Camila Cara/Lollapalooza
A artista foi headliner do segundo dia de festival e fez uma apresentação memorável ao mesclar os hits pop com a nova era de estrela do rock
Miley Cyrus veio ao Brasil para fazer um show histórico. Neste sábado, 26, a cantora subiu no palco Budweiser como headliner do festival Lollapalooza 2022 — um cenário pop e feminino jamais visto ao longo das dez edições do festival. Em 2016, Florence + The Machine chegou a encerrar a programação do evento, porém, a artista cai melhor no filtro do indie pop. Nesta edição, foi a primeira vez que uma queridinha da Disney e estrela pop ao nível global promoveu um coro em mais de 100 mil pessoas, que compareceram ao Autódromo do Interlagos. Para completar o combo inédito, a artista chamou ao palco o maior nome da música brasileira atual: Anitta. Juntas, performaram Boys Don’t Cry.
Em qualquer aspecto, isso é inovador. Especialmente para o Lollapalooza, festival com fama de escalar atrações indie —que todo mundo só conhece depois. Mas os tempos são outros e o que bomba nas paradas conta na hora de vender ingressos para o público. Então, o que o festival tem a ganhar ao investir no gênero e escalar uma artista como a Miley Cyrus como headliner? A Tangerina te conta!
Desde as primeiras edições do festival, o pop era um gênero dispensável. Em 2012, grande estreia do evento no Brasil, Foo Fighters e Arctic Monkeys foram as atrações principais. No eletrônico, DJ Calvin Harris fez a boa, mas sem o peso de um artista pop. No ano seguinte, a graça seguiu focada no rock e no indie: Pearl Jam, The Killers, The Black Keys e Queens of the Stone Age estavam sob os holofotes.
Em 2014, o festival passou a abrir um sorriso para um line-up com artistas pop. Naquela edição, a Time for Fun já havia ocupado o oposto de organizadora oficial e fez com que Ellie Goulding e Imagine Dragons ocupassem os horários da tarde na grade do evento. Nas atrações principais, não houve mudança. Muse e Arcade Fire foram os ovacionados da noite. Em 2015, o megahit de Pharrell Williams, Happy, ecoou no Autódromo. Na época, teve quem não gostou do rumo lento ao pop que o festival estava tomando. Mas nada grave, afinal, sempre tinha algum nome indie como atração principal para o público ovacionar.
A grande mudança no headliner aconteceu em 2015, quando a organização chamou o primeiro rappper para encerrar as atividades do festival: Eminem. Para os indies fervorosos, a escolha abriu uma ruptura no direcionamento do festival. Por sorte, enquanto o público mais devoto das batidas alternativas decidia se ia ou não, o Lollapalooza tinha novos ingressos comprados por outra fatia do bolo da indústria musical. Eles perceberam que, de um jeito ou de outro, não iam perder dinheiro.
Em 2017, pareceu mais divertido mesclar as atrações. De um lado, os fãs do Metallica e os do Strokes, do outro, o público chegado nas batidas mais brandas do The XX e no pop de Tove Lo e The Weeknd. No ano seguinte, talvez o maior espanto tenha sido um artista brasileiro ocupar a primeira linha do festival: os Tribalistas foram anunciados com banca de headliner.
Nos demais dias, Arctic Monkeys retornou ao festival e Sam Smith fez sua estreia. Na edição pré-pandemia, o evento se antecipou e entrou no terreno do hip-hop, antes mesmo do gênero ter um pico de audiência no Estados Unidos em 2020, e Drake ser eleito o artista mais ouvido da década. Embora o rapper canadense não tenha sido escalado —ele foi para o Rock in Rio 2019—, Kendrick Lamar fez as honras da edição, após ter ganhado um Pulitzer com DAMN.
Não há como negar que o protagonismo do Lollapalooza Brasil pós-pandemia é da guitarra. JXDN, Turnstile, Machine Gun Kelly, The Strokes, A Day To Remember, Alexisonfire, Fresno e IDLES provam isso. O primeiro dia do festival foi basicamente tomado pelo instrumento e pelas baterias agitadas. Até Doja Cat, artista super pop, fez novos arranjos musicais para as canções surfarem na onda do pop punk e do metal. Escalar a nova roqueira Miley para encerrar a segunda noite de festival, portanto, não poderia ter sido mais certeira.
