Por que a Netflix sabotou sua melhor comédia no streaming

Arrested Development sempre foi tratada como uma das melhores comédias já feitas para a TV. A sátira sobre a família Bluth conquistou aclamação universal em suas três temporadas originais na Fox, exibidas entre 2003 e 2006. Quando a série foi cancelada, muita gente acreditou que aquele seria o fim definitivo. Só que, seis anos depois, a Netflix decidiu reviver a produção e transformá-la em um dos primeiros grandes resgates da era do streaming.

A plataforma comprou os direitos e lançou a quarta temporada em 2013, com estrutura ousada e narrativa cruzada que acontecia simultaneamente do ponto de vista de cada personagem. Mitch Hurwitz, criador da série, disse na época que tratava esses novos episódios como o primeiro ato de uma história maior. A recepção foi boa, com 79% no Rotten Tomatoes, mas dividiu parte do público pela complexidade e ausência da mesma energia das temporadas originais.

A partir desse ponto, a situação começou a se complicar. Em 2018, às vésperas da estreia da quinta temporada, Hurwitz decidiu remontar completamente a quarta temporada para colocar tudo em ordem cronológica. Nascia Consequências Fatais, agora com 22 episódios narrados novamente por Ron Howard. Só que essa versão, ao contrário da original, foi massacrada pela crítica, registrando apenas 25% de aprovação no Rotten Tomatoes. Para muitos fãs, o remix apagava justamente o que tornava a quarta temporada interessante.

David Cross e Jason Bateman em cena de Arrested Development

(Foto: Reprodução/Netflix)

O grande erro da Netflix

O problema maior veio na forma como a Netflix tratou as duas versões. A plataforma simplesmente substituiu a temporada original pelo remix e escondeu a versão de 2013 na aba de trailers. Quem acessa Arrested Development hoje é empurrado automaticamente para Consequências Fatais, como se fosse a continuação direta da terceira temporada. Parece uma decisão pequena, mas afeta profundamente a experiência de quem nunca viu a série ou pretende revisitar o material original.

Além de esconder a temporada correta, a Netflix dificulta até mesmo a tentativa de encontrá-la. Para assistir aos episódios originais, o usuário precisa abrir a aba de trailers e selecionar manualmente capítulo por capítulo, já que a plataforma não reconhece esses episódios como parte da série. Não existe reprodução automática, não existe ordem interna e não existe qualquer indicação de que aquela é a montagem aprovada no lançamento.

Essa escolha acaba afastando novos espectadores e cria uma impressão injusta sobre a qualidade da quarta temporada. A versão original é muito mais coesa, mais ambiciosa e mais fiel ao espírito da série, enquanto o remix dilui piadas, repete informações e esvazia o impacto das histórias paralelas. Ao tratar o remix como versão oficial, a Netflix empurra o público para a pior porta de entrada possível.

Arrested Development é uma das melhores sitcoms já feitas. E, mesmo assim, a plataforma responsável por reviver a série acabou dificultando o acesso à forma mais completa e criativa de sua quarta temporada. Em vez de celebrar a produção que ajudou a transformar o streaming, a Netflix a esconde, a desorganiza e a enfraquece. O resultado é simples: quem chega hoje à comédia encontra uma versão inferior e uma experiência confusa, criada pela própria plataforma que deveria valorizá-la.