedade que não se vê nem nos telejornais.

A história, óbvio, tem problemas. Davi não é exatamente um herói bem construído e, por vezes, resvala em ser uma versão “clean” de Joaquim (Danilo Mesquita). Os sócios Violeta (Malu Galli) e Eugênio (Marcello Novaes) também não convencem como bons capitalistas. 

As falhas, todavia, não são capazes de anular o êxito de Alessandra em costurar um cenário histórico tão rico e diverso por trás das histórias amorosas de Elisa e Isadora (Larissa Manoela). Ela, em um Brasil cada vez mais polarizado, fez mágica, no fim das contas.

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QUEM FEZ

Daniel Farad

Repórter. Além do Notícias da TV, também se juntou ao Tangerina para combater a mesmice e o escorbuto. Escreve do Rio de Janeiro, onde se sente eternamente em uma novela do Manoel Carlos. Aqui, porém, a gente fala mexerica. Fale com o Daniel: vilela@tangerina.news

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