Acervo Pessoal
Técnica de som direto, Fernanda Starling coleciona parcerias com medalhões da indústria e transmissões ao vivo trabalhosas como o Oscar e MTV Music Awards
Tudo começou com uma fita cassete. No registro analógico que Fernanda Starling guarda desde os dois anos, pôde-se ouvir histórias de infância da avó na fazenda, o irmão mais velho declamando poesias e o avô, que relembra do primeiro Ford americano que adquiriu em 1928. Em algum momento, a mãe dela também a gravou cantando clássicos infantis como Chapeuzinho Vermelho e Atirei o Pau no Gato.
O primeiro contato com o dispositivo portátil, então, se materializou duas décadas depois, quando Starling enxergou um caminho alternativo na indústria musical: a engenharia de som. Embora inicialmente tenha se formado em jornalismo, o contato musical foi onipresente. Paralelamente à faculdade, passou a fazer aulas particulares de contrabaixo na escola de música Pro Music, em Belo Horizonte. O estudo técnico do instrumento a levou a tocar em bandas independentes da capital mineira.
“Foi tocando e convivendo com músicos que comecei a interagir com engenheiros de som ao vivo e em estúdio. [Passei a] ter acesso a equipamentos de áudios profissionais e aos vocabulários usados no meio musical e de áudio”, relembra Starling em entrevista à Tangerina. “Comecei a frequentar ensaios, palcos, bastidores e lugares que antes, eu não tinha acesso”. Segundo ela, a guinada na profissão nunca teria acontecido se não tivesse começado a tocar música e, “provavelmente, se minha mãe nunca tivesse gravado aquela fita cassete”.
Em 2002, conheceu André Cabelo, aclamado engenheiro de áudio e dono do Estúdio Engenho, de Belo Horizonte. O profissional foi responsável por gravar a demo do disco da banda que ela tocava —enquanto se desdobrava na rotina integral como jornalista. Dois anos depois, ele se ofereceu para ser o mentor de Starling. “Em uma dessas noites [de shows], ele mencionou que o estúdio estava com tanta demanda que ele estava pensando em treinar alguém para começar a trabalhar com ele”.
Embora, no começo, existisse uma hesitação por parte dela: “achava que eu nunca poderia viver de música, pois não me encaixava no perfil de músico profissional”, Starling topou a responsabilidade. “Quando ele começou a explicar o que eu ia aprender e como era o dia a dia de trabalho no estúdio, eu senti como se estivesse encontrado o pote de ouro no fim do arco-íris”, relembra. Na época, acreditava que para trabalhar no meio musical, era necessário ter nascido com um “dom” ou ter domínio com os instrumentos desde criança. “Não pensei duas vezes antes de largar minha carreira e agarrar a oportunidade”.
No estúdio, começou gravando músicos e bandas independentes. “Lembro que um dos primeiros álbuns que gravei foi Linha de Estrelas, do Sérgio Pererê. Uma experiência incrível! Quanto talento, criatividade e humildade. Virei fã do Pererê e é um dos meus álbuns preferidos até hoje”, afirma.
As habilidades desenvolvidas no Engenho a levaram a receber uma bolsa para trabalhar como engenheira de áudio na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) entre 2007 e 2009, no Grupo de Pesquisa Resgate da Canção Brasileira. Nele, foi responsável pela gravação e mixagem de mais de 250 músicas clássicas escritas por compositores brasileiros. Os registros inéditos fizeram parte do Selo Minas de Som, lançado em 2009 pelo mesmo projeto.
Em 2010, contudo, deixou o Brasil. Starling mudou-se para Los Angeles para buscar outros certificados musicais, um deles, o de Produção Musical Independente no setor de Extensão da Universidade da Califórnia em LA (UCLA). Sob o clima subtropical, conheceu o produtor musical e engenheiro de áudio Peter Barker. Ele é proprietário da Threshold Sound + Vision, onde ela teve a oportunidade de estagiar.
Sob a alçada do profissional, passou a trabalhar em pós-produção como editora de áudio e assistente de mixagem. Em 2016, ela já havia em seu currículo os projetos de DVD/Blu-ray Finding the Sacred Heart – Live In Philly 1986, de Dio, Keepin’ It Country Tour! de Alan Jackson e Live at the Royal Albert Hall, de Heart.
