O LADO FRUTA DA FORÇA

Grafite de Rich Simmons apresenta Batman e Superman como super-heróis LGBTQIA+

Rich Simmons/Divulgação

O Lado Fruta da Força

E se Batman e Superman fossem casal? Por que deveriam sair do armário?

Um manifesto em defesa das mudanças a favor da diversidade em adaptações da cultura pop

Christian Gonzatti
Christian Gonzatti

Muitos personagens marcantes da cultura pop refletem o que era visto como a única forma adequada de ser “normal” e bem-sucedido na sociedade na época em que foram criados: sendo homem, branco, cis-hétero e viril. Precisamos não apenas de novos personagens LGBTQIA+ e mais diversos de forma geral, mas também de histórias que reescrevam esse passado desigual.

Com certeza, você já ouviu essa frase de algum nerd que, na cabeça dele, com certeza não se incomoda com personagens LGBTQIA+:

“Meu, eu não tenho nada contra personagens LGBTABCDEFGHZ, pode ter a porra que vocês quiserem, mano, mas só não curto que fiquem mudando personagens originais”

Primeiro que quando uma pessoa vem com essa de usar o alfabeto para se referir a pessoas LGBTQIA+ para ser mais inclusivo, já está mostrando o lugar de onde ela fala: de desdém, de desrespeito. Essas letras existem para visibilizar identidades que, por serem diferentes da heterossexualidade ou da cisgeneridade, enfrentam desigualdades. É existindo que essas identidades conseguem ser lidas pela sociedade e reivindicam direitos.

Sobre essa de “ai, está mudando a origem dos meus homens musculosos em trajes apertados com superpoderes preferidos”, que super-herói não se modifica em nível estético e narrativo?

Vamos ao Batman, por exemplo. Ele já foi de tudo um pouco: sombrio, realista, closeiro, mamiludo e por aí vai. Há um mito estrutural em torno dele que é mais fixo: os pais assassinados e a busca por justiça. Mas o resto, meu amor… 

Muitas versões do Batman já foram apresentadas.

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Inclusive, eu indico o livro A Cruzada Mascarada: Batman e o Nascimento da Cultura Nerd, do Glen Weldon. Ele trata desse assunto dos “muitos Batmans”.

Mas, afinal, já aconteceu uma mudança drástica a ponto de alterar o mito de origem de algum super-herói? Ou algo como o Superman ser transformado em um personagem gay canônico em alguma adaptação (a Kyrptonita rosa não vale!)? Reed Richards e Sue Richards já foram transformados em um casal de homem trans e uma mulher trans oficialmente em alguma mídia? 

A resposta é NÃO. Nunca houve uma mudança tão expressiva assim. As maiores polêmicas envolveram o Lanterna Verde e o Homem de Gelo. Com o Lanterna Verde, muitos “nerds de bem” foram tão raivosos que o autor James Robinson até se pronunciou sobre o caso, dizendo que os brasileiros foram os mais preconceituosos. E isso porque nem se tratava do Lanterna Verde mais conhecido, o Hal Jordan, mas o Alan Scott de uma terra alternativa.

Mas e a mudança envolvendo o Homem de Gelo? E a Mulher-Maravilha bissexual? E se tornassem o Capitão América um personagem LGBTQIA+? Isso seria motivo pra tanto ataque de pelanca dos nossos queridinhos nerds que juram não se incomodar com mais personagens LGBTQIA+, desde que eles sejam novos?

Na verdade, um personagem gay era pra ter existido MUITO antes. Estrela Polar foi concebido como gay desde 1979, mas o então editor-chefe da Marvel Jim Shooter não permitiu que essa “pouca vergonha” fosse retratada na história. O personagem só saiu do armário em 1992. Além disso, existia também um código dos quadrinhos, o Comics Code Authority, que até 1989 proibia personagens LGBTQIA+.

Capa de Astonishing X-Men nº 51 com o casamento do Estrela Polar, personagem LGBTQIA+ das HQs

Casamento do Estrela Polar em Astonishing X-Men #51

Divulgação

Então, assim como na sociedade o julgamento sobre as pessoas LGBTQIA+ oscilava, e ainda oscila, entre doentes, criminosas, pecadoras e invisíveis, nos quadrinhos não foi diferente. Muitos personagens LGBTQIA+ teriam existido antes se não fosse a pressão de uma sociedade conservadora que injetava, e ainda injeta, a heterossexualidade como único caminho para a vida das pessoas.

Casos de personagens como o Homem de Gelo, o Bobby dos X-Men, têm um nome: dívida histórica das indústrias culturais. Uma dívida que ainda não foi paga. Que se criem mais personagens LGBTQIA+ e que outros “saiam do armário”. Se irritar com isso é muita ignorância. 

E não só com personagens LGBTQIA+ —o mesmo vale para mulheres e pessoas pretas. E não, transformar o Pantera Negra em branco não serve como argumento pra invalidar essas mudanças. Não há simetria entre as representações de pessoas brancas e pretas. Brancos não são estruturalmente oprimidos e invisibilizados. 

A própria noção de multiverso ou de infinitas terras advoga pela possibilidade de existirem muitas versões de um mesmo personagem. 

Novas versões de personagens icônicos são necessárias para novos tempos. 

A diversidade saiu do armário e não vai mais voltar para dentro dele. Lide com isso 😉

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Christian Gonzatti

Christian Gonzatti

Christian Gonzatti assina na Tangerina a coluna O Lado Fruta da Força, que fala do universo nerd com um olhar bem colorido. Ele preferia ser Mestre Jedi ou o Doutor Estranho, mas a vida só permitiu ser mestre e doutor em comunicação. LGBTQIA+, é criador da plataforma Diversidade Nerd nas redes. Um dos seus maiores sonhos é ser um X-Men e frequentar uma escola para mutantes em que a Lady Gaga seja a diretora.

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