Divulgação/Vitrine Filmes
Um dos candidatos a representar o Brasil no Oscar 2023, A Viagem de Pedro é um dos grandes trabalhos da carreira de Cauã Reymond
Um dos candidatos a representar o Brasil no Oscar 2023, A Viagem de Pedro é um dos grandes trabalhos da carreira de Cauã Reymond. Primeiro projeto do astro como produtor executivo desde a sua concepção, o longa inverte estereótipos e quebra o rótulo de herói que ficou marcado na imagem do imperador dom Pedro 1º (1798-1834).
Dirigido por Laís Bodanzky, dos excelentes Bicho de Sete Cabeças (2000) e Como Nossos Pais (2017), A Viagem de Pedro é um filme que retorna ao passado para expor o legado tóxico de uma sociedade reconhecidamente racista e misógina. Ao retratar dom Pedro como um homem de sua época, a cineasta e roteirista mostra um lado do imperador que muitas vezes é ignorado nos livros de história.
Fruto de seu tempo, Pedro era um imperador machista e conservador –apesar de considerado liberal pela burguesia da época. Visto como herói no Brasil e em Portugal por seus feitos enquanto imperador, ele tem sua “máscara” retirada em uma narrativa que destaca suas falhas e inseguranças durante um pequeno recorte de seus últimos anos de vida.
Situada em 1831, a trama do filme é centrada no trajeto feito por Pedro após fugir do Brasil rumo à Europa. Odiado pelo povo brasileiro, ele busca retornar a Portugal para tomar o trono que fora usurpado por seu irmão, dom Miguel (1802-1866).
A bordo de uma fragata inglesa, Pedro (Reymond) surge como um homem inseguro e fragilizado, incapaz de sustentar a sua tão famosa virilidade. Com a saúde debilitada por conta de seus problemas com epilepsia e sífilis, o “pai” da independência do Brasil é um mero reflexo da imagem de “machão” que sustentava pelas ruas do país.
Escrito por Laís, o roteiro de A Viagem de Pedro opta por mostrar o lado tóxico do ex-imperador para fazer uma reflexão do Brasil atual. Na visão da diretora, muitos dos problemas enfrentados pela sociedade são fruto dos mesmos erros cometidos por antepassados. Em entrevista exclusiva à Tangerina, a cineasta explicou que “olhar para o nosso passado sem um olhar contemporâneo é fazer um filme velho”.
Marcial Mancome, Welket Bunguê e Cauã Reymond
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Um dos grandes méritos do longa foi buscar talentos internacionais para retratar o Brasil imperial da forma mais fiel possível. Ao lado de Cauã Reymond, um elenco recheado de artistas gringos reconstrói a viagem pouco falada nos livros de história com atores ingleses, alemães, moçambicanos e, claro, brasileiros.
Tantos detalhes ajudam a enriquecer a produção que pode representar o país no maior prêmio da indústria cinematográfica. Por se tratar de uma obra sobre os anos 1800, talentos como Isabél Zuaa (Dira), Welket Bunguê (contra-almirante Lars), Dirce Thomas (Benê), Marcial Mancome (Bukassa), Sergio Laurentino (Chef) e Calvin Denangowe (Tigre) refletem a história dos negros no país e os vários destinos que uma população explorada pelo racismo e pela escravidão enfrentavam com a conivência da elite branca.
Isabél, como Dira, é um espetáculo à parte. A força da personagem e sua recusa a sucumbir aos caprichos da imperatriz Amélia (Victoria Guerra) não apenas reforçam o seu direito à liberdade, como também expõem o seu poder frente a um imperador fragilizado tal como um bebê. A atriz domina suas cenas com perfeição e, ao lado do Tigre de Denangowe, faz de sua participação um grito de guerra contra o racismo.
Na pele de Pedro, Cauã Reymond entrega um dos trabalhos dramáticos mais notáveis de sua carreira. A escalada da insanidade do imperador, que perambula delirando pelo convés da embarcação apenas para ver a sua imagem como macho viril se desintegrando aos olhares da tripulação, mostra que dom Pedro pouco tinha de herói; não fosse seu título nobre, ele seria apenas mais um homem branco que abusa de poder e privilégios.
Em tempos de reinterpretações errôneas da história do Brasil e odes à monarquia, A Viagem de Pedro se mostra um filme necessário para 2022. Revisitar o passado com um olhar contemporâneo ajuda a entender o que deu errado no país enquanto sociedade para que, no futuro, os filhos daqueles que se foram possam reerguer a nação sem cometer os mesmos erros tóxicos de outrora.
A Viagem de Pedro
Trailer oficial
André Zuliani
Repórter de séries e filmes. Viciado em cultura pop, acompanha o mundo do entretenimento desde 2013. Tem pós-graduação em Jornalismo Digital pela ESPM e foi redator do Omelete.
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