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Jove (Jesuita Barbosa) em Pantanal

Divulgação/TV Globo

O BOM LEÔNCIO

O agro é pop e não poupa Pantanal: Novela da Globo é uma farsa verde?

Pantanal discute ecologia com um homem do agronegócio como protagonista: é possível a novela chegar a consenso?

Daniel Farad

A bordo de sua chalana, Eugênio (Almir Sater) não se cansa de reclamar que há mais aviões do que araras azuis no céu em Pantanal. Ele é a testemunha da degradação do bioma, denuncia os “fogaréus” que põem em risco a biodiversidade e o avanço da ação humana que faz cada vez menos água chegar àquelas planícies. E ele, curiosamente, mal espera cair a noite para pegar a viola e se juntar ao principal vilão da história –o agronegócio escondido debaixo do chapéu de José Leôncio (Marcos Palmeira).

O fazendeiro é o personagem que mais envelheceu nas três décadas que separam a versão original e o remake da Globo. Benedito Ruy Barbosa nunca se furtou a falar de política –da reforma agrária ao MST– e, dentro do possível, fez da trama um “panfleto ecológico”.

A questão é que o debate sobre o meio ambiente mudou profundamente nos últimos 30 anos. Em 1990, o efeito estufa e o setor industrial tinham um peso tão grande que levavam a discussão quase que exclusivamente para os grandes centros urbanos ou para países desenvolvidos.

Ou seja, um pecuarista isolado no interior do Brasil à imagem de José Leôncio dificilmente seria visto ou associado a uma ameaça ambiental. As próprias novelas de Ruy Barbosa trariam outros “heróis do agronegócio” no protagonismo, como o Bruno Mezenga (Antonio Fagundes) de O Rei do Gado (1994).

O autor promove uma virada importante em Velho Chico (2016), em que a sociedade já passa amplamente a discutir o impacto ambiental da atividade agropecuária e até de uma bancada ruralista no Legislativo. Trata-se do maniqueísmo entre Afrânio (Antonio Fagundes) e Santo (Domingos Montagner).

O coronel ganha até ares de vilão ao representar a elite que herda a terra e a explora até os limites, numa caricatura de um sistema antigo e prestes a implodir. O agricultor é o novo homem do campo, dando voz aos pequenos produtores, ao manejo sustentável e ao fim dos agrotóxicos.

Luperi, ao retomar o texto do avô, faz uma série de manobras discursivas para tentar agrupar essas figuras –antagônicas até dentro da própria realidade– em uma pessoa só. Ou duas. Afinal, Jove (Jesuita Barbosa) também está prestes a formar um rebanho na novela das nove.

O novo herói rural de Pantanal

A construção do “herói telúrico” de Pantanal passa pela recusa de José Leôncio em se ver como um dos membros do agronegócio brasileiro. Ele é um peão que deu certo na vida, que tem mais bois no pasto do que estrelas no céu, mas nunca um homem de negócios –parte que cabe a Davi (Lucci Ferreira) e Matilde (Mareliz Rodrigues).

O pai de Tadeu (José Loreto) frequentemente discorda dos conselheiros, ainda que um “não” o faça literalmente perder dinheiro. Ele não troca os cavalos por motociclos e a todo momento se coloca fora de uma estrutura capitalista. O seu objetivo não é o lucro, mas honrar a memória de Joventino (Irandhir Santos).

A própria imagem de Marcos Palmeira é fundamental para que o personagem ganhe essa aura de “bom ruralista”. O ator mantém fazendas em que instaurou um manejo sustentável, para produção de orgânicos, e até incentivou o pai Zelito Viana a fazer o mesmo nas suas propriedades.

Pantanal bebe em fontes muito claras para reforçar o DNA de peão dos Leôncio, que se assemelham muito com o Paulo Honório de São Bernardo (1934). De origem humilde, ele vence na vida e se torna um importante fazendeiro, ainda que rejeitado pela elite local.

O romance de Graciliano Ramos (1892-1953) também traz o protagonista à busca de herdeiros que vão levá-lo até Madalena. O nome remete a Madeleine (Karine Teles), ainda que a professora tenha um quê de Filó (Dira Paes) –em que a postura progressista dela entra em conflito o tempo inteiro com a subserviência ao marido.

Esse verniz não se sustenta por muito tempo na fronte de José Leôncio, tanto que a novela já começou a ser questionada por ativistas. Apesar da rejeição, ele é a cara do agronegócio e faz parte da tal “bancada do boi”. Os marruás não estão no pasto à toa, a quem são vendidos? São exportados? Esses animais alimentam-se de luz ou também entram na cadeia produtiva da soja, base para tantas rações?

Por que apenas a Fazenda Pantanal não agrediria o Pantanal se é justamente a atividade agropecuária a principalmente responsável pelo desmatamento no bioma? Existe uma diferença imensa entre colocar-se fora e não fazer mais parte de um “modo de vida imperial” –em que a riqueza ainda vem da exploração humana e da natureza.

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QUEM FEZ

Daniel Farad

Repórter. Além do Notícias da TV, também se juntou ao Tangerina para combater a mesmice e o escorbuto. Escreve do Rio de Janeiro, onde se sente eternamente em uma novela do Manoel Carlos. Aqui, porém, a gente fala mexerica. Fale com o Daniel: vilela@tangerina.news

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