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Angeli

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Vitamina HQ

Cinco faces e fases do cartunista Angeli ao longo de sua carreira

Um dos mais importantes nomes dos quadrinhos nacionais já fez muito em diferentes frentes e merece ser lembrado sempre

Gabriela Franco
Gabi Franco

A notícia de que o nosso eterno Angeli vai pôr fim a sua parceria com a Folha de S.Paulo, encerrando a sua trajetória como chargista por conta de um diagnóstico de afasia, pegou todo mundo que é fã de quadrinhos de surpresa. Leitores apaixonados e profissionais do mercado diretamente influenciados por ele expressaram sua tristeza e relembraram momentos marcantes de sua história. A família do artista anunciou que ele vai se cuidar mas, claro, vai continuar criando e produzindo, tudo no seu tempo. Aqui na Vitamina HQ, enquanto torcemos pelo mestre, a gente quis lembrar algumas passagens importantes de sua prolífica carreira. 

Angeli como um jovem punk da periferia

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Angeli em 2009 na exposição Ocupação Angeli

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Arnaldo “Angeli” Filho nasceu filho de um modesto casal de imigrantes italianos, de pai funileiro e mãe costureira. Passando a infância no bairro da Casa Verde, às margens do rio Tietê, na zona norte de São Paulo, ele começou a seguir por um caminho completamente distinto do olhar conservador da família.

Trabalhando como office-boy, teve diversos problemas financeiros e, durante muito tempo, sentiu vergonha disso. “Aí fiz o Bob Cuspe e assumi o lado suburbano, periférico, proletário e comecei a ter orgulho da minha origem”, afirmou numa reveladora entrevista para a revista Trip

Mas a persona que muita gente enxerga de imediato, de que Bob Cuspe seria uma personificação de Angeli enquanto um punk old-school, não foi bem assim de imediato. “Quando fiz o Bob Cuspe, era pra gozar os punks. Antes, eu tava muito reticente com punk. Achava que era modinha importada, não tava entendendo direito. Quando li um livro do Antonio Bivar, pra me embasar, aí comecei a achar do caralho”. Angeli se enxergou como punk da periferia, entrou de cabeça pra rabiscar nos fanzines do tipo “faça você mesmo”, virando referência para toda uma molecada que viria a seguir. O resto é história.

Angeli como mordaz chargista político

Angeli

Reprodução/Folha de S.Paulo

Contratado pela Folha de S.Paulo em 1973, grande parte de sua longeva carreira no jornal foi trazendo um olhar ácido para o noticiário político, embora também estivesse dando as caras nas editorias de comportamento e entretenimento. Para ele, no entanto, não existe diferença. “Olho da mesma forma para o comportamento e para a política. Nas charges, penso como crítico de comportamento”, afirmou, na entrevista para a Trip.

Começou a se interessar por política por volta de 1964, justamente naquela época do golpe militar. De posse de edições d’O Pasquim contrabandeadas por um amigo, começou a entender o que se passava. Atacando de maneira irrestrita liberais ou conservadores, FHC ou Lula, sempre tratou a todos como cidadãos dignos de sátira diretamente da República dos Bananas, um país imaginário que era a cara do nosso Brasil. “O humor muda as pessoas. A política, tenho dúvidas”, afirmou. 

Embora se defina como alguém com um olhar anárquico e que não entende “nada de política”, Angeli deixa claro que tem um posicionamento, ainda que não seja de esquerda ou direita como se entende da maneira clássica. “Sou a favor do grande orgasmo universal”. 

Angeli como a semente do Chiclete com Banana

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Capas da revisa undergound Chiclete com Banana

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No final da ditadura militar, Angeli estava meio de saco cheio de fazer graça com a política -mal sabia ele que viriam MUITAS oportunidades na sequência. Mas, naquele momento, o autor queria sacanear o que estava ao seu redor. No caso, a fauna urbana paulistana. Então, com um quê da anarquia do Pasquim, outro tanto do humor corrosivo da Mad e muito da sujeira dos fanzines, ele e o amigo de infância Toninho Mendes bancaram na Circo Editorial uma revista bimestral chamada Chiclete com Banana. 

