Empresários musicais avaliam boom de shows no Brasil: ‘Força total’

Em 1990, quando o mercado do entretenimento no Brasil ainda engatinhava –e a primeira edição do Rock in Rio havia acontecido apenas cinco anos antes–, o produtor e empresário Luiz Oscar Niemeyer foi responsável por um grande feito: trouxe Paul McCartney pela primeira vez ao país. Os shows históricos do ex-Beatle foram realizados no Maracanã –e, não por acaso, Paul encerrou sua longa turnê nacional de Got Back, neste ano, no mesmo local. “Os shows de Paul McCartney no Maracanã em 1990 foram um grande marco no segmento de shows e eventos no país”, relembra Niemeyer, em entrevista à Tangerina.

Ao longo dos anos, o empresário Luiz Oscar Niemeyer seguiu fazendo história no showbiz nacional. Ao lado de seu filho Luiz Guilherme Niemeyer, ele lidera a produtora Bonus Track, que carrega em sua linha do tempo a realização de importantes shows internacionais no país, como as turnês dos Rolling Stones na praia de Copacabana, Roger Waters, Elton John, Beyoncé, Rihanna, Coldplay, Miley Cyrus, Sade, Bob Dylan, Eric Clapton, Stevie Wonder, além de todos os shows do próprio Paul McCartney e de projetos nacionais, como Caetano Veloso e Maria Gadú, Los Hermanos e Titãs Encontro (que reuniu a formação original da banda em comemoração aos seus 40 anos).

A empresa é responsável, ainda, por festivais como MITA e Doce Maravilha, e espaços de entretenimento e cultura, como Teatro Prio, no Jockey Club Brasileiro, e a casa de shows Canecão, que deve ser reaberta em 2025.

Conversamos com Luiz Oscar Niemeyer e Luiz Guilherme Niemeyer sobre Paul McCartney, o sucesso da turnê Titãs Encontro e balanço do mercado de shows em 2023:     

Tangerina: Gostaria que vocês fizessem um balanço dos grandes shows realizados pela Bonus Track ao longo de 2023, considerando esse período pós-pandemia, de retomada de shows e de grandes festivais. Mudou o perfil do público? As pessoas estão indo mais aos shows, pagando o preço que for no ingresso, fazendo mais esforços para ter a experiência de ver seu ídolo ao vivo em comparação ao que acontecia antes da pandemia?

Luiz Guilherme Niemeyer: Os dois últimos anos –2022 e 2023– foram realmente marcados por essa retomada. O mercado voltou a atuar com força total, seguindo também uma demanda reprimida do público, que estava ávido para voltar à vida cultural e ao entretenimento, e também dos artistas, que tiveram muitos projetos originais interrompidos pela pandemia. Esse conjunto de cenários levou a um boom do segmento, com a realização em dois anos de uma grande diversidade de shows e festivais. Houve uma grande disputa pela atenção do público e também por seu poder aquisitivo.

Desse ponto de vista, existe um resultado muito positivo com a criação de novos formatos, mudanças de horários de festivais –o evento com início diurno cresceu na preferência do público–, e parcerias entre artistas. O público passou a querer mais novidade, ele quer ser surpreendido e, em primeiro lugar, ele quer viver experiências diferentes em cada evento. Ele quer se identificar com a proposta e os valores dos eventos, e como ele traz mudanças além da diversão –suas ações de sustentabilidade para minimizar impactos; suas parcerias para ações sociais com foco em inclusão e educação; a atenção à acessibilidade, tendo estrutura para receber de forma adequada todos os públicos; e como o evento também gera resultados positivos para a cidade.

A Bonus Track focou nesses dois anos na experiência do público aliada a uma seleção de line up diversa, além de proporcionar momentos e shows únicos e exclusivos. Fechamos o ano de 2023 trazendo ao país dois dos maiores nomes da música mundial –Roger Waters e Paul McCartney. Ambos com turnês passando por diversas cidades e com ingressos esgotados.

T: É possível já mensurar quanto em valores o mercado do entretenimento movimentou em 2023?

LGN: É preciso um estudo bem mais profundo para ter esses valores –o mercado impacta direta e indiretamente em muitos setores da economia, sendo o turismo uma dos maiores beneficiados. A geração de empregos é um ponto muito forte e relevante a ser incorporado e também toda a cadeia de bares e restaurantes.

No festival Doce Maravilha, por exemplo, cerca de 50% dos ingressos foram vendidos para outras cidades. Para o show do Paul McCartney no Maracanã, 20% dos compradores não moravam na cidade do Rio.

T: Este ano, a Bonus Track trouxe ou realizou grandes turnês no Brasil: Paul McCartney, Roger Waters, Titãs Encontro. Em relação aos anos anteriores, vocês consideram que 2023 foi o ano com turnês e shows mais grandiosos promovidos pela empresa?  

LGN: Sim, foi um ano em que as turnês internacionais de grandes estrelas focaram nas cidades brasileiras –essa foi a maior turnê de Paul McCartney no país, por exemplo. Quando os festivais e grandes shows retomaram sua agenda, leva um tempo para organizar e definir turnês mundiais –que, em geral, têm agendas iniciais na primavera/verão do hemisfério norte e depois seguem para essas estações nos países do sul. Então, existe um tempo de ajuste de calendário.

