Jorge Bispo/Divulgação
Ed Motta fala do álbum Behind The Tea Chronicles (2023), disponível nas plataformas de streaming, e de cancelamento na web
Se o novo álbum de Ed Motta, o ótimo Behind The Tea Chronicles (2023), fosse uma produção audiovisual, ele bem que poderia ser aquele tipo de filme que traz em sua narrativa diversas histórias curtas e independentes entre si –com início, meio e fim–, mas que têm um tema ou outro elemento em comum que as conecte.
Mesmo que cada canção funcione como uma espécie de crônica musicada, todo o disco é perpassado pela sonoridade que bebe na fonte do soul, do funk e da música brasileira, já tão característica na obra de Ed Motta, e também por uma evidente atmosfera cinematográfica.
Isso porque, além de sua intrínseca relação com a música como cantor, compositor e, por que não dizer, pesquisador, Ed Motta é um grande admirador de cinema e séries, a ponto de todos os dias acessar sua coleção pessoal, com cerca de 10 mil filmes, nos formatos digital e físico, e escolher dois títulos. “Todo dia assisto um clássico e um filme novo”, assegura ele, em entrevista à Tangerina.
Ed Motta tem uma predileção pelos clássicos. E, na mesma proporção que ele adora esse tipo de produção, detesta os atuais filmes e séries de super-heróis, saídos de universos como da DC Comics e da Marvel.
Além de manter esse amplo acervo cinematográfico, com o qual sacia seu lado cinéfilo, Ed Motta segue ampliando sua coleção de discos, que atualmente reúne 20 mil exemplares. “Tenho 52 anos e compro discos desde meus 13”, comenta ele, que lembra de ter assinado com a gravadora Warner aos 15 anos para fazer seu primeiro disco, pegado o cheque de pagamento e gastado em LPs.
Em entrevista à Tangerina, Ed Motta fala sobre seu novo disco –o 14º de estúdio de sua carreira e composto integralmente em inglês–, influências cinematográficas, sua aversão a artistas e bandas contemporâneas e sua relação com a cultura do cancelamento nas redes sociais:
Tangerina: Fale sobre a inspiração em filmes e séries, que é a matriz de seu novo disco. Quais são os perfis de produção que você gosta? Inclui cinema noir, não?
Ed Motta: A narrativa dessas letras tem bastante do cinema noir, tem coisa como sabotagem, mafiosos, jogadores, traições. Algumas dessas situações são bastante clichês no mundo noir e também na literatura policial. E tem relação com ficção mais psicológica. Quando eu falo da série de TV, é mais por conta daquelas produções que, nos anos 1970, 1980, que eram chamadas no Brasil de ‘enlatados’, cujos episódios já se resolviam em 50 minutos. Tinha muito Sidney Sheldon (1917-2007), muita coisa mais barata, mas que tinha até sua graça. Mas tinha Columbo, com roteiros incríveis; Galeria do Terror (1969), que chamou muito diretores importantes, foi o primeiro trabalho do Steven Spielberg. Dessa era, eu gosto do Twin Peaks (1990), do David Lynch, tinha um cinema noir colorido: aquela situação da cidade pequena, com seus pudores e loucuras. Musicalmente, aparece influência da Broadway. O fio condutor vai ser meu papel como compositor com minhas virtudes e meus defeitos.
T: Falei sobre essa questão do noir, dos filmes mais clássicos, porque foi a atmosfera que eu senti nessas trilhas que você faz dentro do álbum. No seu processo, foi como se você estivesse fazendo cada música para um filme?
EM: Não, faço primeiro a música. Quem me dera que eu tivesse técnica de composição para falar: ‘agora vai sair isso’. As letras vieram logo depois. Desta vez, a mesma obsessão doentia que tenho com as músicas –cada acorde, cada nota– eu tive com a letra, com o texto. De não repetir a palavra. Sempre eu disse: quando a música é muito complexa, é evidente que ela foi feita primeiro. Tem uma exceção nesse mundo aí que se chama Sueli Costa (1943-2023). Aquela música que a Elis Regina (1945-1982) e a própria Sueli gravaram (Altos e Baixos), o Aldir Blanc (1946-2020) fez essa crônica e ela musicou. Meu Deus, o nível que essa música tem é muito alto. A Sueli é uma grande influência para mim na parte de composições.
