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O ator Marcos Palmeira caracterizado como José Leôncio em Pantanal

Reprodução/TV Globo

VENTANIA

Toca Cavalo Preto: Música de José Leôncio é amaldiçoada?

A canção Cavalo Preto, obsessão de José Leôncio em Pantanal, remonta a lendas e mitos medievais ou até mais antigos; saiba tudo sobre ela

Daniel Farad

José Leôncio (Marcos Palmeira) não pode ver os peões reunidos com uma viola ao redor da fogueira que já pede para tocar Cavalo Preto em Pantanal. A moda foi gravada pela primeira vez em 1946, mas já na primeira estrofe evoca lendas sobre o animal que chegaram ao Brasil nas caravelas dos portugueses –e que remontam a Idade Média (476-1520).

O pecuarista teria de desembolsar uma pequena fortuna para ter um exemplar solto pela sua fazenda. Os equinos desta cor não sofrem com o mesmo preconceito dos gatos, vistos como símbolos de mau agouro. Um garanhão puro-sangue árabe, uma das raças mais caras e desejadas pelos criadores, pode custar até R$ 300 mil. Ou mais, se for preto. 

A própria canção faz sucesso como se tivesse um pacto digno de Trindade (Gabriel Sater) desde que ganhou voz com a dupla Palmeirinha e Luizinho. O grande mistério, porém, fica por conta do animal que dá título à poesia de Anacleto Rosas Junior (1911-1978).

A tradição de dar o nome de Ventania aos cavalos velozes remete a uma lenda da época em que Portugal era então uma das províncias do Império Romano. Os lusitanos diziam que o próprio vento zéfiro –o que sopra do oeste– havia fecundado éguas selvagens à beira do rio Tejo.

O mito sobre os animais tão ligeiros que eram praticamente indomáveis foi repassado durante séculos até os mouros conquistaram a Península Ibérica. Eles e seus equinos –curiosamente os ancestrais dos cavalos árabes de hoje– tomaram para si essa fama que perdura até hoje.

Cavalo além de Pantanal

O brasileiro herdou da colonização portuguesa essa imagem dos cavalos ligados não só à velocidade, mas à santidade e a à própria morte. Os animais também foram fundamentais para a Reconquista e a expulsão dos árabes, a ponto de virarem pedestais para os santos cristãos –de São Tiago Mata-Mouros ao popular São Jorge.

O cristianismo também traz outra imagem que povoa até hoje o imaginário coletivo no interior do país. A Fome, um dos quatro cavaleiros do Apocalipse, está montada justamente sobre um cavalo preto com a sua balança em mãos.

As grandes navegações, que culminaram na colonização das Américas, igualmente alimentam esse inconsciente coletivo. Por um lado, há um valor negativo ligado à resistência dos árabes e de seus puros-sangues pretos no Magreb. Do outro, o reforço positivo dos perfis equinos na proa das embarcações fenícias da Antiguidade.

O animal guarda até hoje essa ligação com a morte, a batalha, mas também com a santidade e a busca por Deus. Essa ligação é tão ancestral que não permitiu que as relações próximas entre britânicos e lusitanos manchassem a imagem dos cavalos pretos.

Afinal, os súditos da rainha passaram séculos com medo de encontrar o Cavaleiro Sem-Cabeça e seu alazão tão escuro quanto madrugada. Não à toa, a palavra pesadelo em inglês é nightmare –literalmente égua da noite, aquela que leva um sonhador para uma cavalgada emocionante e perigosa.

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Daniel Farad

Repórter. Além do Notícias da TV, também se juntou ao Tangerina para combater a mesmice e o escorbuto. Escreve do Rio de Janeiro, onde se sente eternamente em uma novela do Manoel Carlos. Aqui, porém, a gente fala mexerica. Fale com o Daniel: vilela@tangerina.news

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