CONSUMO

Vinil da trilha sonora original de Resident Evil

Reprodução/Amazon

Eletrônico e analógico

Por que gamers descobriram (e adotaram) os discos de vinil?

Pequenos selos passaram a apostar na nostalgia e na conexão afetiva desta comunidade. E acertaram em cheio

Luccas Oliveira
Luccas Oliveira

Enquanto as versões físicas dos jogos estão sumindo das lojas, gamers têm preenchido as prateleiras de casa com outro item: discos de vinil. A tendência, que já era vista em lojas especializadas como iMusic e a gigante Amazon, agora foi notada pelo jornal britânico The Guardian.

A reportagem ouviu jogadores e criadores para tentar entender essa tendência inusitada. Afinal, ela contrapõe o meio de entretenimento digital mais moderno com a relíquia frágil e pouco prática da era analógica. Mas a conclusão é que talvez a tendência não seja tão inusitada assim.

“O conceito de música dinâmica, ou seja, de música que muda dependendo do seu ambiente ou ações, é exclusivo dos jogos”, pontuou Louise Blain, apresentadora do programa especializado Sound of Gaming na rádio BBC Radio 3. “Enquanto jogadores, passamos a confiar na música para nos dizer que estamos em perigo, para reagir quando sacamos nossas espadas, e para nos acalmar quando a barra estiver limpa. É a nossa trilha sonora, de mais ninguém.”

O recorte de consumo observado pelo Guardian é a partir do começo da década de 2010. Enquanto o colecionismo de vinil iniciava seu revival, pequenos selos como a Data Discs apostaram em belas edições de álbuns de jogos vintage.

Vinil de Streets of Rage ajudou ‘onda’

“Quando começamos o selo, no fim de 2014, não tinha ninguém lançando trilhas sonoras de games em vinil”, recorda o cofundador da Data Discs, Jamie Crook. “Nós brincávamos falando sério sobre tentar lançar Streets of Rage por quase uma década e ainda estamos surpresos que ninguém nos superou. Parecia bastante claro que as trilhas sonoras dos jogos seriam uma das próximas áreas de crescimento do mercado, especialmente depois da popularidade de selos especializados em trilhas de filmes a partir de 2012.”

A piada interna de Crook virou realidade quando ele sondou o compositor da trilha de Streets of Rage, Yuzo Koshiro. Ele topou na hora, assim como a Sega do Japão. Com isso, o selo Data Discs conseguiu licenciar também trilhas de diversos jogos do catálogo da Sega, como o hit Sonic e Shenmue.

A nostalgia, claro, é parte fundamental para o sucesso de vendas das trilhas de jogos em vinil. Outros selos como a Mondo —especializada em trilhas de filmes— também passaram a explorar o mercado de games clássicos. Especialista em TI para a polícia do Mississippi, Chris Hansen começou sua coleção a partir do lançamento da trilha de Castlevania pela Mondo:

“A nostalgia está por trás de grande parte da minha coleção de vinil. Eu faço o que posso para adquirir discos de jogos que eu gostava. A partir de Castlevania, eu descobri os discos de Streets of Rage da Data Discs e desde então não parei mais.”

Capas dos discos de vinil de Streets of Rage

Prensagem de Streets of Rage da Data Discs ajudou o fenômeno

Reprodução

Mas não entenda errado: trilhas de novos jogos em vinil também estão em alta. Red Dead Redemption 2, Trials Of The Blood Dragon, Ghost of Tsushima, títulos da série Resident Evil e tantos outros mais recentes são fáceis de encontrar nas lojas virtuais.

Boa parte dos novos games já trazem o vinil como parte do material de divulgação, indo desde trilhas orquestrais complexas a sons eletrônicos criados por um artista indie no quarto. E isso inclui pequenos estúdios, que têm na venda de merch uma fatia importante da receita.

Fóruns incentivam trocas de dicas entre colecionadores

Como bom colecionador gosta de raridades e exclusividades, os discos de vinil, com tiragem limitadas, acabam também acertando essa demanda em cheio. Fóruns no Discord e no Reddit foram criados especialmente para troca de dicas e comparações entre coleções de discos de vinil de jogos.

“Às vezes, nós ajudamos uns aos outros a conseguir nosso santo graal pessoal”, explica Pete Boyle, colecionador de Leeds (Inglaterra). “Ano passado, eu mencionei por alto que perdi o lançamento original da trilha de Firewatch, do Chris Remo. Minutos depois, recebi uma mensagem de alguém oferecendo o disco para venda. Estava na minha mão menos de duas semanas depois! Fiz amigos incríveis para a vida toda.”

Nos últimos anos, as trilhas sonoras de jogos passaram, mais e mais, a serem aceitas enquanto obras de arte, assim como as de filmes. Para muito jogadores, ouvir essas canções é uma experiência pessoal, imersiva, porque eles escutam as trilhas por até 10 horas jogáveis, não apenas por 1h30, como um filme.

‘Música de ioga de caubói’

A radialista Louise Blain conta que o compositor da trilha de Red Dead Redemption 2, Woody Jackson, brincou chamando parte das 60 horas de músicas que compôs para o jogo de “música de ioga de caubói”. “Músicas de jogos entendem que queremos nos perder e apreciar o cenário tanto quanto realizar as missões. Isso também significa que, quanto mais tempo a gente gasta, mais forte nossa conexão emocional se torna”, explica Blain.

Vinil da trilha de Red Dead Redemption 2

Compositor da trilha de Red Dead Redemption 2 chamou de 'música de ioga de caubói'

Reprodução

Some isso ao fato de muitas vezes jogarmos com amigos e toda essa conexão afetiva ganha novos contornos, sendo a trilha de uma jornada compartilhada.

“Tenho duas trilhas que vão sempre me lembrar de momentos particulares da minha vida”, conta a colecionadora de vinil holandês Jill Verhage ao Guardian. “A trilha de Ori and the Blind Forest, por ter sido um dos últimos jogos que minha melhor amiga jogou antes de morrer em 2017. E a de Ori and the Will of the Wisps, que sempre me traz uma tristeza por saber que ela nunca experimentou aquele jogo.”

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QUEM FEZ
Luccas Oliveira

Luccas Oliveira

Luccas Oliveira é editor de música na Tangerina e assina a coluna Na Grade, um guia sobre os principais shows e festivais que acontecem pelo país. Ex-jornal O Globo, fuçador do rock ao sertanejo e pai de gatos, trocou o Rio por São Paulo para curtir o fervo da noite paulistana.

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