T: Você compõe em português também, mas o inglês é uma língua que acho que, para você, se encaixa no seu universo de composição. Fale sobre sua relação com inglês também nesse novo disco.
EM: A língua franca do idioma da minha música é o inglês. Desde o primeiro ato. Gostava de música americana, ia para o baile dançar todo final de semana. Claro que, depois eu aprendi um monte de música brasileira, isso influencia minha música também. Há elementos da música brasileira nesse disco o tempo inteiro. Percebo eles harmonicamente. São acordes que aprendi ouvindo música brasileira, vários compositores do Brasil, mas o inglês entra de forma estética. Em nenhum momento, ele é um facilitador mercadológico para que eu tenha maiores oportunidades com o público internacional, porque o público para o qual eu me apresento (no exterior), que é, em sua grande maioria Europa e Japão, preferiria que elas estivessem em português.
T: O que interessa a você hoje em dia em relação à produção audiovisual, no cinema e em série?
EM: Pouca coisa, mas eu gosto do Guillermo del Toro, o primeiro filme dele que eu vi foi O Labirinto do Fauno (2006). Mas, dessas séries todas que existem, gostei de três: uma é O Gabinete de Curiosidades, e as outras são as argentinas O Zelador (2018) e Nada (2023), com Robert De Niro. Tenho gostado desse material argentino, que é uma coisa que não tenho na minha coleção, mas que vejo por meio do streaming. Tenho muito disco de música argentina, mas não conhecia o cinema deles e tenho tentado corrigir esse atraso com filmes e séries. Eu continuo a ver os clássicos. Vejo dois filmes por dia. Todo dia, assisto a um clássico e a um filme novo.
T: E o que você acha dessa onda de filmes com super-heróis da Marvel, da DC Comics?
EM: Tenho pavor. Eu e minha mulher tentamos ver uma série em que o casal se veste rápido, com aquelas roupas, vão para um inter-espaço (WandaVision, da Marvel). Aquilo me irrita num nível. Os diálogos, meu Deus. Eu gosto das coisas que são produzidas da série Star Wars. Vejo tudo. Me lembro quando fui com meu pai assistir ao primeiro Star Wars, em 1977. Aquilo foi muito impactante, um divisor de águas para mim. Não existe uma coisa que seja assim hoje. Por exemplo, coloquei no meu Instagram o anúncio de um show que vou fazer no festival Elbjazz, em Hamburgo, e não conheço nenhuma daquelas bandas, daqueles artistas. Por nome, só conheço o Belle and Sebastian, mas o resto todo eu não conheço, e aí fiquei impressionado porque tinha um monte de gente dizendo: ‘não acredito que você vai tocar na noite do ‘drodrodro’. E eu sentindo que vou tocar num negócio em que ninguém conhece ninguém. Falei: ‘poxa, você está velho mesmo’. Não é o fato de estar velho, é o desinteresse. Hoje eu não sei o que é nada. ‘Ah porque o Maroon 5, o Air’. Se eu encontrar uma dessas pessoas na rua, eu não sei quem é.
T: Você causou polêmica quando criticou o Raul Seixas (1945-1989) ou quando disse que só falaria e cantaria em inglês numa turnê pela Europa. Como você lida com a cultura do cancelamento nas redes sociais?
EM: A rede social, para mim, é uma televisão independente, e ela tem um material que pode ser controverso para alguns. Isso é da personalidade. Eu sempre fui cancelado desde criança: no colégio, no meu prédio, em tudo. Ao mesmo tempo que sou de convívio fácil, sou de convívio tempestuoso. Acho que influencia bastante o elemento: nem todo leonino é psicopata, mas sou leonino psicopata. É um ego, é uma coisa fora do comum. E claro que tem um outro desdobramento ególatra: não existe propaganda ruim. Estão falando de você, você está cancelado em todos os sites: ‘uau, uhu’. Eu vivo em sociedade, claro. Mas, de forma geral, como acho que a sociedade está sempre errada e eu sempre certo, fico só observando (risos).
Adriana Del Ré
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