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Cena de Horizon Chase Turbo

Reprodução/Aquiris

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Com dinheiro da Epic Games, Aquiris quer jogos com a cara do Brasil

Conheça a história do estúdio gaúcho que iniciou a carreira na arquitetura, cresceu na publicidade e ganhou reconhecimento mundial ao lançar Horizon Chase —e agora recebeu investimento dos donos de Fortnite

Bruno Silva
Bruno Silva

Em 13 de abril, o estúdio gaúcho Aquiris surpreendeu o mercado brasileiro de games. Conhecida pelo jogo de corrida de Horizon Chase, a desenvolvedora anunciou um investimento por parte da Epic Games. A quantia, que não foi revelada, é parte de um acordo no qual a empresa americana, responsável por Fortnite, vai publicar diversos jogos multiplataforma da empresa brasileira, coroando seu melhor momento em 15 anos de história.

Mas qual a história da Aquiris e o que o estúdio fez para atrair a atenção de uma das principais empresas de games do mundo? A Tangerina conversou com Israel Mendes, diretor de marketing e um dos co-fundadores do estúdio, para conhecer a desenvolvedora, que teve um início improvável na arquitetura e despontou como estúdio autoral com Horizon Chase, que conta com vários elementos brasileiros.

Na entrevista, Mendes aponta que o país é uma grande inspiração para os futuros trabalhos da desenvolvedora: “Criaremos jogos muito divertidos, Made in Brasil com S.”

Tangerina: Como foi o processo de fundação da Aquiris? De quem surgiu a ideia e quais eram os primeiros objetivos?

Israel Mendes: A Aquiris nasceu num kitnet de 30n², onde o Amilton (Diesel, diretor de arte técnica) morava. Amilton e Mauricio (Longoni, CEO da empresa) eram colegas de colégio. Um amigo em comum apresentou o Amilton ao Israel e, dessa primeira conversa, além de uma amizade, a relação evoluiu para virar a “primeira Aquiris”, em 2007. 

Ao longo do caminho, foram entrando, os então colegas, mas futuros novos sócios, Raphael Baldi (2008), Kely Costa (2008) e Sandro Manfredini (2011). A empresa começou fazendo realidade virtual. Por mais estranho que isso possa parecer, há 15 anos já fazíamos e vendíamos RV, embora num conceito mais primitivo: sem periféricos de imersão como óculos e controles. Era apenas a tecnologia de games, aplicada ao 3D arquitetônico, o que gerava visualizações interativas das coisas. Ou seja, já fazíamos games, tecnicamente falando, ainda que não tivéssemos consciência conceitual disso. 

Fundadores da Aquiris

Os fundadores da Aquiris: Sandro Manfredini, Mauricio Longon, Amilton Diesel, Kely Costa, Raphael Baldi e Israel Mendes

Divulgação/Aquiris

E em seguida, ampliamos o portfólio de produtos, oferecendo também aquilo que resolvemos chamar de advergames. O mercado de publicidade, que historicamente sempre comprou inovação, acreditou naquilo e o negócio ganhou tração de vez. Éramos apenas nós, inicialmente, fazendo advergames no Brasil. Durante o período de 2007 a 2010 criamos realidade virtual e muitos advergames, mais de 50. Depois disso, migramos para jogos casuais de entretenimento, mas ainda dentro da prestação de serviço. 

Até que em 2015 a gente pisou firmemente no mercado de entretenimento global e passamos a fazer jogos proprietários, no modelo B2C, sendo Horizon Chase o mais famoso deles. Nesse período houve um amadurecimento profundo dos processos, do conhecimento tecnológico —fomos um dos maiores especialistas em Unity no mundo, por exemplo— e da qualidade do nosso trabalho. Ou seja, chegamos onde chegamos fazendo um bom uso do tempo, o chamado: envelhecemos bem.

Tangerina: Nesses primeiros anos, em que a empresa ainda buscava se estabelecer trabalhando principalmente no mercado publicitário, quais foram os principais desafios e como o estúdio se manteve de pé?

Israel: Daria para dizer que cada game novo era o principal desafio da vez. Digo isso porque a gente não negava trabalho. Mesmo que tivesse dúvidas em como desenvolvê-lo. Já, um desafio principal mais típico era equilibrar a balança entre o comercial e a produção, algo típico do modelo de prestação de serviços. 

Tínhamos que garantir as entregas de projetos que já haviam sido vendidos, mas também a entrada de projetos novos. Crescer e desenvolver ou desenvolver e crescer? O ovo ou a galinha? Não raro, isso gerava tensões de produção grandes, quando havia sobreposição de trabalhos. Inesquecíveis frios na barriga quando o mercado dava uma esfriada. 

Lembrando que a Aquiris, por ter sido pioneira no mercado de advergames no Brasil, criou o preço desse produto e inclusive os concorrentes. Geramos um mercado inteiro ao nosso redor, incluindo aí a massificação do uso de Unity no Brasil. Foi muito desafiador viver num ambiente de tamanha inovação, tendo que manter um ritmo de mercado já estabelecido.

Horizon Chase Turbo

Horizon Chase Turbo é jogo de corrida feito pelo estúdio brasileiro Aquiris

Divulgação/Aquiris

Tangerina: Horizon Chase marca o grande ponto de virada da Aquiris como estúdio de projetos autorais. Como surgiu a ideia do jogo e o que vocês destacam como aprendizado nessa produção?

