Reprodução/Arquivo Nacional
No dia do aniversário do mestre da MPB, a Tangerina reuniu cinco álbuns impecáveis que resumem a trajetória —e importância— do cantor carioca na música brasileira
Nesta terça-feira, 22 de março, Jorge Ben Jor comemora mais um ano de vida. Mas quantos, exatamente? A informação exata é um grande mistério até para os mais ávidos pesquisadores da vida do mestre. Alguns registros do músico apontavam que ele teria nascido em 1945. Ou seja, nesta terça, ele estaria celebrando 77 anos. Assim, teria lançado seu primeiro disco, Samba Esquema Novo com apenas 18 anos.
Mas Kamille Viola, autora do livro sobre o disco África Brasil, enfim, cessou os boatos ao encontrar um documento com o que seria o verdadeiro ano de nascimento do músico: 1939. Pelas contas, Ben Jor tem, então, 83 anos. Agora que temos isso (mais ou menos) esclarecido, a Tangerina preparou uma lista especial para quem está chegando agora na grandiosa obra do músico carioca.
Veja uma seleção com cinco discos fundamentais da carreira do artista para você conhecer e celebrar um dos maiores nomes da música brasileira.
No início dos anos 1960, a música brasileira fervia em criatividade. As coisas haviam mudado bastante desde que o mestre João Gilberto pegou no violão e gravou o clássico Chega de Saudade (1958). Junto a ele, Tom Jobim e Vinicius de Moraes viviam a brisa macia de Garota de Ipanema (1962) e a Jovem Guarda de Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Wanderléa aderiam à fórmula mais pop com Splish Splash (1963).
Entre esses agitos, havia um espaço, que, por sorte, foi preenchido por Jorge Ben —antes de adotar o Jor. É nesse contexto que chega seu disco de estreia: Samba Esquema Novo. Cheio de batidas dançantes e mudanças de ritmos mais desafiadoras para a época, o registro não entrava na etiqueta da bossa-nova e nem do rock’n’roll. E, talvez por isso, cheirava a frescor. Sambalanço e samba jazz talvez façam mais jus ao ritmo farejado pelo produtor Armando Pittigliani, responsável por introduzir o artista à indústria fonográfica.
Para a primeira tiragem, 100 mil cópias foram colocadas à venda —e esgotaram nas lojas. Ali, Jorge Ben saía da figura de um completo desconhecido para se tornar um dos nomes mais notáveis da música brasileira. Mas que Nada, Tim Dom Dom, Balança Perna e Vem Morena, Vem são algumas das canções que mais representam o disco e também bombaram na época.
Em Samba Esquema Novo, Jorge Ben apresentou o seu dedilhado marcante, que bebeu do samba jazz, e esse foi o tom também dos discos posteriores (Ben É Samba Bom, 1964, Sacudin Ben Samba, 1964, e Big Ben, 1965). Em 1967, contudo, o artista resolveu experimentar alguns elementos da Jovem Guarda e, assim, lançou O Bidú: Silêncio no Brooklin. A produção do disco foi de Roberto Cortê-Real, The Fevers e contou com uma parceria de Erasmo Carlos em Menina Gata Augusta. Isso foi o suficiente para ele absorver outras técnicas, ritmos e sons. O registro pode ser considerado como uma transição do artista, entre a fase samba jazz e a samba rock, presente em Jorge Ben, de 1969.
Essa mudança do artista possibilitou um encontro com o Trio Mocotó, formado por Fritz Escovão (cuíca), Nereu Gargalo (pandeiro) e Joãozinho Parahyba (timba). Os músicos foram parceiros fundamentais do artista e deram um novo tom rítmico a Jorge Ben, o tal do samba rock. Nos arranjos, o disco contou com José Briamonte e Rogério Duprat, mestre criativo da Tropicália. A capa do disco, que também remete ao movimento e se tornou um clássico, é de Albery, pintor e artista plástico ativo nessa época de efervescência cultural brasileira. O suingue do disco ficou também marcado pelas irresistíveis Take It Easy My Brother Charles, Descobri Que Sou Um Anjo e Que Pena (Ela Já Não Gosta Mais De Mim).
