MÚSICA

Glass Animals, do hit Heat Waves

Divulgação/Jennifer-McCord

Heat Waves

Como uma música lançada há quase 2 anos é a mais ouvida do mundo hoje?

Heat Waves, da banda indie inglesa Glass Animals, lidera os rankings da Billboard após ficar 60 semanas consecutivas rondando o topo das paradas

Luccas Oliveira
Luccas Oliveira

Dá para cravar que Heat Waves, do Glass Animals, é a música mais tocada no mundo nas últimas duas semanas. Não só pelos 1,3 bilhões de reproduções acumulados no Spotify. O hit lidera tanto a parada norte-americana quanto a global da Billboard, que leva em conta streaming, vendas digitais e físicas e reprodução em rádios. O curioso é que a canção da banda britânica saiu em junho de 2020. Ou seja, há praticamente dois anos. E só agora, em março de 2022, ela chegou ao topo da Billboard.

É bem verdade que Heat Waves insistiu para isso. A canção do Glass Animals está há mais de 60 semanas consecutivas nas paradas, o equivalente a um ano e três meses —a recordista é Blinding Lights, do The Weeknd, com 90 semanas. Mas é um fenômeno ímpar uma música chegar ao primeiro lugar global depois de tanto tempo.

Capa do clipe Heat Waves, do Glass Animals

Assista ao clipe de Heat Waves

Vídeo foi filmado com ajuda de vizinhos do vocalista

O que explica o sucesso longevo e ascendente de Heat Waves, o grande hit do Glass Animals? A Tangerina descasca essa para você.

Quem é Glass Animals?

Antes de tudo, é interessante notar também que o Glass Animals não era exatamente um fenômeno de popularidade. A banda foi formada por quatro amigos de infância em 2010, na cidade de Oxford, na Inglaterra. De lá para cá, o grupo lançou três álbuns de estúdio —o mais recente, Dreamland, é o que traz Heat Waves— e sempre povoou a cena indie. Apesar disso, nunca escondeu sua vocação pop, dentro deste meio.

Liderados pelo vocalista Dave Bayley, eles fazem um indie pop para lá de dançante. Faltava só um grande hit. Gooey, single do primeiro disco do Glass Animals, Zaba (2014), fez um barulhinho bom nos Estados Unidos, mas nada perto de Heat Waves.

25-março-2017. Show do Glass Animals no Lollapalooza Brasil

Glass Animals fez show para bom público no Lollapalooza 2017

Divulgação/Lollapalooza/MRossi

Ainda assim, antes mesmo desta explosão, eles tinham público o suficiente para vir ao Brasil, por exemplo. A banda esteve no Lollapalooza de 2017, num daqueles shows à tarde, mas cheios. E também fez uma apresentação solo em São Paulo, no Cine Joia. Na época, eles divulgavam o disco How to Be a Human Being (2016), que foi indicado ao Mercury Prize —o equivalente ao Grammy britânico.

Como nasceu Heat Waves?

Bailey contou em entrevista à BBC que Heat Waves nasceu no desespero final de um dia improdutivo do Glass Animals no estúdio, em maio de 2018. Apesar da batida feliz e chiclete que abre a canção —fundamental para viralizar no TikTok, como explicaremos mais tarde—, a sequência de acordes de guitarra transita entre alegria, uma certa tristeza, uma sensação nostálgica e volta a ser feliz, novamente.

A melodia causa esta mistura de sensações, que é impulsionada pelos versos da letra. Heat Waves, conta o vocalista e compositor do Glass Animals, foi inspirada na morte de um grande amigo de Bailey, que fazia aniversário em junho. Por isso, ele canta no refrão “Sometimes all I think about is you/Late night in the middle of June”, que pode ser traduzido como “às vezes, tudo o que eu penso é sobre você/ Tarde da noite, no meio de junho”. É alegre, mas é triste.

Efeito do isolamento duplo

Dois meses depois de Heat Waves começar a ser rascunhada pelo vocalista do Glass Animals, o baterista Joe Seward sofreu um grave acidente de bicicleta e a banda precisou adiar os planos por um tempo. Depois, o grupo seguiu compondo numa espécie de isolamento forçado, por conta da recuperação de Seward.

“O álbum nasceu de um tipo de sentimento semelhante ao que sentimos na pandemia”, contou Bailey à BBC. “Meus amigos falaram muito sobre coisas nostálgicas, sobre assistir a filmes que gostavam quando eram crianças, comer comidas que lembravam a infância, achar conforto no passado. E, estranhamente, era o que a gente estava fazendo antes da pandemia. Foi daí que o álbum saiu”.

