MÚSICA

Maellen vive sonho de ser uma artista enquanto conscientiza jovens

Divulgação/Arthur Rodrigues

Entrevista

Quem é Maellen, estrela do Free Fire que agora quer brilhar na música

Jogadora profissional do game, a artista se lança na carreira musical com o novo disco Meu Estilo É Livre, além de dividir o tempo para inspirar a nova geração que a acompanha

Nicolle Cabral
Nicolle Cabral

Fã de Anitta, Maellen se inspira na garra da musa do pop para atingir seus próprios objetivos. Aos 25 anos, ela carrega a marca de ser a primeira mulher a disputar a final da Free Fire Pro League, além de ser cantora, streamer e mãe. No meio da rotina avassaladora, quase não sobra tempo para cuidar de si mesma. Maellen lamenta por isso. No entanto, segue firme com a ideia de que vive o próprio sonho, após ter passado a vida sendo desacreditada por outras pessoas.

Maellen usa da própria persistência e do apoio da comunidade do Free Fire para conscientizar os jovens a viverem uma vida sem preconceitos e fiéis aos desejos que os movem. Afinal, foi assim que ela construiu o próprio império. Expulsa de casa aos 18 anos, após se assumir como parte da comunidade LGTBQIA+, ela precisou tomar as rédeas da própria vida e se estabelecer financeiramente. E teve que interromper o curso de Gestão Financeira para dar conta dos horários de trabalho.

Maellen trocou emprego em banco pelo Free Fire

No entanto, um passatempo no meio dessa rotina acabou ganhando um espaço maior. Para ser mais exata, 15 horas diárias. O Free Fire, que era apenas um escape divertido, virou o principal recurso financeiro da jogadora. O sucesso a fez abandonar o emprego em um banco. Agora, Maellen vive rodeada por um 1,7 milhão de seguidores no Instagram, 37,3 mil na Twitch e, na mais nova faceta, a musical, esbanja 123 mil ouvintes mensais no Spotify.

No último dia 7, a influenciadora retomou um sonho de infância ao lançar o primeiro disco da carreira: Meu Estilo É Livre. Em parceria com Dalto Max, MC Caverinha, Vulgo FK, MC Mari, Pelé MilFlows e PK, a artista se projeta no trap, funk e pop em oito faixas.

As composições, todas autorais, narram as histórias da vida de Maellen e a liberdade de ser quem é e fazer o que tem vontade. Mensagens que ela constantemente alimenta na comunidade que a segue.

A fim de entender como funciona a rotina de artista e jogadora, a Tangerina bateu um papo com Maellen sobre o mais novo projeto, ambições, responsabilidades e desejos do futuro. Leia a entrevista na íntegra a seguir:

O que veio primeiro na sua vida? Os jogos ou a música? 

A música, né? Tenho um sonho desde a infância. Não falo desde pequena, porque pequena sou desde sempre, não passei dos 1,50m [risos]. Mas música sempre esteve presente e os meus pais sempre me apoiaram. Só que eu não tinha recurso, na época, não tinha estrutura. Eu cantava muito Calypso no karaokê, e minha mãe dizia que eu precisava aprender a dançar, então acabei aprendendo a cantar e dançar ao mesmo tempo [risos]. Eu sempre ouvi muito Raça Negra, meus pais gostavam muito. Falamansa também. Sempre fui uma criança que eu ouvia tudo, dançava de tudo, cantava de tudo. Até aquilo que minha mãe não deixava, né? Que não era pra ouvir dentro de casa… Mas a gente acaba ouvindo [risos]. 

Quando começou para valer?

Em 2014, quando eu comecei a lançar as minhas primeiras músicas do jeito que dava. Fui investir na carreira de MC e eu tinha um amigo meu que era DJ. Ele fez uma música minha ficar do jeito que eu gosto e aí fui brincando até dar certo. A galera foi abraçando, dizendo para eu confiar, mesmo não sendo nada. Só que acabei parando por vários motivos da minha vida pessoal, especialmente da minha orientação sexual, quando me assumi. Por todas as barreiras que eu tive que enfrentar e momentos que passei, tive que deixar de lado o sonho. 

E o Free Fire?

