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O filme, que já está disponível na HBO Max, é baseado na história do pai de Venus e Serena Williams e em sua obsessão por transformá-las em lendas do tênis
King Richard: Criando Campeãs, filme estrelado por Will Smith, foi feito para ser indicado ao Oscar. A fórmula certinha. Para o bem e para o mal, mas com sucesso: recebeu seis indicações ao Oscar 2022.
O longa conta a história de Richard Williams, pai de Serena e Venus Williams, duas das maiores tenistas da história, e mostra a estratégia que ele traçou para que as filhas alcançassem o estrelato.
Os filmes feitos para o Oscar não chegam a ser um gênero em si, mas você com certeza sabe quais são. Aqueles filmes que, de longe, têm cheiro de que foram produzidos sob medida para ganhar o prêmio.
Pegue um ator consagrado, disposto a dar tudo de si em uma performance digna de estatueta. Misture com uma trama de sofrimento e superação, um drama clássico, daqueles de virar a gente (e os votantes) do avesso. Agite bem. Tá pronta a fórmula.
Will Smith era aposta certíssima para a categoria de melhor ator no papel de um pai da periferia que, ao assistir a uma final do French Open no finalzinho dos anos 1970, decidiu que as filhas (que nem tinham nascido ainda!) seriam dignas daquela premiação milionária. Richard então traça um ambicioso plano para colocar Venus e Serena no caminho para se tornarem campeãs do esporte.
Quem manja um mínimo do mundo esportivo já sabe que, no fim das conta,s o homem conseguiu atingir sim seu objetivo. Porém, para chegar lá como homem negro e pobre, o caminho foi um tanto sofrido. E a performance de Smith não é menos do que admirável em demonstrar isso.
King Richard - Criando Campeãs
Para quê um rei se já temos duas rainhas?
O ator está perfeito como o homem teimoso, cheio de manias, obcecado, por vezes beirando o exagero, que insiste em treinar as garotas com um rigor aparentemente incompreensível. Um homem que negocia diretamente (e de maneira bem dura) com potenciais treinadores, e patrocinadores e ainda precisa encontrar tempo para trabalhar no turno da noite como segurança.
Porque Smith — essa máquina de carisma, esse sorriso que vale milhões em Hollywood — consegue não só parecer cansado e envelhecido na voz e no olhar. Ele também encontra o equilíbrio entre interpretar o pai exagerado e insuportável e o doce, gentil, amoroso, um verdadeiro amigo.
Mas nem tudo são flores no caminho do Oscar.
O grande ponto é que a trama acaba 100% focada no paizão, como bem já dava pra esperar pelo título e pela presença estrelada de Will Smith. Só que, na construção de sua persona, esse pai acaba se tornando alguém absoluto na segunda metade do filme.
Alguém cujas atitudes são bem pouco questionadas pela trama, que é tratado como um herói, que parece composto de poucas camadas — e é aí que o filme se perde. Porque a quebra na casca, na armadura, faria muito bem não só à interpretação do ator principal, mas também à história.
Um dos poucos momentos que mostram a fragilidade do ego de Richard aparece quando a mãe das meninas o lembra que ele abandonou os filhos de seu primeiro casamento. Mas é uma cena tão rápida, quase um flash, que o público mal se dá conta do que foi dito. Trabalhar esse assunto teria sido fundamental.
Não dá simplesmente para jogar uma informação para a audiência, instigando sua curiosidade, e depois cortar para a cena do casal feliz, novamente catapultando Richard ao papel de paizão incompreendido e que, no fim das contas, estava certo.
Importante reforçar que, na vida real, o patriarca dos Williams não teve apenas filhos do primeiro casamento, que acabaram esquecidos. Ele teve, inclusive, crianças foira do casamento. Sabrina Williams, que foi abandonada por ele aos 8 anos de idade, chegou a afirmar que Richard teria mais de 15 outros filhos pelos Estados Unidos e nunca de fato assumidos.
Além disso, o treinador Rick Macci (vivido pelo canastríssimo Jon Bernthal), um dos responsáveis pela educação esportiva das Williams, chegou a afirmar que a obsessão de Richard pela perfeição o fazia, por exemplo, colocar cacos de vidro no fundo da quadra para evitar que as garotas recuassem demais no jogo.
Venus e Serena deveriam ter sido as verdadeiras protagonistas do filme.
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É claro que a história de um homem com um plano de 78 páginas pra construir do zero duas campeãs que nem tinham vindo ao mundo, em um esporte essencialmente elitista, machista e branco, tem um baita apelo como “filme de Oscar”.
Mas não dá pra negar também que essa história tem duas estrelas que deveriam, na verdade, ter sido as grandes protagonistas do filme. Porém, elas acabam, de alguma forma, sob a sombra do pai. Venus e Serena mereciam mais do que ser meras coadjuvantes de sua própria trajetória.
Mulheres negras, periféricas que superaram uma série de adversidades para chegar onde chegaram, elas são o tempo todo subestimadas, pra variar. São tratadas como garotas que praticamente não se esforçaram, que apenas se beneficiaram das ideias do papai, de seu intrincado plano perfeito, e só por isso atingiram o sucesso.
Os poucos momentos em que vemos Serena, a mais nova, ressentir-se da atenção dada à mais velha, Venus, mostram um mínimo de personalidade, que deveria ter sido mais explorada. Os holofotes são totalmente apontados para Richards, as meninas parecem fantoches sem originalidade e em momento algum questionam a disciplina ultra rígida do pai, ou se o sonho dele era o sonho delas. Será?
King Richard: Criando Campeãs não chega a ser um filme ruim. Não inova, não reinventa a roda, mas sabe requentar bem um feijão com arroz temperado de clichês. No entanto, apesar de Will Smith, Venus e Serena mereciam mais espaço numa história que, afinal, é muito mais delas do que de qualquer um.
Leva que tá doce! O tom pode parecer meio óbvio, mas com certeza vai emocionar, especialmente quem tem uma relação mais próxima (e complicada) com o paizão.
Dois pelo preço de um: King Richard tem um quê de Coach Carter: Treino para a Vida, com Samuel L.Jackson.
Presta atenção, freguesia: Nas meninas Saniyya Sidney e Demi Singleton, respectivamente intérpretes de Venus e Serena. Apesar do pouco espaço na história, elas sabem aproveitar bem quando estão sob os holofotes. E obviamente, vale notar o recorte racial e local de Compton, Califórnia.
Gabi Franco
Editora de filmes e séries na Tangerina, Gabi Franco é criadora do Minas Nerds, jornalista, cineasta, mãe de gente, pet e planta. Ex- HBO, MTV, Folha, Globo… É marvete, mas até tem amigos DCnautas.
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