FILMES E SÉRIES

Cartaz de Sonic: O Filme

Divulgação/Paramount

Entrevista

Manolo Rey: Conheça a voz do Sonic e do Homem-Aranha no Brasil

Em conversa com a Tangerina, o dublador, que é a voz do ouriço mais famoso dos games há quase 30 anos, conta como se preparar para encarnar personagens tão queridos da cultura pop

Bruno Silva
Bruno Silva

Sonic 2: O Filme estreia nesta quinta-feira (7) e, além de trazer um ótimo equilíbrio entre charme e nostalgia, marca também mais um capítulo na carreira de Manolo Rey. O carioca é responsável por dar voz ao ouriço mais famoso dos games há quase 30 anos, vivendo esse papel em diversos desenhos e, agora, nas adaptações do personagem para o cinema.

Além do Sonic, Rey também é conhecido por vários papeis marcantes na dublagem brasileira, como o Will Smith em Um Maluco no Pedaço ou o primeiro Homem-Aranha dos cinemas, vivido por Tobey Maguire, além de inúmeras contribuições para filmes, séries, desenhos e animes.

Em conversa com a Tangerina, o dublador contou sua preparação para viver mais uma vez o papel e falou um pouco sobre sua carreira na dublagem. Confira:

Cartaz de Sonic 2 O Filme

Trailer dublado de Sonic 2: O Filme

Manolo Rey dá voz ao personagem principal do longa na versão em português

Tangerina: Como foi a preparação para viver o Sonic mais uma vez nos cinemas? É um personagem que você já interpretou várias vezes. Houve algo diferente?

Manolo Rey: A minha preparação foi principalmente vocal. Eu tenho sempre um cuidado… (alcança o bolso) vou mostrar, trouxe até hoje. Ando sempre com um sprayzinho, né, porque é um local da voz que, se eu tiver algum problema, a voz falha. É uma região muito difícil pra mim hoje em dia. Antigamente era mais fácil, hoje não.

Então, ando sempre com alguma coisa para suavizar qualquer pigarro, qualquer mudança de clima que possa provocar uma diferença na garganta. Bastante água. A minha preparação principal foi no estúdio, que é encaixar a voz com o humor, com as emoções que tem nesse filme, que tá bem recheado. Esse segundo tá muito recheado.

Tangerina: Você dá voz ao Sonic no Brasil tem quase 30 anos. São vários desenhos e filmes que, nos Estados Unidos, tiveram vários atores como o Sonic. Aqui, foi quase sempre você. Como você vê a diferença dessas versões?

Manolo Rey: Eu acho que, em cada série, o trabalho de voz teve uma diferença sim, por causa do teor da série. Teve uma que era muito infantil, outra menos infantil. Uma com mais ação… se não me engano Sonic X tinha mais ação, menos falas. No filme, o público alvo é a família. Não é a criança, que é um público novo, não é um adulto. São todos. Então você tem que chegar a todos, tem que conquistá-los, seja o adulto, seja a criança.

A voz que eu passei no teste, lá na primeira série, é uma voz que sempre foi confortável para mim, é confortável hoje em dia. Ando com o spray só em caso de eventualidade, é uma ferramenta pra mim. Mas é uma voz que eu tenho que trabalhar, porque não é minha voz natural. (Manolo faz uma voz anasalada) Eu não falo assim naturalmente, assim um pouquinho anasalado, um pouco na garganta. 

Manolo Rey

Manolo Rey dá voz ao Sonic na versão dublada do filme

Reprodução

E pra ir para uma voz fake, pra ir para uma coisa sem emoção, é fácil. Então, tem que ter esse cuidado pra ficar a voz mais natural possível principalmente nos filmes. Porque neles, estou contracenando com atores reais, e eles estão interpretando, não estão falando infantilizados.

Eu não posso ter uma interpretação que não seja verdadeira. Tem que ser verdadeira, apesar de o Sonic ter essa coisa de criança, ele é um crianção. Eu não posso infantilizar ele muito, porque ele tem muita responsabilidade, é um guerreiro, luta por várias coisas. 

Esses dois filmes, acho que a voz dele está ideal, tá legal, a voz que a gente conseguiu colocar está em um ponto certinho.

Tangerina: Como funciona o trabalho de encontrar a voz? É mais interno, há uma troca com diretores no estúdio?

Manolo Rey: Quando falo de voz, lembro sempre do Mário Monjardim (1935-2021), que foi meu primeiro professor. Ele me ensinou o seguinte. Na primeira aula que ele deu, a gente estava preso no texto, dublando com a mão fone de ouvido e ele disse: “Não, meu filho, olha lá a tela, esquece o texto. Não importa o que você fala, você tem que falar olhando ali. Se ele mexeu o braço, você tem que fazer isso”. Aí eu olhei, e pensei que isso faz todo o sentido do mundo. 

Aquela lição daquele dia eu carrego pro resto da vida. Você pode ver nos meus trabalhos. Vou citar alguns: Um Maluco no Pedaço, eu não tinha a voz para dublar o Will Smith. Ele tem uma voz muito grave. Qual foi o recurso? No primeiro loop, eu falei com o diretor: “vou tentar uma coisa”. Assisti três vezes e tentei encaixar a voz no corpo dele. Por quê? Ele é muito grave, pra baixo, e eu fiz os movimentos dele. (Faz um timbre mais agudo) “Aí, tio Phil!”, a voz está toda lá pra cima.