Miley Cyrus mal chegou aos 30 anos, mas já tem uma carreira de “milhões”, há, pelo menos, uma década e meia. A artista foi o primeiro furacão revelado pela Disney, quando conseguiu o papel principal em Hannah Montana (2006-2011). A produção infantil, sucesso dos anos 2000, acompanhava Miley Stewart (Cyrus), uma adolescente que experimenta uma vida dupla. Sendo Hannah Montana o alter-ego para a identidade da artista, que quer viver uma vida normal, fora da fama.
Por muitos anos, depois de o seriado da Disney chegar ao fim, a própria Miley foi “castigada” pelo papel que protagonizou. Um ícone da cultura pop desde os 12 anos, Miley teve a adolescência assistida por milhares de fãs e o olhar cerrado da crítica, especialmente quando ela decidiu se despir da figura doce de Hannah Montana para poder a própria vida longe do mundo encantado da Disney. Com isso, cada transformação pessoal da cantora passava a ser etiquetada como uma nova fase, inclusive musicalmente. Teve a era country, a era do pop provocativo, a era psicodélica e agora mais rockeira.
Em Plastic Hearts, lançamento mais recente de Miley, a cantora parece ter feito as pazes com o que sempre lhe caiu bem: o rock e a música country. Ao longo da carreira, as aparições da artista em ambos os gêneros sempre foram muito bem elogiadas pelos fãs e pela crítica especializada. Com o domínio da artista de fluir muito bem em ambos os gêneros, fica difícil colocar ela em uma caixa —e talvez, isso realmente não seja necessário. Mas é inegável o posto da artista como uma figura pop, no sentido mais genuíno da palavra: ela tem apelo popular.
A fim de descobrir o que o público achou do posto de protagonista da artista no festival, nada melhor do que ouvir os fãs.Clara Canali Rocha, de 26 anos, é de Ribeirão Preto e veio ao Lollapalooza para prestigiá-la. “Sou fã da Hannah Montana desde pequena. Fez parte da minha infância. Então, achei muito legal o festival ter escalado ela. Porque, querendo ou não, antes ele era bem indie. A gente não conhecia metade do que tocava”. Clara vê a inserção da Miley como uma ótima possibilidade do festival expandir ainda mais público e não ficar “tachado”.
Para Ana Luisa Cardoso, de 29 anos, ter a artista escalada no festival “trouxe muito mais gente”. Ela acredita que “não compensa mais para os festivais, ficar em ‘uma coisa só’. “Ser eclético é uma tendência que está tomando todos os festivais. Seria meio bobo da parte do Lollapalooza se manter nos headliners só de indie. Então, é importante eles mesclarem, justamente para chamar público. A disposição do festival mudou muito de lá pra cá. Assim como o Rock in Rio mudou a relação deles com os artistas e o público. Agora eles prezam por mesclar as atrações para se adaptarem ao grande público. O Lolla tem que fazer o mesmo. Precisa ser mais diverso”. A fã quase não veio ao festival, porque “não queria dar mais dinheiro para artista”. Mas quando sentiu o quão histórico poderia ser o espetáculo da cantora, comprou um ingresso 48 horas antes do show.
"As fases da cantora acabaram sendo as minhas também" — Ana Luisa Cardoso
Tangerina/Nicolle Cabral
Para Ana Carolina Gripp do Carmo, de 20 anos, o Lollapalooza estava fora de cogitação —até anunciarem a Miley. “Eu nem seguia o Lollapalooza no Instagram mais. Achei que ela [Miley] iria para o Rock in Rio. Quando vi que não, comprei o ingresso no automático. Nunca imaginei que o Lolla chamaria ela, mas só deles terem feito isso, eu me apaixonei pelo festival e estou pronta viver mais experiências”.
Ana mora em Minas Gerais, em Contagem, e saiu de lá só para ver o show da artista favorita
Tangerina/Nicolle Cabral
No fim, todo mundo sai ganhando. O evento agrega diferentes gêneros, o público se sente representado e, de quebra, o Lollapalooza ganha mais um show memorável na conta. Afinal, depois de sábado, Miley Cyrus entrou de vez para a história do festival.
Nicolle Cabral
Antes de ser repórter da Tangerina, Nicolle Cabral passou por Rolling Stone, Revista Noize e Monkeybuzz. Nas horas vagas, banca a masterchef para os amigos, testa maquiagens e cantarola hits do TikTok.
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