Foi nesse momento que veio o game, que sempre fui apaixonada. Sempre fui muito moleca, muito inquieta, então, eu sempre tinha que estar fazendo alguma coisa e o jogo me deixava focada. Caí um pouco de paraquedas, né, [no videogame] porque começou como um hobby. Comecei a jogar brincando, em intervalos de trabalho, nos horários de lazer. E aí foi quando me escrevi para jogar na liga profissional de Free Fire, a primeira Pro League, em 2019. E fui me classificando até chegar como finalista, no quinto lugar do Brasil. E comecei a viver disso. Lembro de quando passei a comprar os equipamentos, eu precisava parcelar tudo, porque não tinha condição de pagar sem ter um contrato. Mas aí fui me apaixonado e levando tão a fundo que deu no que deu, e tô aí, no mundo do Free Fire. Agora, que estou estabilizada, fui voltar à música. Em 2021, voltei a compor e escrevi esse projeto maravilhoso. Vamos ver se vai dar certo. 

Como foi revistar a sua carreira musical, que você precisou congelar? 

A ficha não caiu, né? Porque foi tudo muito rápido. No sentido que eu não esperava que ia dar tudo tão certo, que tudo se conectaria tão rápido. Gravadora, agência, produtor musical… Parecia que era a hora, era o momento. Tudo estava encaminhado para dar certo. Então, só foi. Mas só o fato de eu ter começado com alguém acreditando no meu projeto, no meu sonho, já foi o suficiente para me fazer acreditar e não desistir. 

Maellen e PK posam para o single Meu Estilo É Livre

Assista ao clipe de Meu Estilo É Livre

A faixa conta com a pareceria de PK

Então, o game era um hobby, que acabou virando uma profissão. Como você lidou com essa transição? 

Acho que quando fazemos aquilo de coração, nem vemos como um trabalho, né? Não pensamos em dinheiro, mas, sim, no próximo, pensamos em agradar quem está nos assistindo. Porque sabemos que tem uma pessoa que está ali do outro lado da tela por você, que dedica o tempo livre dela para poder te assistir, te dar atenção, ouvir conselhos, aprender a jogar. Então, eu sabia que daria nisso, eu só não tinha noção do que ia se tornar. Eu só fui levando. Só fui fazendo com muito amor, com muita dedicação, porque era aquilo que eu queria viver. E aí quando você faz de coração, as coisas acontecem e voltam para você. Tudo o que você planta, você colhe. 

Então, eu olho esse amor, essa galera, toda essa comunidade incrível que a do Free Fire é, essa galera de 13 a 20 anos, que me abraçou, e não tenho nem como explicar ou agradecer. 

Houve algum momento que foi difícil para você encarar essa questão como algo profissional? Como é aqueles dias que você não está se sentindo bem, mas precisa estar presente? 

Tem dia que a gente não está a fim de abrir a webcam, de falar com ninguém. Todos nós temos o nosso momento de ficar na nossa paz, no nosso cantinho. Mas temos uma obrigação, existe um contrato, né? Então, a gente tem que fazer para poder declarar as horas que são trabalhadas. Mas é aquilo, tenho que pensar nas pessoas que estão esperando por mim para o dia delas ficar um pouco melhor. Tem gente que está me esperando para poder esquecer dos problemas em casa naquele momento, então, eu tenho que pensar por esse lado. Eu sei que o meu cansaço é grande. Às vezes, eu penso: “não quero abrir, não tô a fim”. Mas, poxa, tem uma galera esperando por mim, tem uma galera querendo me assistir. Tem quem está só me esperando abrir a live para receber um “oi”, um “tudo bem” ou um “como é que está a vida?”. Então, é aquilo, tomo um banho, pego uma água, algo pra comer e faço. Quando a gente abre a webcam, esquece tudo. A tristeza passa, acaba tudo aqui fora e a gente só foca em quem está do outro lado da tela. 

Você acredita que esses dois universos se relacionam? Se sim, por quê? E como? 

Acho que os dois se relacionam por ser um lazer, né? Ser um momento de diversão, de se distrair. Então, para mim, [ouvir música ou jogar] é a hora de esquecer algum problema. Quando ouço música, boto o meu fone e fico viajando. Ou quando estou naquela “bad”… A música faz com que a gente sinta um mix de sentimentos e, dependendo de qual é, a gente mergulha naquilo como se fosse algo que estivéssemos passando. 