Israel: Em breves palavras: numa reunião de sócios, surgiu a ideia de fazer um jogo no estilo Top Gear (clássico de 1992 do Super Nintendo). O Amilton, diretor de arte técnica, trouxe uma demo técnica mostrando na prática como faríamos pra simular a sensação dos anos 1980 e 1990. A saber: a estrada era usada como esteira, emulando as limitações dos racers daquela época. 

A gente olhou para aquilo e curtiu muito o resultado, aquele game conversava com vários passados nostálgicos nossos. Depois aquilo virou desenvolvimento de fato e o que era um “Top Gear” no seu insight inicial foi melhor embalado do ponto de vista de produto, comunicação e marketing, para virar um tributo aos jogos de corrida arcade clássicos.

Tangerina: O que mudou na Aquiris depois do lançamento de Horizon Chase?

Israel: Tudo. Foi nossa primeira propriedade intelectual 100% desenvolvida e publicada pelo próprio estúdio. Aprendemos a posicionar um game e elevá-lo à dimensão de produto. E desse produto, passamos a trabalhar a sua dimensão de franquia, tanto que em 2021 foi lançado o maior DLC da história do game, seis anos depois. 

Fora o cartão de visitas que o game se transformou para todos com quem conversávamos, incluindo a própria Apple, quando convidou a Aquiris a ser uma das primeiras empresas da América Latina a produzir jogos para o Apple Arcade, tendo Horizon Chase como prova da nossa capacidade. 

Foi também um jogo que entrou para a cultura pop do país, tendo sido citado desde as mais triviais reportagens, até a presença em filmes e séries, como por exemplo Sintonia, criada pelo KondZilla para o Netflix. Sem contar as premiações e reconhecimentos que o jogo ganhou: um dos 25 melhores games de 2015 da App Store e o primeiro game nacional a vencer o BIG Festival, em 2016.

Tangerina: Horizon saiu primeiro para smartphones e, alguns anos depois, alcançou o PC e os consoles com a versão Horizon Chase Turbo. Sempre foi uma vontade do estúdio fazer esse salto para essas plataformas?

Israel: Era nossa vontade lançar logos para consoles desde crianças, pra falar a verdade. Mas, adaptando o ditado, esse tipo de “querer” demora pra ser “poder”. Então precisamos ter resiliência para percorrer o caminho e chegar até esse patamar de conhecimento. 

Na época do lançamento, em 2015, ainda não tínhamos lançado um jogo para consoles. Horizon Chase foi o primeiro jogo lançado para outras multiplataformas além do mobile ou Steam. Por isso houve um período de desenvolvimento e de aprendizado técnico. Até que em 2017 começou o processo de portabilidade, os protocolos técnicos de cada plataforma, e então em 2018 houve o lançamento. 

Levar nosso game para as telonas e para os sofás das casas das famílias foi então aquele sonho de criança sendo realizado. Mais ainda quando fechamos a parceria com a Sony para ter o jogo publicado no Brasil em mídia física, caixinhas. Foi então que nossos pais e avós entenderam melhor o plano.

Cena de Wonderbox

Jogo de aventura com editor de mapas, Wonderbox é exclusivo da Aquiris para o Apple Arcade

Divulgação/Aquiris

Nos últimos anos, a Aquiris têm trabalhado cada vez mais perto de grandes empresas de tecnologia internacionais, como a Apple, que trouxe Wonderbox como um jogo do Apple Arcade, e agora a Epic, com esse investimento e a parceria de publicação para os próximos jogos. Como foi esse trabalho de aproximação e o que vocês acreditam que essas empresas viram na Aquiris?

Israel: Temos consciência de que não chegamos onde estamos num estalar de dedos. Foi um processo, uma maratona. E por isso, costumamos dizer que um dos nossos principais norteadores é a consistência. 

Mas a resposta mais completa poderia reunir uma série de outros fatores, como o trabalho de excelência técnica, a evolução estética, os contínuos e crescentes critérios de qualidade, as decisões acertadas de negócios, os relacionamentos que construímos, a nossa adaptabilidade, a formação de times espetaculares, a presença constante em eventos, os “sims” e “nãos” corretamente dados nas diferentes oportunidades de negócios que se apresentaram, e, claro, uma ambição estratégica compatível com nossa capacidade.

Somados, esses indicadores demonstram a maturidade de uma empresa brasileira de games nos seus 15 anos de história. Acho que somos um estúdio bastante competitivo e aderente ao que o mercado global quer ver em ação hoje em dia.

Tangerina: Em 2022, a Aquiris completa 15 anos. O que vocês imaginam para os próximos 15 anos da empresa?

Israel: Costumo dizer aqui dentro da empresa que a Aquiris faz games e faz história. Além do movimento histórico que é, por si só, a entrada da Epic como investidora da Aquiris, isso sinaliza que entramos numa nova fase, de amadurecimento, de profunda sinergia sobre tecnologia, sobre games, sobre o mercado como um todo. 

Temos o aval de uma das principais empresas de games do mundo para tirarmos algumas das nossas teses do papel. E assim faremos. Criaremos jogos muito divertidos, Made in Brasil com S, que irão atingir públicos cada vez mais massivos, e divertir muitas gerações de pessoas. Pretendemos fazer o que os nossos ídolos do passado e do presente fizeram e fazem tão bem: jogos memoráveis.

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QUEM FEZ
Bruno Silva

Bruno Silva

Editor de games e animes na Tangerina, Bruno Silva é brasiliense e fã de basquete. Jornalista, apresentador e streamer, foi co-criador do The Enemy e já publicou no Omelete, Nerdbunker, Metrópoles e Correio Braziliense.

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