João Cotta/TV Globo
Representatividade é uma das expressões do momento. Vamos entender mais sobre esse termo e por que ele está presente em qualquer produção da cultura pop
No Big Brother Brasil 2018, em que Gleici Damasceno, mulher pobre, negra e acreana, foi vencedora, Tiago Leifert fez um polêmico discurso em que declarou que “representatividade não leva a nada”.
Tiago Leifert integra um grupo que vê questões de gênero, sexualidade e raça como “militância excessiva” e, para esse grupo, o reality show mais assistido do Brasil —e qualquer outro programa de entretenimento— não tem nada a ver com política, com ensinar as pessoas, com identificação. Representatividade, nessa leitura, é algo que só envolve o que é visto como “mimimi”.
Bom, eu gosto muito da seguinte provocação: “Mimimi é a dor que não dói em ti”.
E se tem algo que homens brancos cis-héterossexuais tiveram a vida inteira na mídia, e em todos os espaços da sociedade, foi justamente representatividade. A falta dela nunca lhes causou dor alguma.
Há muita confusão na internet entre as definições de representação e representatividade. Representações de pessoas LGBTQIA+, pretas, mulheres e PCDs existem na mídia há muito tempo. Um produto midiático, seja o BBB ou um filme da Marvel, sempre vai ter representações de muitas coisas, incluindo de grupos sociais.
A questão é que nem sempre essas representações foram positivas ou contemplaram determinados grupos. E aí entra a representatividade. A representatividade é uma qualidade conferida à representação, quando estamos pensando na mídia.
Podemos imaginar, portanto, um grau de representatividade. Existem produções mais representativas e outras menos representativas para determinados grupos.
Quando personagens gays serviam apenas de chacota para o público, sendo interpretados e escritos por homens cis-hétero, tendo a a expressão da sua sexualidade apagada, obviamente estamos falando de uma produção com representação negativa e com quase nada de representatividade.
Já quando temos uma travesti como Linn da Quebrada, com um portfólio artístico muito crítico em relação à LGBTQfobia, participando do reality show com maior visibilidade no país e não escondendo de ninguém a sua identidade, como Ariadna Arantes, primeira participante trans do BBB, precisou fazer pelo contexto de uma sociedade ainda mais transfóbica que a de hoje, estamos vendo algo que é mais representativo.
Linn da Quebrada foi a 13ª eliminada do BBB 22
Reprodução/TV Globo
O BBB é um jogo baseado em dinâmicas de sociabilidade e, portanto, sempre vai envolver representações de gênero e raça. Não surpreende que um grupo de três mulheres pretas seja tão atacado pela torcida de um homem cis-hétero médio como o Arthur.
Inclusive, em um país transfóbico como o Brasil, tem muita gente que quis a eliminação da Lina por ela ser travesti. Não se sentiam representados por ela devido a uma série de preconceitos históricos. E se você acha que isso não existiu, basta abrir qualquer seção de comentários de portais em notícias sobre o BBB, ou os perfis do reality em qualquer rede social em conteúdos que mencionam a Lina.
O BBB é, inclusive, centrado na representatividade. Nós “elegemos” a pessoa com a qual mais nos identificamos. E representatividade é identificação. Eu nunca vou torcer para alguém com quem eu não me identifico, que não me inspira.
Representações e representatividades sempre estão presentes em qualquer produto de entretenimento. Envolvem contradições e não são processos unicamente progressistas. Nem sempre vai ser avanço.
Por exemplo: de tempos em tempos o reality é conquistado por um Marcelo Dourado. Hoje, o ex-brother mudou, mas teve diversas falas homofóbicas na sua edição, em 2010, ou uma Paula von Sperling, que fez muitos comentários racistas em sua participação, em 2019.
Arthur Aguiar e Linn da Quebrada: sister criticou o participante do BBB após eliminação
Reprodução/TV Globo
Arthur, que ao que tudo indica é o potencial vencedor dessa edição, cumpre um papel que o brasileiro médio ainda ama: a masculinidade do homem cis-hétero arrependido, sofrido, com a fala mansa, perseguido por ser vulnerável.
A sociedade ama homens que se arrependem dos seus erros. E eu não acho que isso seja ruim. O problema é que esse julgamento também é atravessado por gênero. Para mulheres, esse arrependimento não é permitido.
Luísa Sonza não fez nada considerado errado no seu relacionamento, mas passou por um julgamento da internet após o fim de seu casamento com Whindersson Nunes. Desde então, ela ainda precisa lidar com diversos comentários odiosos, incluindo ameaças de morte.
É o que Wanda, a Feiticeira Escarlate, disse para o Doutor Estranho no trailer de Doutor Estranho no Multiverso da Loucura: “Você quebra as regras e é visto como um herói. Eu quebro as regras e sou vista como uma inimiga”.
Isso porque para homens cis-hétero conquistarem a identificação do público sempre foi —e ainda é— infinitamente mais fácil.
Christian Gonzatti
Christian Gonzatti assina na Tangerina a coluna O Lado Fruta da Força, que fala do universo nerd com um olhar bem colorido. Ele preferia ser Mestre Jedi ou o Doutor Estranho, mas a vida só permitiu ser mestre e doutor em comunicação. LGBTQIA+, é criador da plataforma Diversidade Nerd nas redes. Um dos seus maiores sonhos é ser um X-Men e frequentar uma escola para mutantes em que a Lady Gaga seja a diretora.
Ver mais conteúdos de Christian GonzattiTangerina é um lugar aberto para troca de ideias. Por isso, pra gente é super importante que os comentários sejam respeitosos. Comentários caluniosos, difamatórios, preconceituosos, ofensivos, agressivos, com palavrões, que incitam a violência, discurso de ódio ou contenham links vão ser deletados.
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