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Cantor, que lança o álbum Orgia, reclama da dinâmica atual da indústria musical: 'O agronegócio engoliu as paradas, engoliu as playlists, as rádios...'
Johnny Hooker não tem falsa modéstia ao falar de Orgia, seu terceiro álbum de estúdio que acaba de chegar às plataformas de streaming. “É mais um lançamento de um dos maiores artistas em atividade no Brasil. Uma voz inconfundível, um disco ousado, provocativo, divertido. Cheio de músicas com refrão lá em cima, para você decorar”, adianta.
O tom é de autoconfiança, claro, mas não chega a resvalar na arrogância que as palavras soltas, sem contexto, podem passar. Johnny Hooker parece gostar de viver à flor da pele, intensamente, e de refletir isso em suas músicas.
Orgia foi um disco de gestação lenta. O cantor e compositor pernambucano trabalha nele desde 2019, mas precisou recalcular uma série de rotas por conta da pandemia. Adiou tudo, teve que aprender a gravar a própria voz em casa e trabalhou com mais produtores do que estimava, inicialmente. Mas o resultado final orgulha o artista, ele faz questão de repetir algumas vezes ao longo de um papo de mais de 1h.
Para Johnny Hooker, Orgia fecha uma espécie de trilogia temática, formada por pilares da sua vida. Eu Vou Fazer Uma Macumba Pra Te Amarrar, Maldito!, que o revelou em 2015, trata do amor romântico; o sucessor, Coração (2017), foca tanto na política quanto no Recife, seu berço; e Orgia, como o nome insinua, tem como tema central o sexo.
É o álbum com a estética mais descaradamente pop que ele lançou, e tem faixas que podem agradar fãs de diferentes eras.
“Eu sempre considerei que eu faço música pop, apesar de ser empurrado e chacoalhado de um lado para o outro. Tentam me encaixar na caixinha de artista alternativo, artista LGBT. Mas, no fim do dia, é impossível você ouvir Flutua ou Alma Sebosa e não achar que são músicas pop”, aponta.
Assista ao visualizer de CUBA
Aposta de hit gerou desabafo de Johnny Hooker
Orgia é livremente inspirado no livro Orgia – Diários de Tulio Carella, que Johnny Hooker descobriu em 2018. O dramaturgo e roteirista argentino passou uma temporada no Recife, na década de 1960, e “sua entrada nesse mundo novo rende uma série de aventuras sexuais pelas ruas e cabarés da cidade portuária”. Depois, veio a Ditadura Militar (1964-1985), Carella foi preso e extraditado.
Hooker traçou paralelos com sua mudança para São Paulo. Afinal, os avanços da comunidade LGBTQIA+ no país entraram em xeque com a eleição de um governo conservador.
“Eu senti que minha história estava um pouco interligada com a do Tulio. Como está também interligada com todo mundo que lutou antes de mim contra a caretice, o Estado e contra o grande buraco que tentam fazer com que esse país seja. Que esse país é, na verdade”, desabafa o cantor.
Assista ao visualizer de Maré
Música tem participação do cantor Silva
Por isso, o disco de 13 faixas é estruturado como um livro, dividido em três atos e um epílogo. Orgia conta com as participações especiais de Silva (em Maré), Chameleo (NHAC!) e Jader (Larga Esse Boy), além de uma extensa ficha técnica. Nela, destaca-se ainda a participação de Filipe Catto como conselheira, designer da identidade visual e compositora de NSRA das Encruzilhadas.
A faixa, aliás, nasce com cara de hit. Nela, um sambinha, Johnny Hooker canta debochadamente “Deixa eu fumar meu Derby em paz/ Não quero nada de ninguém/ Eu vou ficar aqui/ Bebendo o mar, vertendo o mar e rindo”.
Orgia chegou a todas as plataformas de streaming, mas Johnny Hooker adoraria que você ouvisse pela playlist que ele fez no YouTube (clique aqui). Isso porque todas as faixas do disco ganharam “visualizers”, espécie de clipe mais modesto. Com isso, é possível não só ouvir o disco, como ter uma leitura visual do conceito proposto pelo cantor.
Para ele, o TikTok matou o videoclipe. “Está cada vez mais difícil você fazer as pessoas pararem pra assistir a uma coisa de três, quatro minutos. Porque as redes de vídeos curtos estão em alta. Elas condicionam as pessoas à atenção curta. Por isso, o clipe não vai ser mais o carro-chefe de divulgação das músicas. O clipe vai virar uma exceção”, aposta.