Ou seja, quando Heat Waves —e, depois, Dreamland— foi lançado já durante a pandemia, o trabalho do Glass Animals tinha sabor e cheiro de isolamento, nostalgia e uma pitada de esperança, um match perfeito com o que estávamos sentindo em meados de 2020.

Clipe com a ajuda de vizinhos

A gravadora Republic não gostou muito da ideia de lançar o disco no meio da pandemia, sem poder fazer shows para divulgá-lo. Mas Bailey bateu o pé e quis provar que os executivos estavam errados, que poderia funcionar. A banda então iniciou uma divulgação quase independente, na marra. Fizeram competições de remixes, shows virtuais e EPs de covers com o tempo que passaram a ter graças à pandemia.

No primeiro lockdown do Reino Unido, Bailey mobilizou seus vizinhos em Hackney, subúrbio de Londres, para ajudá-lo a filmar o clipe de Heat Waves. “Eu colei papéis nas portas deles e pedi para eles me filmarem andando pela rua às 7h da manhã. Em retrospecto, não acredito que funcionou”, comemorou.

Integrantes do Glass Animals no carro

Veja trechos da competição de remixes

Banda movimentou fãs para divulgar Heat Waves

Hoje com 216 milhões de visualizações no YouTube, o clipe de Heat Waves, do Glass Animals, é exatamente isso (veja no começo da matéria). Bailey anda por Hackney empurrando um carrinho de supermercado com televisores antigos. Não há ninguém nas ruas, apenas vizinhos que interagem com ele pelas janelas. Até que o vocalista chega a um teatro, instala os televisores e neles estão os demais integrantes da banda para uma performance diante da plateia vazia. Bem pandêmico.

FIFA 21 e Minecraft

Mas Heat Waves começou a virar um hit pop mesmo com a divulgação feita por games e gamers. Primeiro, em outubro de 2020, a música do Glass Animals entrou na trilha sonora do jogo de futebol FIFA 21. A playlist do game costuma ser uma plataforma e tanto para novos artistas. Assim, ela acabou por impactar também a comunidade de youtubers de Minecraft.

Vai ser difícil explicar melhor, mas Heat Waves basicamente foi usada como trilha de uma história ficcional, meio zoeira, escrita por gamers de Minecraft. Ela imaginava um romance entre dois jogadores, chamados Dream e GeorgeNotFound.

Foi aí que a coisa começou a furar a bolha. Bailey passou a receber mensagens no Instagram de pessoas cujo perfil etário não era exatamente aqueles com os quais estava acostumado. Então, Heat Waves entrava em cada vez mais playlists das plataformas de streaming, não só as dedicadas ao público indie.

TikTok

No entanto, como sabemos, dificilmente existe um hit hoje que passa incólume ao TikTok. Com Heat Waves, do Glass Animals, não foi diferente. Uma trend foi criada e passou a viralizar na rede social de vídeos em agosto de 2021, mais de um ano após o lançamento da música. Ela foi batizada de “sometimes all I think about is you”, como o verso do refrão de Heat Waves.

@sdavidrodriguez

Don’t touch me bc i’ll plan or marriage.

♬ original sound – user160329

Na trend, os usuários abordavam o tema amor não correspondido, enquanto cantarolavam silenciosamente uma versão mais lenta da música. Os vídeos alcançaram centenas de milhões de usuários do TikTok, o que voltou a renovar o interesse pela música.

Empurrão das rádios

Um pouco de tecnologia, um tanto de tradição. Enquanto seguia em alta nas redes sociais, Heat Waves, do Glass Animals, teve o empurrão final que faltava nas últimas semanas. O hit passou a circular de vez nas rádios pop americanas no fim de janeiro de 2022 —antes, ele até tocava no dial, mas estava mais concentrado nas emissoras focadas em músicas alternativas.

Desde então, a música alegre e triste do Glass Animals foi subindo no ranking da Billboard até chegar, agora, ao primeiro lugar global e dos EUA. Quase dois anos depois de ter sido lançada.

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Luccas Oliveira

Luccas Oliveira

Luccas Oliveira é editor de música na Tangerina e assina a coluna Na Grade, um guia sobre os principais shows e festivais que acontecem pelo país. Ex-jornal O Globo, fuçador do rock ao sertanejo e pai de gatos, trocou o Rio por São Paulo para curtir o fervo da noite paulistana.

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