Fernanda é Pro Tools Recordista da M e B Audio: "[Essa é a] minha 'mesa de trabalho' no caminhão de gravação e mixagem"
Acervo Pessoal
A partir dessas experiências, ela passou, gradualmente, a integrar projetos mais ligados a TV e ao cinema. “A mudança não aconteceu do dia para a noite, mas, de certa forma, aconteceu rapidamente. Encarei como algo necessário. Quanto mais, melhor, especialmente se é dentro da mesma área [o áudio]”.
Ela investiu em seu próprio equipamento de captação de áudio em 2013 e, desde então, está em constante demanda para trabalhar como “production sound mixer” (técnico de som direto, no Brasil) em curtas e longas-metragens independentes, comerciais e vídeos promocionais, streaming e documentários.
Segundo Starling, ela precisou entender cada etapa do trabalho sozinha. Desde quais equipamentos comprar até como arrumar clientes e como é a rotina em um set. “Hoje vejo o quanto foi válido e o quanto a minha autoestima profissional mudou. Você passa a acreditar mais em você mesma”. Em grandes produções de televisão de larga escala, Starling se divide entre seu trabalho como Assistente de Áudio e Pro Tools Recordista ou “Operador de Pro Tools”.
A introdução aos programas de TV ao vivo e outras produções grandes, em que trabalha como Pro Tools recordista, aconteceu por meio do engenheiro de áudio e playback mixer Pablo Munguia, vencedor de sete Emmy Award. “O Pablo foi um dos meus professores na UCLA e devo muito a ele”. “Comecei, como sempre, do zero. Fui como aprendiz e, aos poucos, passei a ser assistente e conhecer outros engenheiros que mais tarde me contrataram também”.
Atualmente, os principais trabalhos de áudio da especialista estão ligados à gravação de música para a TV aberta e Digital. “É como uma vitamina essencial para mim. Acredito que o meu bem-estar está diretamente relacionamento com o meu envolvimento com música, seja ele profissional ou por hobby. Se não estou bem, emocionalmente ou fisicamente, pode ter certeza que é porque está faltando música na minha vida”, enfatiza.
Além das gravações, ela também auxilia outros engenheiros de áudio e técnicos de som em filmes, propagandas, seriados e programas de TV. “Acompanhar a tecnologia e não ter uma rotina fazem da minha profissão algo realmente excitante”, conta.
Nesses novos caminhos, um dos primeiros projetos que esbarrou envolvia artistas como Lady Gaga e The Weeknd. Foi no Oscar de 2016, o primeiro ano da profissional na maior premiação do cinema. Na edição, Gaga fez uma performance de Til It Happens to You, como uma mensagem de apoio às várias vítimas de violência sexual. Embora a aparição tenha sido singela —com apenas um piano e microfone—, Starling estava operando na gravação de som.
Assista a performance de Lady Gaga
A apresentação ocorreu no Oscar de 2016
“Trabalhar em apresentações como o Oscar é extremamente excitante. Você sempre aprende algo novo e o que está por trás de uma mega produção —algo que nunca imaginei que faria parte”.
Desde 2016, ela também presta serviços para a M&B Audio, empresa premiada especializada em gravação e mixagem para transmissões em larga escala. O caminhão de captação remota da M&B lida regularmente com áudio de premiações e apresentações de música ao vivo na TV aberta e streaming, como Grammy Legends Award, iHeartRadio Music Festival e MTV Movie & TV Awards.
Foi ao lado da M&B que ela gravou, por exemplo, a performance de Taylor Swift durante o MTV Movie e o TV Awards 2017. “No começo eu ficava bem ansiosa pela responsabilidade de trabalhar em grandes produções”.
Em 2019, teve a oportunidade de trabalhar na gravação do show do Kanye West (ou Ye) ao lado da equipe da M&B. A apresentação foi no Hollywood Bowl, no evento Kanye West: Nebuchadnezzar – An Opera. Na ocasião, ela foi auxiliar de Eric Schilling, engenheiro de música, e Mark Linnet, co-proprietário da M&B. Ambos colecionam Grammy Awards.
