FILMES E SÉRIES

Cena do documentário Summer of Soul

Divulgação/Disney+

Crítica

Summer of Soul é documento histórico sobre apagamento da cultura negra

Documentário traz registros do marcante Harlem Cultural Festival, reunião de grandes nomes da soul music, blues, funk e gospel que praticamente ninguém se lembra

Rafael Argemon
Rafael Argemon

À primeira vista, Summer of Soul (…ou, Quando A Revolução Não Pode Ser Televisionada) -favorito a ganhar o Oscar de melhor documentário de 2022– parece apenas um documentário musical para se aproveitar trechos de shows de grandes nomes da soul music/blues/funk/gospel, como Stevie Wonder, Mahalia Jackson, Sly and the Family Stone, B.B. King, Gladys Knight & the Pips, Mavis Staples, The Fifth Dimension, entre outros. Mas é muito mais do que isso. 

Este é um registro notável sobre uma história que quase foi apagada da memória até de quem esteve fisicamente presente ao Harlem Cultural Festival, que aconteceu durante os dias 29 junho e 24 de agosto de 1969, no Mount Morris Park, no Harlem (Nova York).

Em uma das entrevistas intercaladas com as apresentações musicais, um espectador do evento, que era criança na época, chega a agradecer por ter sido convidado a participar do documentário, pois isso provava que ele não era maluco e tinha inventado na própria cabeça o fato desse festival ter acontecido de verdade. Um depoimento que simboliza a importância do filme do estreante diretor Ahmir “Questlove” Thompson (produtor e músico baterista do grupo The Roots, aquele do talk show do apresentador Jimmy Fallon). 

Summer of Soul funciona como um documento histórico assim como aqueles exibidos em museus. Que corroboram a existência de um fato irrefutável. Neste caso, o apagamento da memória cultural negra nos Estados Unidos.

O arquivo morto de Summer of Soul

As extensas filmagens dos shows feitas por Hal Tulchin -um diretor de televisão que documentou todas as apresentações na esperança de vendê-las às grandes emissoras- caíram no esquecimento. Apenas duas horas foram transmitidas em uma pequena subsidiária da CBS em Nashville, deixando cerca de 40 horas de imagens no limbo. E por quê? Porque simplesmente não havia interesse das gigantes em um festival “negro demais”, eclipsado por um certo Woodstock que aconteceu no mesmo mês de agosto de 1969. Este, claro, muito mais branco e “aceitável”.

Pergunte para alguém que sequer gosta de rock se ele já ouviu falar em Woodstock. Muita gente pode nem saber direito o que foi, mas dirá que já ouviu falar nesse nome em algum lugar. E olha que o Harlem Cultural Festival reuniu diversos artistas com mais relevância que alguns de Woodstock na época. A banda Sly and the Family Stone, por exemplo, tocou nos dois eventos. O curioso é que a apresentação mais icônica do Woodstock foi justamente de um artista negro: Jimi Hendrix.

Felizmente, Tulchin manteve todos os 47 rolos de filmagem em seu porão. Quase 50 anos depois, eles foram recuperados e editados por Questlove como espinha dorsal de Summer of Soul, dando ao Harlem Cultural Festival a relevância que ele merece.

Cena do documentário Summer of Soul

Trailer do documentário Summer of Soul

A avassaladora apresentação de Mahalia Jackson é um dos pontos altos do filme

No entanto, o filme não é apenas um documento histórico, mas um documentário musical que traz apresentações incríveis, como a da monumental Nina Simone, fazendo um parque repleto de pessoas ressoar Young, Gifted, and Black (jovem, talentoso e negro, em tradução livre) em um momento importantíssimo da autoafirmação de uma comunidade que ainda hoje sofre na pele a imensa desigualdade racial/social imposta pela classe dominante branca nos EUA. É de arrepiar.

Summer of Soul (…ou, Quando A Revolução Não Pode Ser Televisionada) é um documentário musical como nenhum outro, porque, embora seja um filme de shows contagiantes, trata de resgatar um ponto de virada fundamental na vida dos negros no país que gosta de se vender como a terra da liberdade e das oportunidades, mas que nós sabemos que não é exatamente assim. Ou você já esqueceu de George Floyd?

Dois pelo preço de um: Impossível não querer assistir ao documentário O Que Aconteceu, Miss Simone?, para saber ainda mais sobre a trajetória desta força da natureza que atendia pelo nome de Nina Simone. 

Presta atenção, freguesia:  Inquestionável não só a performance de Nina, mas também para a presença avassaladora de Mahalia Jackson. Que voz. Que domínio de palco!

Indicações ao Oscar 2022:

  • Melhor documentário Melhor documentário em longa-metragem
Pôster do documentário Summer of Soul

Summer of Soul

Documentário
L

Direção

Questlove

Produção

20th Century Studios

Onde assistir

Telecine Play e Globoplay

Elenco

Hal Tulchin
The 5th Dimension
Gladys Knight & The Pips
Jesse Jackson
Lin-Manuel Miranda
Chris Rock
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QUEM FEZ
Rafael Argemon

Rafael Argemon

Rafael Argemon é criador do perfil O Cara da Locadora no Instagram e também assina uma coluna com o mesmo nome na Tangerina, onde indica as pérolas escondidas nas plataformas de streaming. Cinéfilo e maratonador de séries profissional, passou por Estadão, R7, UOL, Time Out e Huffpost. Apaixonado por pugs, sagu e jogos do Mario.

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