E agora? Como você concilia a sua rotina de jogos e produção musical? 

Até hoje, eu não sei [risos]. Aqui não tem tempo pra nada, mas não pode ter corpo mole. Eu fiquei doentinha esses tempos, foi uma emergência, e, no outro dia, eu já estava criando conteúdo para o TikTok. O médico me deu dois dias de repouso e “sem estresse”. Falei para ele, “Doutor, quem é autônomo não tem essa não. Descansar é só quando a gente morrer” [risos]. Se eu não faço, atrasa tudo do cronograma, e aí já vira para a outra semana. Eu sei que tem que ter um momento para gente dar uma respirada, para descansar, cuidar da saúde, mas eu não tenho esse tempo. Estou cuidando da saúde, mas é um bolo. Não sei como faço para organizar.

Você tem uma equipe que te ajuda?

Sim. Acho que se não fosse minha equipe, se não fosse essa galera toda por trás me dando todo apoio, assistência e ajuda, eu não sei o que seria de mim. Aqui está só o corpo, porque a alma já foi para outro lugar [risos]. Mas acho que quando a gente quer uma coisa e fica muito dedicada naquilo que sonhamos, as coisas acontecem. Então, acho que o segredo é não desistir e ter força para sempre continuar a levantar e lembrar porque você começou. Porque se você lembra do motivo pelo qual você começou, você não desiste. 

E como foi para a galera que te conheceu jogando ver que agora você está investindo em uma carreira musical? Eles ficaram preocupados? 

Alguns, sim. Falaram que eu ia parar de fazer live e eu fiquei: “Calma, gente”. Isso, com o tempo, vai se harmonizando. Só se a Maellen explodir da noite pro dia [na música] e aí não ter mais tempo de fazer live. Mas eu falei para eles que, agora, fazendo show, eu vou estar mais perto deles. Falei “vocês vão poder me ver, ter mais contato comigo além da tela do computador”. E aí eles entenderam. Começaram a pensar que realmente é verdade, e que seja lá qual for o meu sonho, que eles me apoiariam. Muitos já sabiam, também, que eu era MC. Quando eu comecei no Free Fire, meu user era MC Maellen. Eu não era estourada, conhecida, mas todo mundo sabia que eu tinha um pé no mundo musical e que sempre foi o meu sonho. E agora é legal eu estar retomando para ele. 

Agora, me conta um pouquinho sobre o disco. Como foi transformar a sua trajetória em uma faixa (Minha História)? 

Foi complicado. Me deu muito gatilho. Tive que relembrar de como foi o começo, que ninguém acreditava, confiava ou de quando falavam que era só um joguinho. Que eu era maluca de trancar a faculdade, louca por largar o meu emprego fixo, que eu estava fazendo a maior burrada da minha vida. Então, quando eu comecei a escrever, me veio muito gatilho, que, inclusive, eu tinha que por ali, para explicar resumidamente as dificuldades que eu enfrentei. 

Mas mostrar para eles também que teve uma vitória, que deu certo, que eu alcancei tudo aquilo que eu almejava, pelo simples fato de acreditar. Então, é sobre acreditar em si mesmo, porque a gente não pode esperar que alguém acredite na gente. Eu tenho que acreditar em mim, no meu potencial, porque se não, não chegamos a lugar nenhum. O que mais tem é gente criticando, dizendo que é fácil. “Foi sorte”, para eles, é só fazer uma musiquinha “assim e assado” que vira sucesso. Mas não é assim. Ter uma carreira requer muita disposição, muita atenção. Nada vem de mão beijada. As pessoas veem os nossos dias de glória, mas os dias de luta existem. Então, Minha História foi praticamente para mostrar para a galera que me assiste no game que não foi fácil, mas que com a minha insistência, com a minha dedicação, eu consegui calar a boca de muita gente que falava que não ia dar em nada. Eu escrevia, chorava, gravava, chorava. Mas não era choro de tristeza, era de emoção, de realização. Eu aproveito esses sentimentos.

Você tem a Anitta como sua principal inspiração, né? Me conta o por que ela te cativa? 

