Montagem com fotos de Noah Schnapp e Marco Pigossi
ENTREVISTA

De Noah Schnapp a Marco Pigossi: Por que se assumir LGBTQIA+ dá medo?

A Tangerina conversou com um psicólogo para entender o que há por trás do receio de atores em revelar sua sexualidade ao mundo

Reprodução/Instagram

Giulianna Muneratto
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A representatividade LGBTQIA+ é cada vez mais crescente: em séries, filmes e até novelas, personagens das mais diversas sexualidades têm ganhado seu espaço na tela e mostrado que o universo é completamente plural. Mesmo assim, celebridades ainda revelam um grande sofrimento para assumirem sua sexualidade ao mundo, além do medo que sentem da reação das pessoas.

Foi o caso de Noah Schnapp, o Will da série Stranger Things, da Netflix. Na última semana, em um vídeo publicado no TikTok, ele contou ao mundo como foi a reação de seus amigos e familiares ao se assumir gay. “Quando eu finalmente contei para meus amigos e minha família que era gay, depois de passar 18 anos com medo no armário, e tudo que eles disseram foi: ‘Nós sabemos’”, escreveu o ator.

O que chama a atenção no relato, além da tranquilidade das pessoas próximas a Schnapp, é que ele sentiu medo ao se descobrir parte da comunidade LGBTQIA+. O ator, porém, não foi o único: Marco Pigossi, Nanda Costa, Demi Lovato, Ludmilla, Diego Hypólito, Raven-Symoné e Frank Ocean são apenas alguns dos nomes conhecidos que já falaram diversas vezes sobre o pavor que sentiram antes de revelarem sua sexualidade.

Sair do armário não é nada fácil –quando os holofotes estão todos apontados para você, então, a situação fica ainda mais complicada. Ataques preconceituosos, rejeição ou estereotipação no trabalho e até mesmo falta de acolhimento são alguns dos motivos que fazem com que celebridades se escondam para buscarem uma espécie de aceitação pública.

Alexandre Bez, psicólogo especialista em relacionamentos pela Universidade de Miami, revela que o medo de se assumir está ligado a uma série de fatores diferentes. “A sexualidade é construída na primeira infância. Mas quando a pessoa tem uma criação religiosa ou uma educação familiar muito rígida, ela não vai conseguir lidar com o momento atual sem vencer o passado”, afirma. “As celebridades ainda têm que lidar com a exposição da mídia, mas a pessoa tem que fazer as pazes com um momento lá atrás, no passado.”

Conflitos internos e externos

Segundo o psicólogo, a sexualidade acaba sendo uma espécie de base da formação pessoal, e não assumi-la pode acabar gerando um sofrimento muito intenso para o indivíduo. Porém, o processo de entendimento pode ser tortuoso para alguns, e para chegar à exposição é necessário dar um passo ainda maior. 

O ator cantor Bruno Gadiol, que fez Malhação: Viva a Diferença (2017), revelou em entrevista à Tangerina que assumir sua sexualidade causava medo, pois acreditava que seria colocado em uma caixinha na qual só seria escalado para papéis em que interpretaria um personagem gay. 

“Acho que foi uma grande vitória eu fazer um personagem hétero e isso não ser um problema. Porque era um medo que eu tinha quando fui me assumir. Eu falei: ‘Cara, eu vou me assumir e aí? Será que não vou mais fazer personagem hétero, não vou mais fazer o galãzinho, o que será que vai ser?’. Eu não sabia. E quando eu fiz o Levi [da série Sintonia] foi tipo: ‘É isso, eu posso fazer e eu vou fazer. Porque não importa a minha vida pessoal. Não importa se eu sou gay, não importa’.” 

O mesmo aconteceu com Colton Haynes, ator da série Teen Wolf (2011-2017) que retorna para o filme que estreia em 27 de janeiro no Paramount+. Em entrevistas, o ator já revelou que foi avisado de que não teria mais o status de galã caso se assumisse gay. 

O psicólogo explica que essa é uma tendência já conhecida em Hollywood. “Contratos milionários intimidam. Quando o cara tem que passar uma imagem de galã por puro marketing, até os estúdios acabam pedindo para que essa pessoa esconda quem é de verdade, e isso pode tirar aquele conforto pessoal dela”, explica Bez. 

“O que eu acho que tem que acontecer é que as pessoas tenham suas sexualidades de maneira natural, não induzida. Você não pode falar para alguém que ela será mulher ou homem. Nossa personalidade começa no feto e fecha aos nove anos de idade, até lá você tem que ter uma vida saudável, sem repressões, sem violências, sem induções, para que sua sexualidade possa fluir ao longo da adolescência e da fase adulta.”

Tempo de conforto

Recentemente, o ator Kit Connor, conhecido por seu papel na série Heartstopper, foi praticamente arrancado do armário pelos fãs da série. Constantemente acusado de queerbaiting, o artista precisou se assumir bissexual publicamente em um momento no qual revelou não se sentir preparado, para que parasse de receber ataques virtuais. 

Kit Connor, porém, não havia alcançado ainda o que Alexandre chama de tempo de conforto. “Para ele, isso pode ter sido extremamente nocivo. O prazo dele foi antecipado, porque há o prazo mental, só que a cronologia pode avançar e você pode nunca se assumir. Se você teve uma formação rochosa nesse sentido, você vai ter muitos problemas em se assumir antes do que você estava preparado. Algumas pessoas entendem que, dessa forma, você estaria ferindo sua infância”, declara. 

Alexandre Bez pontua que, quando obrigada a sair do armário por questões contratuais ou pressão do público, a pessoa pode passar por um estresse psicológico sexual. “O que é extremamente negativo, porque gera transtornos mentais, como ansiedade, depressão ou até um transtorno alimentar e, principalmente, um transtorno de identidade sexual, no qual a pessoa nega a própria sexualidade. Essa pessoa cria uma autorrejeição.” 

Cada um é cada um

É importante ressaltar que o tempo de cada indivíduo é diferente –por isso, algumas celebridades, como Noah Schnapp, assumem sua sexualidade aos 18 anos, enquanto outras, como Ricky Martin, só saem do armário aos 37. Algumas sequer o fazem. “O tempo do outro nunca é igual ao seu próprio tempo emocional”, confirma o psicólogo. “E ele não condiz com a questão cronológica.”

O conforto emocional é fundamental para a questão sexual. Por isso, é necessário sempre ser cuidadoso com si mesmo e com o outro ao abordar questões íntimas e do ego.

“O que vai determinar a gente assumir algum tipo de sexualidade, seja lá qual for, é o conforto emocional. Ele será mais importante do que um contrato cinematográfico ou qualquer outra coisa. Você tem que ser aquilo que você é, respeitando a si mesmo”, aponta.

Alexandre Bez ainda reforça que, por mais que exista o medo de contar ao mundo, não há nada de errado com a sexualidade de ninguém. “Errado é você ser pedófilo, pervertido ou homofóbico”, reforça. “A sexualidade não é uma escolha sua, é algo extremamente normal, não há como correr contra isso.”

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QUEM FEZ

Giulianna Muneratto

Jornalista pela Faculdade Cásper Líbero. Adora um filme clichê, música pop e sonhava em ser cantora de cruzeiro, mas não tem talento pra isso.

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