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Paulistano lança Sobre Viver, seu primeiro disco de rap em oito anos, com participações de Milton Nascimento, Liniker, MC Hariel e mais
Com novo disco na praça, Criolo está oficialmente de volta ao rap que o consagrou na música brasileira. O cantor e compositor paulistano lança nesta quinta-feira, às 21h, Sobre Viver, o primeiro trabalho de inéditas no hip hop desde Convoque Seu Buda (2014). Neste intervalo, ele se dedicou a outros projetos, como o disco de samba Espiral da Ilusão, de 2017.
Sobre Viver conta com dez faixas inéditas —curiosamente, os singles Sistema Obtuso, Fellini e Cleane, lançados nos últimos dois anos, não entraram no disco novo. Nele, Criolo olha para dentro e para o redor, versando sobre questões que vão desde a depressão à espetacularização da violência.
O disco novo pode ser considerado, essencialmente, um trabalho de rap, mas vai além —como aconteceu com Nó na Orelha e Convoque seu Buda. A produção assinada pelo duo Tropkillaz passa por vertentes da música brasileira de diferentes momentos e chega ao synthpop internacional da década de 1980.
Abaixo, listamos alguns destaques de Sobre Viver, novo disco de Criolo.
Para Pequenina, a faixa mais autobiográfica de Sobre Viver, Criolo convocou a cantora Liniker, o MC Hariel, o regente Jaques Morelenbaum e a poeta Maria Vilani. Com um detalhe: a última é mãe do rapper.
Na canção do disco novo, Criolo volta a homenagear a irmã Cleane Gomes, vítima da Covid-19, aos 39 anos. Ela é a personagem central do single Cleane, de 2021. Mas Pequenina é, acima de tudo, um tributo à mãe dos dois.
Sobre a presença de Maria, Criolo comentou: “Tem a minha mãe na música, porque tem frases ali que tem que ser ela cantando. Só ela é a dona total do contexto que a canção tenta expressar, então ela tinha que estar ali. E é um jeito de eu ter minha mãe dentro de uma música comigo, uma coisa que nunca tinha acontecido antes”.
A relação entre Criolo e Milton Nascimento não é de hoje. Juntos, eles dividiram o projeto Existe Amor, durante a pandemia, e o rapper paulistano não se priva de citar a idolatria que sente pelo ícone da MPB. Agora, Milton Nascimento está no novo disco de Criolo. Ele dá voz a versos de Me Corta na Boca do Céu, a Morte Não Perde Perdão, sexta faixa de Sobre Viver.
“A honra máxima para qualquer artista no planeta é ter uma poesia sua, um texto seu sendo interpretado pelo Bituca. E isso acontece nesse disco, porque acontece na nossa vida. A gente se conheceu em 2013 e não se desgrudou mais”, relembrou Criolo, que chama Milton, que completa 80 anos em 2022, de “o maior de todos”.
Outro feat. presente em Sobre Viver é o da cantora Mayra Andrade, de Cabo Verde. Ela vai participar do show que Criolo fará no Palco Sunset do Rock in Rio, no dia 3 de setembro. E a dupla antecipou a parceria com a canção Ogum Ogum, cujo tema central é a intolerância religiosa.
“Ela trouxe uma energia espiritual muito linda, muito forte para a música. A gente se falou poucas vezes na vida, mas sempre foi muito incrível”, resumiu Criolo.
Criolo
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Diário do Kaos fala sobre o que nasce de uma sociedade desigual. O que é o fruto da desigualdade? É o medo, é a desesperança, é você achar que tudo está perdido. É você não ver sentido na vida, é você aceitar a ideia do imediatismo, que você tem que ter tudo agora, porque, se não, você não é respeitado. E cada um vai achar seu caminho para isso. Uns podem achar prosperidade e outros podem achar a morte. A música também fala da importância do rap nas nossas vidas. Tem outros temas, mas não quero falar, porque essas ideias só se completam quando chegam no coração de cada pessoa. Cada pessoa vai mandar pra nós o que é essa música. A música está sempre incompleta, ela só se completa quando chega no coração do outro.
