MÚSICA

Detalhe da capa do disco Mr. Morale & the Big Steppers, de Kendrick Lamar

Divulgação

Mr. Morale & the Big Steppers

Em novo álbum, Kendrick Lamar fala de seus demônios, Putin e vacinas

Depois de um hiato de cinco anos, rapper lança Mr. Morale & the Big Steppers, trabalho em que faz uma viagem interna e passa por temas como o medo da pandemia, preconceitos contra pessoas LGBTQIA+ e religião

Guilherme Rocha
Guilherme Rocha

Cinco anos depois do aclamado DAMN., um dos maiores rappers de todos os tempos está de volta na pista com muita coisa pra ser dita. Saiu nesta sexta-feira (13) o novo álbum de Kendrick Lamar, Mr. Morale & the Big Steppers

Durante as 18 faixas do disco duplo, com nove músicas em cada parte, Kendrick vai fundo numa viagem interna, tentando fazer uma espécie de diário do que já viu no mundo e o que passou nos últimos 1855 dias (seu tempo de hiato).

O rapper investe em flows que só ele consegue e uma produção refinada, coisa de quem passou boa parte da pandemia trancado em algum estúdio.

No novo álbum de Kendrick, não temos nenhuma grande estrela do rap norte-americano, e sim nomes mais ligados ao círculo de amizade e inspirações do cantor, como a vocalista da banda Portishead, Beth Gibbons, e até familiares, como seu primo Baby Keem.

Ouça o novo álbum de Kendrick Lamar:

Solidão e masculinidade negra

O novo álbum de Kendrick abre com United In Grief e N95. A primeira, em tradução, significa “unidos no luto”. E a segunda é uma sigla que ficou famosa na pandemia por conta das máscaras de proteção contra o coronavírus. 

Nas letras, o cantor fala bastante de como o mundo viveu sob o medo nos últimos tempos e como vem lidando com seus demônios. Ali já está uma discussão que permeia boa parte do trabalho: saúde mental.

Em Father Time, Kendrick simplesmente se abre como se estivesse numa mesa de bar de Compton. Ele começa a canção como em um diálogo, sendo convencido a ir na terapia. Nas linhas seguintes, o rapper fala sobre como muitos homens negros têm problemas na relação paterna e querem pagar de fortalezas. 

Inclusive, é interessante como ele trata da relação com Drake e Kanye West. Em dado momento, Kendrick diz que ficou surpreso pelos dois artistas terem feito as pazes, em dezembro do ano passado, após anos se engalfinhando (dentro e fora da internet).

Problemas de papai me mantiveram competitivo, isso é um fato
Não dou a mínima para narrativa, sou esse tipo de cara
Quando Kanye voltou com Drake, fiquei um pouco confuso

Adivinhe que não sou tão maduro quanto acho”

Fechando a primeira parte de Mr. Morale & the Big Steppers, Kendrick fala ainda mais sobre masculinidade, trazendo a participação de Summer Walker e do lendário Ghostface Killah em Purple Hearts, referência ao trabalho solo de Rapper Raekwon, parceiro de Killah no Wu-Tang Clan.

Eu não sou o salvador de ninguém!

O segundo disco é bem mais introspectivo, algo mais de Kendrick Lamar para Kendrick Lamar, incluindo um pouco de fé. Em trabalhos anteriores, como os sucessos Alright e Bitch Don’t Kill My Vibe, o rapper deixava claro seu lado religioso —ele é católico.

A capa do novo álbum de Kendrick Lamar, inclusive, foi um ótimo spoiler do que receberíamos. Na foto que ilustra o trabalho, o rapper aparece num quarto pequeno, em pé e segurando uma criança negra no colo, enquanto uma mulher também negra amamenta outra criança na cama. Na cabeça, ele usa uma coroa de espinhos.

Em Crown, ele fala sobre o tamanho da responsabilidade de ser um artista relevante, que consegue ajudar e influenciar pessoas, mas que tudo isso pode acabar num deslize. Inclusive, assim como em outras canções, o rapper usa uma passagem da Bíblia. Nesse caso foi Lucas 12:48: A quem muito foi dado, muito será exigido.

Já em Savior, Kendrick reforça a ideia de que homens negros, mesmo sendo profissionais de excelência, não são salvadores da pátria —incluindo o próprio Kendrick. Citando personagens como J. Cole, Future e LeBron James, ele aponta como essas celebridades podem ser muito boas para a sociedade, mas não são exatamente a salvação.

E, na mesma letra, sobram críticas aos cristãos que diziam que a vacina era demoníaca, pegaram Covid-19 e precisaram rezar pela Pfizer; ao atleta de basquete e antivacina Kyrie Irving; e também a Vladimir Putin e à ofensiva da Rússia contra a Ucrânia.

Com Aunt Daries, Kendrick entra fundo na temática LGBTQIA+ ao falar sobre sua relação com a transexualidade. O rapper diz que “sua tia é um homem agora” e aborda como ele vem se desfazendo do vocabulário machista, homofóbico e transfóbico. Essa é uma das canções mais pesadas, pela dualidade de expor todo o preconceito enraizado não para reforçá-lo, mas para desnudá-lo.

Teremos mais Kendrick Lamar?

DAMN. foi lançado em 2017 e elevou Kendrick a um patamar de estrela pop —mesmo o rapper evitando os holofotes. O álbum levou até o inédito prêmio Pulitzer na categoria música, glória que costumava ser restrita a trabalhos de ópera ou música clássica.

Porém, depois do sucesso arrebatador, o cantor até lançou alguns feats, além da trilha sonora do filme Pantera Negra (2018), mas o que sobrou mesmo para o público foram cinco anos de espera até Mr. Morale & the Big Steppers.

É bom destacar que este é o último trabalho do rapper com a Top Dawg Entertainment, gravadora que deu projeção a Kendrick. Isso também diz muito sobre o tom mais intimista do trabalho, dando uma impressão de colocar o que pensa no papel, um sentimento de liberdade e despedida ao mesmo tempo.

Agora, junto com seu parceiro e agente Dave Free, mestre no audiovisual, Kendrick tem sua própria gravadora: a pgLang. Com isso, a expectativa é que tenhamos, em breve, alguns videoclipes —já vazaram algumas imagens de Kendrick em sets, com a insinuação de que ele estaria gravando conteúdos do seu novo álbum.

O que temos de certeza é que Mr. Morale & the Big Steppers está entre nós e já é um sucesso. Talvez não por ser um amontoado de hits, mas por falar de temas tão atuais na perspectiva de uma pessoa comum. Se bem que Kendrick Lamar não é uma pessoa comum.

Quer ficar por dentro dos principais lançamentos musicais da semana? Preparamos uma lista fresquinha para você. A cada sexta-feira, mais novidades.

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Guilherme Rocha é jornalista e escreve sobre cultura e música. Seu passatempo é contar histórias - em qualquer lugar, a qualquer hora.

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