Desde que se lançou, Jorge Ben vivia a música brasileira ao lado de grandes: Tim Maia, Caetano Veloso, Paulinho da Viola e Gilberto Gil. Mas, dez anos após o primeiro disco, o músico carioca já tinha uma coletânea intitulada de Dez Anos Depois, o que o consagrava como um artista de alto patamar e ótimo sucesso comercial. Em 1974, porém, a produção desse grupo de artistas estava sendo afetada. Afinal, a censura da ditadura militar tentava manter todos na linha e, para isso, controlava qualquer letra mais politizada. Essa, portanto, foi a deixa para alguns artistas rumarem outros caminhos —e mais místicos.
Para citar exemplos, além de Ben Jor, foi nesse ano que Tim Maia gravou Tim Maia Racional, Vol. 1, primeiro disco da Era Racional. O registro acabou sendo lançado no ano seguinte, mas respirou em 1974. Raul Seixas aproveitou para lançar Gita. Mas a indústria musical também pesou a mão na época, já que todas essas novas inquietações pareciam muito ousadas para chegar às lojas. E os grandões só estavam interessados em vender milhões de cópias dos LPs.
Jorge Ben, embora tenha sido vetado pela Philips, teve o apoio de André Midani, o gerente da gravadora. Juntos, eles apostaram na proposta de Tábua de Esmeralda, disco filosófico, psicodélico e um tanto místico. À primeira vista, esses adjetivos podem causar estranhamento, mas todo o trabalho de composição e rítmica tem uma proposta acessível e… pop. Assim, todo mundo canta todas as canções, sem nem precisar se aprofundar sobre os tópicos.
Mas na obra-prima, Ben Jor cita figurões, como o químico e alquimista Paracelso, em O Homem da Gravata Florida. Em Errare Humanum Est, ele lista ensinamentos de Santo Agostinho. Enquanto em Menina Mulher da Pele Preta, ele volta para o conforto do samba, onde começou. Esse é um dos discos mais aclamados do artista.
No terceiro disco da tríade —composta por A Tábua de Esmeralda (1974), Solta o Pavão (1975) e África Brasil (1976)—, Ben Jor mostra uma mudança importante em sua musicalidade. No álbum, ele trocava o violão pela guitarra. No livro África Brasil: Um Dia Jorge Ben Voou Para Toda Gente Ver, Kamille Viola aponta que a mudança veio pela influência do baixista dos Novos Baianos, Dadi.
Em Solta o Pavão, o artista já tinha plugado o violão em um amplificador, mas só no disco seguinte que ele passou a usar o instrumento comprado pelo baixista. Isso, portanto, ofereceu outra perspectiva sonora para Ben Jor e fez com que ele se tornasse peça fundamental no nascimento de outros gêneros da música brasileira, especialmente do rap nacional. No livro da pesquisadora, Marcelo D2, Mano Brown e BNegão discorrem sobre a importância do imaginário negro criado pelo artista em suas canções.
O 14º disco da carreira de Ben Jor contou com a admirável banda formada por Dadi (baixo), Gustavo Schroeter (bateria), Joãozinho da Percussão e João Vandaluz (piano). Na época, ele contou com o auxílio de 15 músicos de apoio e sete vocalistas. Era a superbanda do Ben. Sonoramente falando, o registro também marca um ponto interessante da influência da música africana na sonoridade brasileira, que vai do forró, baião ao funk e o blues. São quarenta minutos de pura história.
O álbum ao vivo marca o ano que o artista mudou de nome, agora como Jorge Benjor. No disco duplo, ele trouxe todos os hits em versões refrescantes, muito bem acompanhado pela Banda do Zé Pretinho. O álbum serviu como uma espécie de redescoberta da obra de Ben Jor, dando novo fôlego a canções como Fio Maravilha, Ive Brussel, País Tropical e Que Maravilha.
O registro reúne gravações dos quatro dias de shows do artista no Jazzmania, no Rio de Janeiro. Live in Rio também traz o sucesso absoluto dos anos 1990, W/Brasil (Chama o Síndico). A faixa foi inspirada na sonoridade do Tim Maia. O disco é um ótimo conjunto de sucessos da carreira do artista e desce bem como um refresco para quem é fã —ou quem não conhece tanto a obra de Jorge Ben.
Nicolle Cabral
Antes de ser repórter da Tangerina, Nicolle Cabral passou por Rolling Stone, Revista Noize e Monkeybuzz. Nas horas vagas, banca a masterchef para os amigos, testa maquiagens e cantarola hits do TikTok.
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