Ele é crítico à dinâmica da busca por virais. “Hoje, tudo tem que viralizar. Se não viraliza, não tem valor agregado de mercado. Mas não é toda música que viraliza. A Pabllo Vittar nunca teve um viral, por exemplo. Ela teve músicas que estouraram a bolha e aí começaram a tocar nas rádios. Mas nunca precisou fazer dancinha no TikTok. Música não é só sobre isso”, opina Johnny Hooker.
O disco, aliás, chega num momento público meio conturbado da figura de Hooker. Recentemente, o cantor fez um desabafo no Twitter reclamando da performance do single Cuba. A canção teve quase 14 mil reproduções no Spotify no dia de lançamento, um número reduzido para artistas pop. “Não há mais demanda pelo meu trabalho. Se é que houve um esboço de alguma algum dia. É preciso saber a hora de se retirar”, escreveu, no último dia 21.
Entre reações de amor e ódio, Cuba acabou sendo impulsionada depois da fala do cantor e de seu flerte com a aposentadoria musical. Hoje, na mesma plataforma, a música tem 192 mil plays, e outros 89 mil no YouTube.
Johnny Hooker esclarece que o desabafo não foi direcionado aos fãs, mas, especialmente, à dinâmica das plataformas de streaming, onde quem tem verba para investir acaba dominando as paradas e playlists. “Não estou falando que a minha música é melhor do que a dos outros. Mas que todo o espaço só vai para a mesma coisa. O agronegócio engoliu as paradas, engoliu as playlists, as rádios, praticamente a indústria musical inteira”, critica, apontando para hegemonia do sertanejo na música digital.
Ouça e veja NSRA das Encruzilhadas
Música tem refrão pronto para virar hit
“A gente não está pedindo nem 10%, mas 1%. Queremos estar lá para marcar e mostrar que também tem isso na música pop brasileira. E estávamos galgando isso antes da pandemia, conseguindo espaço em playlists legais. Mas agora parece que as portas estão mais fechadas. Dá um desânimo, porque a gente não parou de trabalhar um segundo. A gente só ficou sem dinheiro para trabalhar e ficou sem trabalho. E, sem dinheiro, não dá para impulsionar nada”, segue Hooker.
Parte da frustração de Johnny Hooker tem a ver, também, com a confiança no próprio trabalho e no de seus contemporâneos —ele cita, por exemplo, Xênia França, Duda Beat e Luedji Luna. “A nossa música tem tanto potencial pop quanto aquela que tem dinheiro para comprar espaço nas rádios e posições nas plataformas. Se você bota Flutua, Alma Sebosa ou Cuba em alta rotação numa rádio, isso bomba”, aposta.
Outro argumento do músico é o fato de suas músicas demorarem, mas eventualmente engrenarem. Ele cita Flutua, seu grande hit, que chegou ao mundo quando o público ainda se limitava ao do primeiro disco. Desde então, a música que virou uma espécie de hino LGBTQIA+ vai crescendo anualmente, impulsionada por campanhas publicitárias e inserções na TV aberta.
Caetano Veloso, também faixa do disco Coração, é outra que foi bombar anos depois de ser lançada e, hoje, “toca em todas as festinhas de música brasileira do Brasil inteiro, de Norte a Sul”.
Johnny Hooker e Liniker estrelam o hit Flutua
Assista ao clipe da parceria
“Não seria muito mais legal se não fosse um sucesso póstumo? Se, quando eu lancei, tivesse tido espaço para trabalhar e todo mundo percebesse que a música era linda? Vou lançar Orgia e daqui a cinco anos Cuba vai estar tocando em todos os lugares. Precisa realmente ser assim? Eu vou ter 40 anos, morando em algum lugar escondido no meio do mato. Aí vão querer show e não vou mais querer fazer (risos)”, brinca.
Mas, falando sério, Johnny Hooker reforça que pensa em tirar um tempo da música. Não necessariamente se aposentar, pois seria impossível. No entanto, pelo menos até o fim de 2023, ele estará trabalhando na divulgação e shows de Orgia. “Eu já fiz novela como ator [Geração Brasil, de 2013], eu já escrevo e dirijo meus clipes. Por que não pensar em fazer outra coisa, arejar a mente?”, cogita.
Enquanto isso ainda é só uma ideia, fica a dica da Tangerina: ouça Orgia e tente assistir a um show de Johnny Hooker quando a turnê passar pela sua cidade.
Luccas Oliveira
Luccas Oliveira é editor de música na Tangerina e assina a coluna Na Grade, um guia sobre os principais shows e festivais que acontecem pelo país. Ex-jornal O Globo, fuçador do rock ao sertanejo e pai de gatos, trocou o Rio por São Paulo para curtir o fervo da noite paulistana.
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