Homem Aranha 2

Manolo Rey dubla Tobey Maguire como o Homem-Aranha

Divulgação

Outro exemplo: o Tobey Maguire como Peter Parker. Eu fiz o teste duas vezes, porque tinha visto no cinema. Aí fiz o teste: (Faz voz heróica) “Grandes poderes trazem grandes…”, aí falaram obrigado, você está fazendo o que todo mundo está fazendo. Eu pedi pra tentar de novo. Eu entrei no automático, me pegou no susto. Pedi: “Eu vi o filme, deixa eu tentar”. Aí eu lembrei de algumas cenas, tinha uma certa apatia, me veio a imagem. Fiz ele um pouco mais arrastado.

Meu processo é esse: olhar a imagem, o que ela me transmite, e o que posso encaixar ali. Muitas vezes, não importa a voz original. No caso do Sonic, importa: o Ben Schwartz, ele é fenomenal, eu já dublei ele em vários projetos, séries e filmes. Ele consegue encaixar esse humor, o cara é danado, eu dublo ele há um tempo, e me identifico muito com ele, o tipo de humor. Então, a gente consegue passar a verdade, a partir da verdade dele. Fica até mais fácil pra mim.

Teve outros atores que deram voz ao Sonic nos EUA, também ótimos. Para cada um, tive um trabalho de voz, porque era um público diferente. Nesse daí, o Ben Schwartz consegue passar essa verdade de contracenar com seres humanos e torná-lo num ser vivo de verdade. Você acredita que dá para tocar nele, carregar no colo. Meu trabalho é fazer esse encaixe, ver o corpo. A minha voz vai pelo corpo do personagem, sempre.

Tangerina: Ao longo da sua carreira você deu voz a personagens jovens, ou desenhos. Muitos dubladores que acompanham um personagem ao longo da carreira precisam se preparar quando envelhecem, já que a voz muda com o passar do tempo. Como tem sido isso na sua carreira?

Manolo Rey: Tem vozes que talvez eu nem consiga tanto (fazer hoje). Tem vozes que eu até conseguiria, mas me machucaria muito. Por exemplo: Tartarugas Ninjas, que foi no meu início. Eu não fiz os filmes, que também são da Paramount, mas dirigi a dublagem. Mas escalei outros dubladores, era uma nova geração e tinha tudo a ver.

Quando eu fiz o teste para Tartarugas Ninjas, fiz e passei. Aí fui dublar, só que não lembrava a voz que eu fiz, Não tinha computador na época. “Ué, é voz de tartaruga”, disseram no estúdio e eu respondi: “Ué, mas tartaruga não fala” (risos). Lembro disso até hoje. Aí encaixei uma voz, o outro encaixou outra voz, e ficou tudo diferente do original.

Cena de Sonic 2: O Filme

Sonic passará por uma prova de fogo contra Robotnik e Knuckles

Reprodução/Paramount Pictures

Antigamente, eu fazia (com uma voz muito aguda): “Mestre Splinter, a gente tem que pegar o Destruidor!”. Se eu tivesse que fazer uma série hoje com essa voz, eu ia dublar um dia e ia parar uma semana pra descansar, porque isso arranha (a garganta). 

Tem vozes que eu me sinto confortável pra fazer, como o Gaguinho, é uma região que eu faço legal. Eu só fico gaguejando durante alguns dias. Se eu dublar hoje quatro episódios, eu fico uns quatro dias gaguejando (risos), porque eu vou na imagem, onde ele gagueja, eu gaguejo também.

Eu acho que, de todos os personagens que eu fiz, dos desenhos animados, eu consigo manter a voz. Não é muito difícil pra mim. Teve uma leve amadurecida, pouca coisa. Nos filmes, é mais fácil, porque os atores também envelhecem. A não ser que seja uma redublagem, aí eu não vou conseguir porque não estou mais naquela faixa.

Tangerina: Nós somos uma plataforma focada em dar recomendações de séries e filmes. O que você está assistindo atualmente e o que recomenda?

Manolo Rey: Além do Sonic? (risos). É difícil. Tem muita coisa, ainda mais com o streaming. Eu trabalho dirigindo muita coisa pra streaming, tem coisa que eu não posso falar que estou fazendo. Mas não tem só o americano. Tem série coreana que é maravilhosa. Recentemente fiz um filme sul-africano e gostei muito. É uma história bem trabalhada, parecia uma história brasileira com atores brasileiros. Quis muito ver esse filme. O streaming possibilita muito isso pra gente.

Essa transformação, a passagem da televisão para o streaming está sendo muito importante, e eles estão sabendo enriquecer o conteúdo. Não é só ‘enlatado’ americano, como a gente chamava. São várias culturas. O que eu aconselho, de acordo com o gosto de cada um, é ver várias culturas, não apenas a americana, que é ótima. Séries que eu dirigi, Narcos, Bloodline, é sensacional. Tô dirigindo uma, que eu não posso falar, que a língua tá coçando… Ela é maravilhosa. Vai ser muito comentada, porque é difícil de entender, tem uma coisa de tempo e espaço. Sabe Lost? É um nível além. Lost é nível um, essa é nível mil.

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Bruno Silva

Bruno Silva

Editor de games e animes na Tangerina, Bruno Silva é brasiliense e fã de basquete. Jornalista, apresentador e streamer, foi co-criador do The Enemy e já publicou no Omelete, Nerdbunker, Metrópoles e Correio Braziliense.

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