O DanDan sempre faz essa reflexão: como é que você luta para ser aceito num mundo que sempre vai te rejeitar? É sem fim essa guerra. Por isso que falo: “Eu vou ganhar dinheiro, mãe, porque é só assim que eles respeitam a gente.” Mas pensar assim não é vitória do sistema? Mas eu vim do bairro que depende do Bom Prato, irmão. E os que nem o Bom Prato tem? Então, todo dia é vitória do sistema. A diferença é que, para vocês, nós temos que ficar só onde nós ficamos. E aí, conversa com a Pretos Ganhando Dinheiro Incomoda Demais. Eu poderia dar outro nome para a canção, mas eu faço questão do título ser o bagulho central, para quando estiver numa rádio, na televisão, a pessoa falar o nome da música. Então, mesmo sem ouvir, o nome da música já abre o debate.
A gente estava assistindo ao Super Bowl e eu vi a apresentação do The Weeknd. E ele fez uma roupagem do disco novo dele todo anos 80, tudo que a gente curtiu desde moleque e isso também é nosso. Então, tá todo mundo conversando. Quando o Tropkillaz trouxe um synth oitentista e a gente usou o kit de bateria da época também, eu disse: É, somos isso aí também, mano.
Esse som, eu tinha pensado que seria um Lo-fi, e acabou que o Tropkillaz fez uma mágica, transformou a música numa outra coisa e trouxe muita força. O refrão apresenta esta ideia: “Moleques são meninos, crianças são também, nascer para ser tratado bem.” Porque, infelizmente, filho de rico é tratado como criança, filho de pobre é tratado como lixo. É sobre como a crueldade vai visitando cada vez mais cedo nossas crianças, como nós vamos perdendo a juventude do país. É sobre como morre a infância no Brasil por causa do descaso social, do abandono, onde se tem soldados do medo.
Criolo
Divulgação/Helder Fruteira
Tem uma prece também, um pedido de licença, um pedido de bênção. Um relembrar a fé, relembrar a força da fé do povo brasileiro que está em Ogum Ogum, com participação da Mayra Andrade. Ela trouxe uma energia espiritual muito linda, muito forte para a música. A gente se falou poucas vezes na vida, mas sempre foi muito incrível. A gente teve uma reaproximação recente, por causa do trabalho, a canção já estava se encaminhando e veio a ideia de apresentar para ela. Ela gostou muito da música e colou junto, deixou a energia maravilhosa dela lá.
Essa música é uma prece e um grito de desabafo. É um chamado de atenção para temas que as pessoas só falam quando está na moda ou quando convém falar. Que é a perseguição que acontece no Brasil, as mortes que acontecem por causa da perseguição religiosa. As religiões de matriz africana estão sendo perseguidas, as pessoas estão sendo assassinadas, suas casas de oração e de obras sociais estão sendo demolidas e ninguém fala nada. Aliás, todas as questões raciais, quando tem um outro interesse, o pessoal gosta de falar para fortalecer a caminhada deles, e depois esquecem.
Ogum Ogum fala da fé do nosso povo, da beleza, da cultura, das religiões de matriz africana e todos os seus porquês. Fala de tudo aquilo que traz de resgate da nossa ancestralidade, mas também fala da perseguição que acontece e que poucos falam.
Sétimo Templário fala de uma ordem antiga, não dos templários, mais antiga, que talvez antecede todo o pensamento de usar poder político para devastar territórios. É sobre como ainda hoje, no mundo contemporâneo ultra pós-moderno, temos linhas muito antigas de como lidar com civilizações ao redor do mundo, sendo apenas títeres. Os que estão aí são apenas títeres, bonecos nas mãos de outras pessoas que falam como o planeta tem que estar. Muito se apresenta sobre as peças do tabuleiro, mas ninguém vai saber quem é o dono ou quem inventou do tabuleiro desse jogo.
Então, tem muito do porquê de mudar a frequência global. Onde esses extremos nos levam? E por que toda essa massa humana se encontra em desengano? Como usufruir disso, do medo? O medo é a ferramenta fundamental de várias coisas que regem o planeta. Vai para além do texto escrito. E quem está aí, está porque tem que estar, mas não é tudo isso. É apenas um boneco sendo utilizado por uma força muito maior.
Essa música vinha na minha cabeça de um jeito que resultou nessa produção que deságua muito perto da pedra fundamental de como a canção nasceu. E, mais uma vez, trabalhei rodeado de grandes músicos, que fizeram arranjos incríveis, além desse dia a dia de trabalho com o Tropkillaz também, que deram suporte para isso acontecer.
