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Jô Soares no Programa do Jô; ícone do teatro

Zé Paulo Cardeal/TV Globo

LUTO

Como Jô Soares mudou a TV brasileira e derrubou boicote da Globo?

Humorista popularizou o talk show no Brasil e voltou para a líder de audiência 12 anos após sua saída pela porta da frente e com tapete vermelho

Luciano Guaraldo

Morto na madrugada desta sexta-feira (5), aos 84 anos, Jô Soares (1938-2022) foi ator, apresentador, humorista, escritor e diretor. Também mudou para sempre a história da TV brasileira ao popularizar o talk show. Ele ainda conseguiu derrubar uma política da Globo de boicote a artistas de outras emissoras.

Ao contrário do que muitos pensam, Jô Soares não comandou o primeiro talk show do país. José Silveira Sampaio (1914-1964) já havia explorado o gênero de entrevistas nos primórdios da televisão, na TV Paulista. Mas o Bate-Papo com Silveira Sampaio tinha nascido no rádio e não era exatamente pensado para a televisão, com um formato que dificilmente manteria o público sintonizado hoje em dia.

Nos anos 1980, Jô Soares, que chegou a trabalhar na atração de Silveira Sampaio, queria um talk show nos moldes daqueles exibidos pelas redes dos Estados Unidos no fim da noite e início da madrugada, como o The Tonight Show, na época apresentado por Johnny Carson (1925-2005), ou o Late Night, então comandado por David Letterman.

O problema é que a Globo, com quem ele tinha contrato, não demonstrou muito interesse em um programa de entrevistas e preferiu manter Jô Soares no gênero em que ele estava consolidado, os humorísticos. Frustrado, ele assinou com o SBT e estreou, em 1988, o Jô Soares Onze e Meia, que ficou no ar até 1999.

Impossível assistir ao Onze e Meia e não pensar nos talk shows norte-americanos da época. O cenário, a presença de uma banda residente, a disposição da mobília, até a famosa caneca (onde especula-se que Jô guardava refrigerante diet) remetiam ao The Tonight Show.

O programa deu tão certo que a Globo bateu na porta de Jô Soares para levá-lo de volta. E não para fazer humorísticos, mas para mantê-lo no formato que ele tanto quis. Em abril de 2000, ele estreou o Programa do Jô, uma continuação do Onze e Meia, mas com convidados que ele dificilmente conseguiria levar para uma entrevista no SBT –porque tinham contrato de exclusividade com a líder de audiência.

Boicote a artistas

As políticas de exclusividade da Globo, inclusive, provocaram outro momento histórico de Jô Soares na TV. Em 1988, ao receber o Troféu Imprensa, o apresentador pediu a Silvio Santos para ler um desabafo que havia publicado um dia antes no Jornal do Brasil. No texto, ele reclamava da decisão da emissora de boicotar comerciais feitos por artistas contratados por concorrentes.

“Com impecável senso de oportunidade, a TV Globo escolheu exatamente o momento da Constituinte no Brasil para inaugurar sua lista negra. Quem sair da emissora sem ter sido mandado embora corre o risco de não poder mais trabalhar em comerciais, sob a ameaça de que estes não serão lá veiculados. Como a rede detém quase o monopólio do mercado, os anunciantes não ousam nem pensar em artistas que possam desagradá-la”, leu ele na premiação.

“Escrevo, isso sim, porque atores que trabalham no meu programa, como Eliezer Motta, como Nina de Pádua, foram vetados em comerciais. As agências foram informadas, não oficialmente, é claro – como acontece em todas as listas negras – que suas participações não seriam aceitas.”

Silvio Santos concordou com o apelo de Jô Soares e aproveitou a ocasião para alfinetar a rival. “Eu faço minhas as suas palavras. E é uma pena, senhores telespectadores, que uma rede de televisão com este comportamento ainda seja a primeira colocada em audiência em todo o Brasil. Queira Deus que o doutor Roberto Marinho seja mais uma vez iluminado para que estas atitudes não sejam frequentes”, pontuou.

Nos anos 1990, o apelo surtiu efeito, e a Globo passou a exibir comerciais estrelados por artistas da concorrência. A emissora também aliviou a política de não liberar seus contratados para programas exibidos pelas rivais –embora até hoje essas concessões estejam mais para exceção do que para regra.

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Luciano Guaraldo

Editor-chefe da Tangerina. Antes, foi editor do Notícias da TV, onde atuou durante cinco anos. Também passou por Diário de São Paulo e Rede BOM DIA de jornais.

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