Em 2021, teve o repeteco com o artista. “Voltamos a gravar e mixar o Ye no concerto Free Larry Hoover, que teve Drake como o convidado especial, no Los Angeles Memorial Coliseum”. O show foi transmitido mundialmente ao vivo na plataforma da Amazon Prime. “Imaginável”, relembra.
Recentemente, trabalhou com a M&B em diversas gravações para o especial SiriusXM and Pandora’s Small Stage Series, que inclui apresentações de Ed Sheeran, John Mayer e Avril Lavigne.
“O trabalho varia conforme o tipo de produção e o cargo que eu atuo”, comenta. “Por exemplo, como técnico de som direto, gravando comerciais, vídeos promocionais e documentários, eu trabalho — na maioria das vezes — sozinha, usando meu próprio equipamento”.
As funções e responsabilidades no set de filmagem, contudo, não se limitam apenas à gravação e mixagem. Mas, também, microfonar os artistas, enviar as cópias do áudio para as câmeras e outros aparelhos (chamados “IFBs”) para que a equipe possa ouvir o que está sendo gravado. O técnico de som direto também é responsável por garantir a sincronia entre as imagens capturadas pelas câmeras e o áudio gravado.
Em Strip Down, Rise Up, por exemplo, documentário da Netflix,ela atuou em todas essas etapas. “Já o meu trabalho como Pro Tools Recordista é completamente diferente”. Eu nunca trabalho sozinha. Eu sempre faço parte de uma equipe. No caso da M&B, ela é normalmente formada por quatro pessoas”.
Gravação Documentário Strip Down, Rise Up em Will Rogers State Beach, na Califórnia
Acervo/Marisa Hasper
O grupo fica dividido entre um assistente de áudio, que fica no palco, um operador de pro tools, um engenheiro de áudio e o engenheiro de mixagem, que fica no caminhão. No trabalho de Starling, ela configura e supervisiona dois sistemas de gravação Pro Tools, além de um sistema para gravar “vídeos de referência”.
Ela explica que as gravações normalmente abrangem qualquer número entre 64 até 192 canais de elementos musicais. “Muitos desses projetos apresentam inúmeras apresentações ao vivo com trocas rápidas. Por isso a gravação dos ensaios desempenha um papel crucial”.
Starling continua: “O que você ouve no ar é sempre uma mixagem ao vivo, mas as configurações da mesa de som são preparadas com antecedência pelo engenheiro de mixagem”. Nesse sentido, ela grava as passagens de som e ensaios.
Assim que o artista sai do palco, ela reproduz o áudio e vídeo capturados para que o engenheiro de mixagem possa revisitar as músicas, ajustar a mixagem e criar configurações (as chamadas “snapshots”) para o show ao vivo. “O vídeo serve para que o engenheiro possa ter uma referência de onde os músicos/instrumentos estão no palco”.
Além dos trabalhos junto à M&B, Fernanda conta que tem muito orgulho de já ter feito parte de grandes equipes de áudio responsáveis por: Celebrity Family Feud, com Steve Harvey, MTV Video e Music Awards, The Little Mermaid Live! Oscars e Grease Live!.
“É muito difícil eu ter uma”, explica. Versátil e ágil, Starling tem semanas super dinâmicas. “Um dia estou em Las Vegas gravando o iHeartReadio Music Festival, no outro, estou no deserto gravando o áudio de um filme independente”.
Para ela, o fato de ter se desenvolvido perto de pessoas “criativas e talentosas”, ampliou os horizontes que ela escolheu olhar. “Já teve semana que trabalhei durante cinco dias em quatro projetos diferentes e em diferentes posições. Desde técnica de som direto, assistente de áudio e operadora de Pro Tools”. Starling conclui que, sozinha ou como parte de uma grande equipe de áudio, é fascinante como um trabalho se difere do outro. E isso é o que mais a diverte.
Nicolle Cabral
Antes de ser repórter da Tangerina, Nicolle Cabral passou por Rolling Stone, Revista Noize e Monkeybuzz. Nas horas vagas, banca a masterchef para os amigos, testa maquiagens e cantarola hits do TikTok.
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