A honra máxima para qualquer artista no planeta é ter uma poesia sua, um texto seu sendo interpretado pelo Bituca. E isso acontece nesse disco, porque acontece na nossa vida. A gente se conheceu em 2013 e não se desgrudou mais. Essa letra é muito forte “Me corte na boca do céu, a morte não pede perdão. É o tambor desse destino oblíquo na palma da mão” É o tambor onde você põe as balas, talvez. É o tambor da arma, que faz com que sua vida fique pequena ou que você abrevie seu tempo, sua passagem neste plano terreno.
Criolo e Milton Nascimento no projeto Existe Amor
Divulgação/Fred Siewerdt
“Eu ouvi a música agora, gostei muito e quero gravar. Um beijão.” – Milton Nascimento em áudio enviado para Criolo.
“É o maior de todos, mano. Ele faz uma coisa dessa, ele dá um presente que não é só meu, é de todo mundo que acredita em mim. É um presente para todas as pessoas envolvidas desde sempre, desde que eu pedi para cantar numa festa de doação de roupa e comida, até hoje, agora, falando desse álbum maravilhoso chamado ‘Sobre Viver’. É um presente para todos nós, para o rap nacional, para quem desacreditou do rap nacional.” – Criolo reagindo à participação de Milton Nascimento no álbum.
E mais uma vez a gente recorre a nossa fé, exalta o que a gente tem de lindo, essa beleza que se expressa em fraternidade, calor humano, num sorriso no meio do caos, alguém estendendo a mão. Às vezes, a pessoa que perdeu tudo oferece um abraço, um sorriso. A fé do povo brasileiro é inabalável e isso tem que ser respeitado, isso é pedra fundamental que mantém a gente de pé, vivo, no foco da busca do sonho. Para muitos a busca do sonho é algo mirabolante, gigante, ligado a coisas materiais, para outros, é sobreviver a mais um dia. No Brasil é assim, começa o dia, mas você não sabe se termina com ele, ou se ele termina com você.
Pequenina é aquele rap nosso de cada dia, mas pensando muito bem em quem seriam as pessoas a dar força para esse texto, para esse desabafo, para dividir com as pessoas do melhor jeito possível.
Ter a Liniker, expressão máxima de pureza na arte musical, de se esparramar toda, de fazer com que todos beijem seu coração quando está no palco, é uma honra muito grande para mim. E que honra foi quando eu mostrei o som para ela, que é uma música especial que fala muito da minha mãe. É como se você estivesse na nossa cozinha trocando ideia em 1982 naquele barraco no Jardim das Imbuias. Ela poder participar desse disco muito me honrou. O Hariel participa comigo também da faixa, que é um MC e escritor extraordinário. Conheci ele há muito tempo, a gente trocou ideia e ele é de uma humildade extrema. Estourado agora, mas com a mesma humildade de 7 anos atrás, o mesmo sentimento, o mesmo carinho, o mesmo jeito de tratar as pessoas. Não é por acaso ele estar ali.
Tem a minha mãe na música, porque tem frases ali que tem que ser ela cantando. Só ela é a dona total do contexto que a canção tenta expressar, então ela tinha que estar ali. E é um jeito de eu ter minha mãe dentro de uma música comigo, uma coisa que nunca tinha acontecido antes. Para mim é muito importante minha mãe estar nesse disco, porque ela está em tudo, lógico, e não dá para separar a família do que você está fazendo.
Essa música fala da solidão da minha mãe e da revolta de crescer passando fome e de viver num sistema que, se não tiver dinheiro, vai morrer de fome.
E o arranjo é do Jaques Morelenbaum. A gente ligou para ele e explicou o porquê da música, por que a letra é tão importante para mim, e ele fez um arranjo cabuloso. E é muito louco, porque todas essas energias de histórias diferentes têm algo em comum: um acreditar na música, na força da música, de viver disso e com isso. E com jeito muito singelo e tradicional dos anos 90 de se pensar em como construir um rap.
O título é Quem Planta Amor Aqui Vai Morrer, talvez seja autoexplicativo até.
Essa aí é… ai, Meu Pai do Céu. “E quem atira não tinha nada a ver com quem caía, quem sorri era só uma ovelha assassina, um segredo que você não guardaria. Aonde a mágoa faz morada, a gente morre todo dia.” Tem várias paradas aí também.
Luccas Oliveira
Luccas Oliveira é editor de música na Tangerina e assina a coluna Na Grade, um guia sobre os principais shows e festivais que acontecem pelo país. Ex-jornal O Globo, fuçador do rock ao sertanejo e pai de gatos, trocou o Rio por São Paulo para curtir o fervo da noite paulistana.
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