Reprodução/CNN Brasil
Presidente da Rússia é apresentado como uma figura construída pela mídia para entreter seus seguidores e intimidar quem o contraria
Principal responsável pela guerra na Ucrânia, Vladimir Putin é uma figura tão controversa que poderia muito bem assumir o papel de astro da luta livre, um universo em que mocinhos e vilões com características exacerbadas se enfrentam em embates nos quais tudo é exagerado para o entretenimento do público. E é exatamente assim que ele é apresentado em uma HQ biográfica que chega às lojas no início de novembro.
Em Accidental Czar: The Life and Lies of Vladimir Putin (Czar Acidental: A Vida e as Mentiras de Vladimir Putin), ainda sem previsão de lançamento no Brasil, o autor Andrew Weiss, ex-integrante do Conselho de Segurança da Casa Branca, se juntou ao quadrinista Brian “Box” Brown para narrar a história do presidente da Rússia, de sua infância às artimanhas políticas que culminaram na invasão da Ucrânia no início do ano.
Weiss, especialista em Rússia e vice-presidente do Fundo Carnegie para a Paz Internacional, preparava um livro com sua pesquisa sobre Vladimir Putin quando percebeu que a obra poderia ter muito mais alcance se fosse transformada em quadrinhos. “Eu trabalhei na Casa Branca durante muito tempo e percebi que existe uma divisão muito clara no acesso à informação, nós acabamos conversando apenas com nossos pares. Minha ideia era mudar isso”, conta ele em conversa com a Tangerina.
“Em 2016, com a eleição de [Donald] Trump, criou-se um mito em cima de Putin. Era como se ele tivesse superpoderes e fosse responsável por tudo o que acontece no mundo. E o Kremlin consegue vender a imagem que deseja dele, desse líder que monta cavalos sem camisa, é a construção de um mito. Eu queria mostrar o homem por trás desse mito, contar a história do Putin verdadeiro –e para um público muito maior”, explica.
Reprodução da HQ Accidental Czar, sobre Vladimir Putin
Reprodução/First Second
Como a luta livre entrou nessa história? Brian “Box” Brown já havia roteirizado e desenhado HQs sobre a vida do lutador André the Giant (1946-1993) e do comediante Andy Kaufman (1949-1984), que também se arriscou no ringue do pro wrestling. E viu muitas semelhanças entre esses homens que levam diversão a plateias do mundo todo e o presidente da Rússia.
“Muitas coisas me lembravam da luta livre, especialmente na hora de desenhar a história. Logo nas primeiras páginas, eu fiz Putin lutando judô, então me senti em casa para fazer esse tipo de quadrinho. E o Putin meio que interpreta um personagem diante do público, como fazem os lutadores. Eu consigo imaginar ele gravando vinhetas dizendo que vai destruir todos os norte-americanos da WWE. Foi um personagem bom de desenhar porque ele é muito dramático. Putin não governa, ele performa. Há um mergulho muito forte dele na persona que foi construída”, aponta o quadrinista.
Accidental Czar ainda aponta como o passado da União Soviética ajudou Putin a desenvolver esse “personagem” que assume diante da população. “A TV soviética tinha um programa estrelado por um espião bonitão da KGB que era um grande sucesso. Vladimir assumiu esse papel na vida real, pois era necessário alguém com aquele perfil para substituir Boris Yeltsin [1931-2007] sem fazer o país colapsar. Ele era o oposto de Yeltsin, que em seus últimos anos estava tão bêbado e maluco que quis se encontrar com Bill Clinton em um submarino próximo a uma ilha deserta”, diz Andrew Weiss.
O especialista, inclusive, defende que a HQ pode ajudar o leitor a entender melhor o panorama global, dos conflitos no leste europeu à influência russa nas eleições norte-americanas. “Um dos temas do livro é a capacidade da Rússia de entrar nas nossas cabeças, gerar narrativas e ideias que todos nós discutimos, e dentro dos parâmetros que eles querem”, diz ele.
“Putin sempre diz que vai fazer ‘todo o possível’ para manter o Ocidente longe, e ele ressalta esse ‘todo o possível’ como uma ameaça nuclear. Com o desenrolar da guerra, é possível que ela avance para o território russo. E aí, como isso vai para o próximo nível? Nós não sabemos. Se você vai a um bar e alguém te incomoda, seu instinto natural é se afastar. Os russos nos intimidam para tentar fazer com que nos afastemos. Mas estamos em um jogo de coragem, em que os dois lados avançam apenas para ver quem recua primeiro. E é impossível saber quem vai fazer isso.”
A guerra na Ucrânia não aparece nas páginas da HQ, que foi finalizada um pouco antes de o conflito explodir. “A obra termina na preparação para a guerra, mas nos dá uma visão bem clara de todas as coisas que levaram a isso”, promete Box Brown. Talvez um volume 2 possa continuar essa história?
Luciano Guaraldo
Editor-chefe da Tangerina. Antes, foi editor do Notícias da TV, onde atuou durante cinco anos. Também passou por Diário de São Paulo e Rede BOM DIA de jornais.
Ver mais conteúdos de Luciano GuaraldoTangerina é um lugar aberto para troca de ideias. Por isso, pra gente é super importante que os comentários sejam respeitosos. Comentários caluniosos, difamatórios, preconceituosos, ofensivos, agressivos, com palavrões, que incitam a violência, discurso de ódio ou contenham links vão ser deletados.
Ainda não tem uma conta?