MÚSICA

A cantora Negra Li em foto promocional

Divulgação/Rodolfo Magalhães

CRENTE NA MÚSICA

Inspiração de Vai na Fé, Negra Li mira o pai para combater preconceito

História da rapper que concilia música com religião inspirou Rosane Svartman a criar a história de Sol, vivida por Sheron Menezzes

Luciano Guaraldo

Além de interpretar Vai Dar Certo, tema de abertura da novela Vai na Fé, Negra Li também serviu de inspiração para a autora Rosane Svartman criar a personagem Sol (Sheron Menezzes), mulher evangélica que desperta olhares tortos na igreja quando começa a cantar “músicas seculares” –como são chamadas as canções não relacionadas à religião. Assim como a personagem fictícia, a rapper também ouviu muitos comentários negativos sobre suas escolhas profissionais, mas usou uma tragédia do pai como exemplo para não se deixar abalar.

“Meu pai, que morreu em 1999, era músico da igreja, tocava sax lá, mas desistiu de ir para a igreja e parou de tocar por conta de alguns comentários maldosos. Uma vez ele foi visto no bar antes de ir para um ensaio e, quando chegou para ensaiar, falaram na cara dele: ‘É, eu vi o fulano bebendo cerveja’. Ele se sentiu envergonhado, chateado, vendeu o instrumento e nunca mais voltou para a igreja. Morreu sem ter retornado. Então, eu já tinha esse testemunho na minha vida, esse exemplo”, lembra Negra em conversa exclusiva com a Tangerina.

“Como já tinha visto esse tipo de coisa acontecer com meu pai, eu sabia que isso podia acontecer comigo também, mas decidi que não ia me deixar abalar. Hoje, felizmente, eu sou uma pessoa que frequenta a igreja, só que eu vou lá, ouço a palavra e vou embora. Sei separar muito bem as coisas, mas não fico livre dos comentários. Nunca falaram nada na minha frente, mas já vieram me contar ou postaram nas minhas redes sociais… Coisas do tipo: ‘Mas como você é da congregação, se diz crente e faz isso?’ ou ‘Já existem não sei quantos hinos no hinário, você não precisa cantar música do mundo’. Quando eu posto foto de biquíni, então (risos)…”, diverte-se a rapper.

Negra afirma que não se abala mais com esse tipo de preconceito. “Eu vi acontecer com meu pai e falei: ‘Isso não vai acontecer comigo também’. Eu tenho para mim que meu pai precisou sofrer para que eu pudesse entender hoje que aquilo não me define e que eu preciso ouvir a voz de Deus, não a voz das outras pessoas que são tão errantes quanto eu. Já desisti em alguns momentos de ir para a igreja, mas por outros motivos, não pelos comentários dos outros”, ressalta.

Assim como a Sol de Vai na Fé, Negra Li também teve uma crise de consciência quando precisou equilibrar sua espiritualidade com a música. E foi esse conflito que inspirou Rosane Svartman a escrever a trama das sete da Globo. “Eu nem lembrava que tinha conversado com ela, na verdade (risos). Algumas pessoas me procuraram para uma conversa, estavam fazendo uma pesquisa, não lembro se disseram que era para uma novela. E aí eu falei da minha vida, da doutrina da minha religião, de como eu conseguia conciliar as duas coisas, como eu fazia para amenizar as crenças limitantes que me tinham sido apresentadas. E eu acreditei e vivi muitos anos com aquilo, né?”, recorda a artista.

“Aí eu fui me libertando aos poucos dessas crenças, e hoje consigo ter a segurança de lidar com esses dois lados da minha vida. Ser uma pessoa evangélica e uma cantora sensual, com ascendente em Escorpião, que sabe ser uma mulher foda e empoderada, mas que usa véu e saia comprida quando vai para a igreja”, conta Negra, que não se importa de ter que trocar os trajes habituais na hora do culto. “Se você vai a um velório, vai vestida de um jeito. Na praia, de outro. Numa reunião de negócios, de outro. Então na igreja eu vou vestida a caráter também (risos). É uma coisa que eu adoro, me traz paz e ajuda muito.”

A artista, que além de cantora também é atriz, chegou a fazer teste para interpretar Sol. “Quando eu soube que a Sheron estava fazendo, brinquei que era covardia. Mas a produtora de elenco me disse que a Sheron tinha dito a mesma coisa (risos). A gente já tinha se encontrado em um avião antes, sem saber dos testes, e, durante o voo, a conversa foi como se ela me conhecesse há muito tempo! Foi uma sintonia imediata. Então fiquei muito feliz por ela, depois de tanto tempo de carreira conseguir a primeira protagonista, para mim fez todo o sentido.”

Mesmo sem o papel na trama, Negra Li também conseguiu uma posição de destaque em Vai na Fé: sua voz é escutada todos os dias na abertura da novela. “Quando eu fui chamada para gravar o tema, minha primeira abertura depois de 25 anos de carreira também, pensei: ‘Caramba, cada uma matando no seu lugar, cada uma escrevendo a sua história’. É uma felicidade tremenda! Ser ouvido todos os dias em uma novela é o sonho de todo cantor. E em uma trama com representatividade, inspirada na minha história… Comecei o ano com o pé direito!”, valoriza a rapper.

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Luciano Guaraldo

Editor-chefe da Tangerina. Antes, foi editor do Notícias da TV, onde atuou durante cinco anos. Também passou por Diário de São Paulo e Rede BOM DIA de jornais.

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