Tangerina
Advogado e paratleta, Emerson Damasceno aponta que o capacitismo estrutural 'é uma lógica burra até economicamente, pois afasta milhões de brasileiros'
A notícia de que várias pessoas com deficiência enfrentaram barreiras durante o festival Lollapalooza Brasil, realizado no último final de semana, nos levou ao debate sobre capacitismo e como pessoas com deficiência no Brasil continuam a ser tratadas como subcategoria de cidadãs. Lembro de quando participei de Conferência na ONU, na sede da entidade em Nova York, pouco antes do início da pandemia. O que mais me chamou a atenção ali foi a adequação do local às normas de acessibilidade e inclusão.
Era 2019 e, ao chegar à sede da entidade, que fica na margem do East River, também no leste de Manhattan, já percebia as acessibilidades ao ver tantas pessoas com deficiência utilizando diversos meios para chegar ao local. No momento de minha fala, como membro da Comissão Nacional do Direito da Pessoa com Deficiência do Conselho Federal da OAB, os diversos recursos de acessibilidade estavam disponíveis —audiodescrição, língua de sinais e outros recursos para diversas deficiências.
É regra: em eventos no exterior, sobretudo na América do Norte e Europa, as normas de acessibilidade também são cumpridas, sob pena de punições administrativas ou demandas judiciais.
No Brasil, ainda é exceção, infelizmente, ver pessoas com deficiência como cidadãs e detentoras de direitos. Na regra, nossos corpos não pertencem aos espaços de pessoas sem deficiência. A lógica cruel segue a mesma da exclusão social e demais estruturas de intolerância: pensam que apenas um padrão —irreal, sabemos— é o único que deve usufruir da sociedade e de seus espaços, eventos, programas etc.
É bom salientar que uma sociedade só é justa e evoluída se for para TODAS as pessoas que as compõem. Pessoas com deficiência conseguem ser atingidas ainda mais, por conta de nossa invisibilidade histórica. O capacitismo decorrente disso tudo faz com que a sociedade ache que somos responsáveis por ter que superar algo ruim. Na verdade, a deficiência não é ruim, é apenas uma característica nossa, como pessoas sem deficiência têm as suas.
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Advogado e paratleta fez o painel 'O bem é viral!'
Ruins são as barreiras (arquitetônicas, urbanísticas, de transporte, tecnológicas, atitudinais etc) que fazem com que a dicotomia de exclusão nos faça ser enxergados como “guerreiros” que devem superar a sua deficiência. Ou como “coitadinhos” que precisam de ajuda. A sociedade não percebe que é ela mesma a responsável por eliminar tais barreiras.
Grandes eventos, como o Lollapalooza, são parte dessa engrenagem e historicamente descumprem as normas técnicas e a própria legislação em sua grande parte. Isso leva à exclusão de milhões de brasileiras e brasileiros que poderiam ser consumidores de um ótimo festival de música. Economicamente, até, é uma lógica burra, pois afasta milhões de pessoas em função do capacitismo estrutural.
O caminho é longo, mas respaldades em uma legislação contundente e moderna (felizmente, a nossa é assim), não iremos sossegar até que o viés pela inclusão seja regra, e não uma desafinada exceção.
Até lá, seguiremos lutando.
* Emerson Damasceno é advogado e paratleta. Presidente da Comissão de Defesa da Pessoa com Deficiência da OAB-CE e Coordenador Especial da Pessoa com Deficiência da Prefeitura de Fortaleza. Foi membro da Comissão Nacional do Direito da Pesso com Deficiência do Conselho Federal da OAD de 2019 a 2022. Advogado graduado desde 1996 e pós-graduando em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza. Pessoa com deficiência desde 2014, após um atropelamento durante um treino para mais um Ironman, em 2019 falou na sede da ONU em defesa das pessoas com deficiência.
Luccas Oliveira
Luccas Oliveira é editor de música na Tangerina e assina a coluna Na Grade, um guia sobre os principais shows e festivais que acontecem pelo país. Ex-jornal O Globo, fuçador do rock ao sertanejo e pai de gatos, trocou o Rio por São Paulo para curtir o fervo da noite paulistana.
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