Reprodução/Instagram/Coala Festival
Com mais acertos do que erros, evento voltou ao Memorial da América Latina após três anos com estrutura que não deve nada a festivais internacionais
Pouco afeita a shows em festivais, Maria Bethânia se jogou ao risco no Coala Festival, em São Paulo, no último domingo (18). A baiana levou sua performance magnética e espiritual ao Memorial da América Latina.
Lá, a Abelha Rainha viveu as lutas e as glórias de se apresentar em um ambiente menos controlado do que as casas de shows nas quais costuma cantar, para um público quase sempre sentado.
Mais de uma vez, Bethânia resmungou com o baixista Jorge Helder, espécie de líder de sua magistral banda, que alguma coisa não estava como deveria. “Está tudo errado, mas vamos lá”, chegou a dizer no microfone aberto, entre Olhos nos Olhos (Chico Buarque) e Tocando em Frente (Almir Sater), para as gargalhadas de mais de 14 mil pessoas, que não economizaram lágrimas ao longo do show.
Enquanto Bethânia agitava o Coala Festival com Tá Escrito, pagode de sucesso do Grupo Revelação, um apagão no palco fez o show parar durante alguns minutos. No momento, a cantora tinha saído de cena, mas a banda seguiu tocando, comandada pela animada percussionista Lan Lanh. Também no domingo, Rodrigo Amarante já tinha sofrido com instrumentos que pararam de tocar durante seu show e teve que interrompê-lo por alguns minutos —preciosos num cronograma de festival.
Bethânia ainda voltou ao palco para encerrar seu set acelerado no Coala Festival com Ronda, um medley carnavalesco formado por A-la-la-ô, Chiquita Bacana, Chuva, Suor e Cerveja e O Que É O Que É. Foram mais de 35 músicas condensadas em menos de 1h30 de show, tempo no qual a baiana quase não falou muito com o público, como de costume.
Apesar de problemas pontuais, foi a grande performance do Coala Festival, fechando com chave de ouro um fim de semana musical e, claro, político.
A duas semanas do primeiro turno, praticamente todos os artistas se posicionaram a favor de Lula, candidato à presidência pelo PT, e contra o atual presidente Jair Bolsonaro, que tenta a reeleição pelo PL.
Com um blazer vermelho, a própria Bethânia fez o “L” com as mãos enquanto cantava os versos “Basta acreditar que um novo dia vai raiar/ Sua hora vai chegar”, de Tá Escrito.
Na véspera, a conterrânea Gal Costa, que encerrou o sábado cantando com os jovens Rubel e Tim Bernardes, se pronunciou. “Vamos votar direitinho, com sabedoria e com inteligência. Vamos votar sem ódio e com amor”, pediu Gal ao público, enquanto fazia o “L” antes de cantar Brasil, canção composta e eternizada por Cazuza (1958-1990).
Na sexta-feira, único dia frio e chuvoso deste Coala Festival, Gilberto Gil se divertiu enquanto o público cantava o jingle Lula Lá, lançado pelo petista na campanha de 2002. O músico, que chegou a ser ministro da Cultura naquele mandato, respondeu: “Está chegando a hora… Daqui a pouco”. Mas ponderou: “Tomara que seja isso mesmo que o Brasil quer. Pelo menos, é o que nós aqui queremos”.
De volta ao presencial após três anos, o Coala Festival renovou sua importância na cada vez mais lotada agenda de festivais do país. É louvável um evento focado apenas na música brasileira —MPB, pop e rap, basicamente— seguir lotando, depois de oito edições, um espaço do tamanho do Memorial da América Latina, com estrutura que não deve nada a megafestivais internacionais.
Ao usar medalhões como Gal, Bethânia, Gil, Djavan e Alceu Valença para vender ingressos, o Coala também ajuda a criar público para nomes de vanguarda como Ana Frango Elétrico, Bala Desejo, Nego Bala, Chico Chico, Juliana Linhares, Tasha & Tracie e Rachel Reis.
Um dos poucos erros de escalação nessa matemática foi a de Amarante, que fez um belo show intimista na Audio na semana passada, mas que não soube transportá-lo para um festival a céu aberto. As canções introspectivas da carreira solo do integrante dos Los Hermanos causaram grande dispersão do público, que preferiu conversar em volume acima do aceitável.
E o som também voltou a ser uma questão, uma semana depois do problemático —em termos técnicos— Rock in Rio. Se no megafestival carioca o volume baixo foi alvo de reclamações, no Coala Festival o som estava às vezes alto demais, causando ruídos, distorções e microfonias. O problema foi pior com bandas, já que o show do rapper Black Alien, no formato DJ e MC, se destacou tanto na qualidade sonora quanto na performance artística.
De volta ao trunfos, a opção por ter apenas um palco, por mais desafiadora que seja do ponto de vista logístico, é também um grande acerto, já que não divide o público como em outros festivais. E os serviços de bar, alimentação e banheiro, apesar dos altos preços já costumeiros, foram aprovados.
Para além do festival, o Coala também tem mandado bem na programação prévia, que gera expectativa para o evento. Ao longo do ano, a marca ocupou a programação de casas como o Studio SP e Bona. Na semana do evento, ações e shows com parceiros como Jameson e Natura em diferentes espaços da cidade —City Lights Music Hall, Audio, Fôrno, Bona…— fizeram o festival ocupar assuntos e timelines antes mesmo de os portões do Memorial serem abertos.
Luccas Oliveira
Luccas Oliveira é editor de música na Tangerina e assina a coluna Na Grade, um guia sobre os principais shows e festivais que acontecem pelo país. Ex-jornal O Globo, fuçador do rock ao sertanejo e pai de gatos, trocou o Rio por São Paulo para curtir o fervo da noite paulistana.
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