O profissionalismo dela, a garra, a determinação que ela tem e no que ela faz. Ela conseguiu fazer o que nenhuma mulher conseguiu. E temos que nos inspirar nessa garra, porque ela mostrou que a gente pode. Ela só foi uma luz para mostrar a direção, falar que todos nós conseguimos, que todos nós podemos. O que aquela mulher fez, os idiomas que ela começou a falar para poder fazer uma carreira internacional com todo mundo criticando… Caraca. É a maior prova viva que a gente pode por gás em qualquer coisa e continuar.

Por falar nessa dificuldade de adentrar nos espaços, como você se sente sendo uma jogadora profissional em constante contato com as barreiras da indústria? 

Muito difícil. Ainda mais no game, porque é um público mais novo, de 13, 14 anos. Às vezes, até mais novo. É difícil, porque eu também me sinto com uma obrigação, um dever de educar, de passar para eles que eles precisam ter respeito por mim, por qualquer ser humano. Então, eu tento falar para a galera que está passando um tempo comigo que eles precisam respeitar o próximo, porque eles são a nova geração. Me sinto no dever de ensinar que não se deve fazer bullying com ninguém, que não pode ter tolerância com preconceito, que todo mundo precisa se respeitar. Tento sempre mostrar o lado bom, porque, às vezes, o pai ou a mãe em casa não ensinam essas coisas. Às vezes, eles são homofóbicos ou preconceituosos, mas não é só porque eles são que os filhos precisam ser. 

E o que você faz, neste sentido?

Gosto de estimular essa consciência. “Ah, gosto muito da Maellen e ela fala que tem que respeitar o próximo, mas em casa eu não escuto isso. Mas, se eu vejo, eu posso espalhar isso para fora, para o mundo”. Muitos me mandam mensagem, conversam comigo porque querem se assumir e a mãe ou o pai não aceitam. E aí, eu tenho toda uma conversa… Muitos querem sair de casa e eu falo que primeiro precisa conquistar uma independência financeira. Porque eu sei o quanto é ruim querer ser o que somos…. A gente só está amando o próximo, está fazendo o bem. Mas somos condenados, humilhados. Então, eu falo que sei o quanto é triste, que é chato, doloroso ser aquilo que a gente “não pode ser”, peço para aguentar mais um pouquinho, que daqui a pouco acaba o estudo, arruma um emprego, tenta morar com um amigo que também quer independência. Mas precisa ter calma. 

Maellen em fotos de divulgação para Meu Estilo É Livre, primeiro disco da carreira

Antes de virar estrela do Free Fire, a cantora já rascunhava algumas composições

Divulgação/Arthur Rodrigues

Como foi sua experiência pessoal com o preconceito?

Fui expulsa de casa com 18 anos, sofri demais, foi muito difícil, ninguém dava atenção, minha família inteira virou as costas, amizades, então… posso contar nos dedos as pessoas que estavam do meu lado e me apoiaram. Nessas horas, ninguém aparece.  

Então, eu falo para quem me segue ter consciência. Muitos também falam: “Não quero estudar, minha mãe é chata, quer que eu faça x ou y. Mas quero jogar Free Fire, quero viver disso e minha mãe não entende”. E eu falo que eles não vão entender mesmo, é um universo novo, eles não sabem que isso é uma profissão, que dá futuro, que você pode ajudar a sua família, que dá pra viver disso. Mas precisa estudar. “Estuda primeiro, ajuda a mãe em casa. Quando você tiver um tempo online, vem me ver”. Sempre falo que não queria ninguém assistindo minha live enquanto tem mãe pedindo para arrumar o quarto. Quero todo mundo fazendo as coisas. Então acho que eu tenho esse lado de educar, conscientizar. Qualquer influenciador, artista, cantor, qualquer um que tenha voz na rede social ou na televisão, precisa ter o mínimo de senso. O que eu puder fazer de melhor para o mundo, para quando eu for embora, eu ter feito a minha parte, está bom demais. 

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Antes de ser repórter da Tangerina, Nicolle Cabral passou por Rolling Stone, Revista Noize e Monkeybuzz. Nas horas vagas, banca a masterchef para os amigos, testa maquiagens e cantarola hits do TikTok.

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