O LADO FRUTA DA FORÇA

Mickey Mouse e o pinkwashing da Disney

Imagens: divulgação. Montagem: Tangerina

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Projeto anti-LGBTQIA+ e censura: A Disney é inimiga da diversidade?

A Disney financiou um projeto de lei anti-LGBTQIA+ e funcionários da Pixar publicaram uma carta em que também apontam censura. Mas a questão é mais complexa do que parece

Christian Gonzatti
Christian Gonzatti

É provável que você já saiba do último bapho envolvendo a Disney e a Pixar. Mas se não sabe, vamos lá. Fofoquinha importante. A Disney financiou políticos republicanos nos Estados Unidos que promoveram um projeto de lei na Flórida conhecido popularmente como “Don’t Say Gay” (“Não diga gay”), que visa proibir o ensino de gênero nas escolas e obrigar professores a delatarem jovens que confidenciarem que são LGBTQIA+. 

O babado vazou. A Disney, por meio de um comunicado assinado pelo CEO da empresa, Bob Chapek, sinalizou que sentia muito e que super entendia os funcionários LGBTQIA+ que estavam reclamando do apoio (rolou também um posicionamento do sindicato de animação repudiando o financiamento). Só que isso não foi um aceno de que o financiamento seria retirado. Chapek ainda complementou dizendo que a melhor forma da Disney ajudar na criação de “um mundo mais inclusivo é por meio do conteúdo inspirador que produzimos”.

Basicamente, o que ele tava dizendo era: “lindas, a gente vai continuar financiando os políticos que militam contra a existência de pessoas LGBTQIA+, mas não se preocupem, ainda vamos colocar o arco-íris no mês do orgulho nos nossos logos enquanto vocês ainda gerarem algum retorno financeiro pra gente”. 

Dana Terrace, criadora da animação A Casa Coruja, que inclusive tem uma protagonista bissexual, foi uma das funcionárias que repudiou as ações da Disney e disse estar cansada de fazer a empresa “parecer legal”. Importante citar que a obra de Dana foi cancelada porque os executivos decidiram que ela “não se encaixava na marca Disney”. Há quem diga que é porque o desenho é muito sombrio. Ai, ai, ai. 

As personagens Amity e Luz Noceda, na série A Casa Coruja

As personagens Amity e Luz Noceda, em A Casa Coruja. Disponível no Disney+

Divulgação

Aí veio o “fatality” no close errado dos setores empresariais da Disney. Funcionários da Pixar (que foi comprada pela Disney em 2006) publicaram uma carta relatando a —e não é outro nome para isso— a censura recorrente de personagens LGBTQIA+. 

Alguns trechos da carta: 

“Nós pessoalmente testemunhamos histórias lindas, cheias de personagens diversos, voltarem das revisões corporativas da Disney reduzidas a migalhas do que eram.

Praticamente todos os momentos de afetos abertamente LGBTs são cortados a mando da Disney, independentemente se há protestos das equipes criativas e da liderança executiva da Pixar.

Mesmo que criar conteúdo LGBTQIA+ fosse a resposta para consertar a legislação discriminatória do mundo, nós estamos sendo impedidos de criar.”

Depois da repercussão, Bob trouxe um alento para os nossos corações coloridos. Ele explicou que a Disney tava desde o início atuando como uma espécie de agente duplo, infiltrada, tentando barrar o projeto “Don’t Say Gay”. Prometeu também doar US$ 5 milhões a instituições de apoio à causa LGBTQIA+ e se comprometeu a discutir a lei com o governador da Flórida, Ron DeSantis. Que maravilha, né? Mais uma vez o dia foi salvo pelos meninos superpoderosos brancos, cisgêneros, héteros e milionários.

1.mar.2022 - Da esq. para a dir.: Alan Bergman, Diretor de Conteúdo do Disney Studios, Domee Shi, diretora de Red: Crescer É uma Fera, Bob Chapek, CEO da The Walt Disney Company, Lindsey Collins, produtora, Pete Docter, CCO da Pixar, e Jim Morris, presidente da Pixar, na pré-estreia de Red: Crescer É uma Fera em Los Angeles

Bob Chapek, CEO da Disney (terceiro da esq. para a dir., de terno azul), com a equipe de Red: Crescer É uma Fera

Jesse Grant/Disney

A fofoquinha não foi tão rápida assim, mas deu pra entender, né?

Tudo isso que aconteceu envolve uma questão complexa. São funcionários expondo a regulação que vem de empresários e diretores conservadores. A indústria cultural também é uma disputa de forças em que o detentor do capital e do meio impõe as suas ideologias através do poder que possui. Quando anunciamos “a Disney”, estamos nos referindo a diversos territórios de trabalho. E há muitas pessoas LGBTQIA+ e aliadas LGBTQIA+ que trabalham em setores criativos. “A Disney” não é uma coisa homogênea, singular, sem conflitos, contratos e contradições.  

É basicamente o que eu já vivi em muitas agências de comunicação, mas em um contexto muito, muito maior: trabalhadores com consciência de classe, LGBTQIA+, mulheres e pessoas pretas tendo como chefe um homem cis-hétero, branco, mais velho, que veio de uma família rica, que pode ser machista, racista ou anti-LGBQTIA+, e preocupado exclusivamente com o lucro. É basicamente assim que funciona o “feudalismo capitalista”. 

Tudo isso remete a uma coisa:

A mais potente revolução nas representações envolvendo a diversidade dificilmente vai ocorrer sem que os trabalhadores das áreas criativas estejam no controle da coisa toda.

No entanto, o mais grave disso tudo é que a Disney vinha realizando ações de pinkwashing. O termo se refere ao movimento de instituições que utilizam uma comunicação pró-diversidade para mascarar atos que atentam contra os direitos humanos e reforçam a desigualdade.  

A Disney, por exemplo, em alguma medida começou a flertar com representações mais diversas e com um posicionamento pró-LGBTQIA+. Mas não porque ela se tornou boazinha, milituda ou “desconstruída”. 

Isso acontece porque há um enfrentamento histórico de movimentos sociais que visam transformar as desigualdades e violências em torno do gênero, sexualidade e raça. Portanto, as pessoas passam a ter uma mente menos fechada e a consumir produções com maior diversidade. O que é um aceno para que as empresas continuem a investir nessas representações.

Esse é um dos motivos porque também não devemos supor que  a Disney vai se tornar integralmente anti-LGBTQIA+. Outra razão é o fato de  que existem pessoas LGBTQIA+ atuando em muitos dos seus setores criativos. Inclusive, a empresa tem ações concretas de igualdade para funcionários LGBQTIA+. Há um território de disputa em torno da presença de mais diversidade nas suas produções internamente. Desigual em forças, mas há.

Apoiar os artistas que produzem histórias com mais diversidade na empresa (e fora dela, principalmente latino-americanos) é importantíssimo. Continuar produzindo críticas e apontando erros e acertos nas suas representações também, assim como não deixar de denunciar e criticar os responsáveis pelo financiamento do projeto anti-LGBTQIA+. Eles não vão continuar no cargo para sempre. 😉

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Christian Gonzatti

Christian Gonzatti

Christian Gonzatti assina na Tangerina a coluna O Lado Fruta da Força, que fala do universo nerd com um olhar bem colorido. Ele preferia ser Mestre Jedi ou o Doutor Estranho, mas a vida só permitiu ser mestre e doutor em comunicação. LGBTQIA+, é criador da plataforma Diversidade Nerd nas redes. Um dos seus maiores sonhos é ser um X-Men e frequentar uma escola para mutantes em que a Lady Gaga seja a diretora.

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