Sobre as brasileiras, Titãs Encontro teve todos os shows esgotados e bem-sucedida carreira internacional, com shows nos Estados Unidos e Portugal, e a turnê Cedo ou Tarde, marcando o reencontro do NX Zero, também teve agenda lotada no país.

T: Vocês imaginavam que a turnê dos Titãs Encontro teria tamanha repercussão, com estádios lotados, ingressos sold out, público tomado de emoção?

LGN: A gente sempre prepara uma turnê, festival ou show com o foco na melhor repercussão possível. A expectativa com Titãs Encontro sempre foi alta e tínhamos certeza desse sucesso enorme de público. Tanto a banda como seus músicos em suas carreiras solo têm importante papel na cena musical brasileira, com músicas que sempre refletiram muito bem o pensamento e a vida do brasileiro em diferentes anos de nossa história.

T: Luiz Oscar, você foi o primeiro empresário a trazer Paul McCartney ao Brasil em 1990, certo? O que isso significou para o cenário do showbiz brasileiro, tendo em vista que apenas cinco anos antes havia sido realizado a primeira edição do Rock in Rio?  

Luiz Oscar Niemeyer: Os shows de Paul McCartney no Maracanã em 1990 foram um grande marco no segmento de shows e eventos no país. Na noite de 21 de abril, ele se apresentou para um Maracanã lotado com 184 mil fãs, batendo na época o recorde mundial de público presente em um concerto e entrando para o livro do Guinness World Records. Grande parte do público não acreditava, naquele momento, que estava realmente vendo um Beatle no palco.

O enorme sucesso dessa primeira vinda ao país, a confiança que a equipe de produção nacional demonstrou em todos os momentos e o relacionamento que começamos a construir com o artista e seus empresários são a base dessa ligação que temos com Paul McCartney até hoje. Para mim, como executivo à frente de toda a produção, esse é um enorme reconhecimento da competência e seriedade do que entregamos. Todas as vindas de McCartney ao país foram realizadas em parceria conosco –e vimos crescer ao longo de todos esses anos a admiração e o respeito que os fãs brasileiros têm pelo artista, reunindo diferentes gerações. E também podemos ver como Paul McCartney reconhece a importância do Brasil em sua carreira.

T: Sei que a turnê de Taylor Swift no Brasil foi de responsabilidade da T4F, mas acredito que os shows dela no Rio acabaram expondo, infelizmente de maneira trágica, alguns pontos que talvez precisem ser revistos por todas as empresas que atuam nesse mercado. Por exemplo, por que a distribuição gratuita de água potável para o público já não é uma prática corriqueira seja em shows ou em festivais no Brasil, como acontece em outros países. Também pegando como exemplo o mercado do entretenimento nos EUA e Europa, por que não colocar cadeiras marcadas também na área da pista e acabar com a cultura do público acampando e enfrentando filas quilométricas na frente dos estádios para garantir bons lugares? E o que o mercado do entretenimento em geral pode aprender com esse case que foi o show de Taylor Swift no Rio?

LGN: Sobre essas duas perguntas, não fazemos análises de outros projetos ou de qualquer evento que não estejamos envolvidos.

Reforçamos que, em todos os eventos da Bonus Track, sempre tivemos ações planejadas de distribuição de água gratuita, em especial nas filas e nas áreas próximas das barricadas. Nos festivais, sempre temos pontos de hidratação espalhados pelo evento.

T: O vem por aí em 2024? É possível já adiantar shows ou turnês que a Bonus Track vai trazer ano que vem?

LGN: No momento, ainda não podemos adiantar, mas posso dizer que o calendário terá eventos e turnês importantes e de impacto.

T: O que esperar do novo Canecão e qual a importância de reabrir essa casa de shows histórica? As obras já começaram?

LGN: O novo Canecão vai devolver ao Rio de Janeiro –e a todo o setor de entretenimento– um espaço icônico, um importante capítulo da história da cena cultural e musical do país. O projeto vem totalmente adequado às necessidades e possibilidades de um espaço multiuso – que será usado para shows de diferentes tamanhos e formatos, peças teatrais e musicais, por exemplo.

Queremos ter também um espaço expositivo, que resgate essa história do Canecão e como ele impulsionou a cena cultural na cidade e também no país durante tantos anos. Grandes nomes da música brasileira começaram naquele palco suas carreiras e esse legado é de todos, e merece destaque.

A Bonus Track tem em seu DNA todo o conhecimento de reconhecer a importância dos espaços culturais da cidade e trabalhar para eles sejam ativos e relevantes para a sociedade. Nos anos 90, Luiz Oscar Niemeyer esteve à frente da reabertura da casa Imperator, no Meier, com um show histórico de Shirley MacLaine. Em 2017, iniciamos o desafio da recuperar e reabrir o antigo Teatro do Jockey, numa área extremamente valorizada da cidade, e que se encontrava abandonado. Hoje, cuidamos da gestão e agenda do espaço, que tem o naming rights Teatro Prio, e já recebeu grandes estrelas como Fernanda Montenegro, Domingos de Oliveira, Claudia Abreu e muitos outros.