O nome veio de uma canção de Jackson do Pandeiro, tornada símbolo de ideias misturadas. E a publicação que se tornou central para o underground -ou seria udigrudi- brasileiro era uma gigantesca colagem de sátiras políticas mas também e principalmente sobre comportamento. Com um papel jornal bem tosco, a Chiclete com Banana reuniu uma gloriosa nova safra de artistas transgressores falando sem quaisquer limites sobre sexo, drogas, bebida, música, intelectualidade e o que mais achassem que faria sentido.

A revista cresceu, ganhou corpo, ganhou fãs, se tornou um verdadeiro documento histórico pós-ditadura e revelou personagens como Rê Bordosa, Geraldão e os Piratas do Tietê, além de um certo trio de grandes amigos…

Angeli nos Los Três Amigos

Angeli

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A trinca que melhor definiu a Chiclete com Banana acabou ganhando vida própria e se tornando personagens de si mesmos. Inspirados por ¡Three Amigos! (1986), comédia de John Landis estrelada por Steve Martin, Chevy Chase e Martin Short, surgiriam então Los Três Amigos, o combo formado por Angeli, Laerte e pelo saudoso Glauco.
O que era apenas uma capa divertida para a Chiclete em 1987 se tornou uma espécie de santíssima trindade para os quadrinhos nacionais, criando um elo criativo entre os três que ia além da amizade (que, claro, também existia), se manifestando em diferentes projetos e combinações. Além disso, Los Três Amigos se tornou TAMBÉM uma HQ produzida a seis mãos, na qual todos desenhavam caricaturas de si mesmos -no caso, Angel Villa, Laerton e Glauquito. No Velho México, uma versão ainda mais decadente do faroeste americano, eles limpavam Marisales da praga dos Miguelitos, os garotinhos de sombrero que infernizam a vida dos nossos protagonistas. 

Em 1994, tal qual acontece com os Três Mosqueteiros, Los Três Amigos passou a ter um quarto integrante na história e na vida, com a inclusão de outro querido amigo e colaborador, o cartunista Adão Iturrusgarai. 

Angeli como animal audiovisual

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O cartunista em versão stop motion na animação Bob Cuspe: Nós não gostamos de gente

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A obra de Angeli, na verdade, teve muita vida também fora dos quadrinhos, ajudando a apresentar sua obra para novas gerações de fãs. Além de ter sido um dos redatores da talentosa equipe do programa infantil TV Colosso, seus personagens ganharam vida em vinhetas tanto na TV Cultura quanto no Cartoon Network. 

Em 2006, o próprio Angeli produziu e lançou, no melhor esquemão “faça você mesmo” dos punks de outrora, um longa de animação chamado Wood & Stock: Sexo, Orégano e Rock’n’Roll, com o diretor Otto Guerra. No ano seguinte, um de seus textos se tornou o curta-metragem A Cauda do Dinossauro, de Francisco Garcia. 

Já em 2008, começaria a bem-sucedida parceria com César Cabral, que fez o curta em animação stop motion Dossiê Rê Bordosa. Ao lado dele, lançaria ainda uma série animada no Canal Brasil, em 2017, chamada Angeli – The Killer, e em 2021 viria a análise definitiva da psiquê e do modus operandi criativo do autor, o longa Bob Cuspe: Nós Não Gostamos de Gente. 

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QUEM FEZ
Gabriela Franco

Gabi Franco

Editora de filmes e séries na Tangerina, Gabi Franco é criadora do Minas Nerds, jornalista, cineasta, mãe de gente, pet e planta. Ex- HBO, MTV, Folha, Globo… É marvete, mas até tem amigos DCnautas.

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