Imagens: Divulgação / Montagem: Tangerina
A figura do nerd foi associada a discursos machistas, racistas e LGBTfóbicos. Mas cabe lembrar que, sem diversidade, não existiria cultura nerd
Olá, nerds do lado colorido da força. O dia de hoje é simbólico por dois motivos. O primeiro, você deve saber, é por ser o Dia da Toalha e o Dia do Orgulho Nerd. O segundo motivo é que esse é o último texto que assino aqui na coluna O Lado Fruta da Força. Foi muito legal essa parceria, e vocês podem continuar me acompanhando nos perfis da Diversidade Nerd.
Não podia deixar de falar aqui sobre o tema que me mobiliza como pesquisador e produtor de conteúdo sobre a cultura nerd: a centralidade da diversidade na invenção da cultura nerd.
No livro Toxic Geek Masculinity in Media: Sexism, Trolling, and Identity Policing, de 2017, as pesquisadoras Anastasia Salter e Bridget Blodgett percebem como a identidade nerd (geek identity), ao sair de um lugar de marginalização e ter mais visibilidade, gera forças contraditórias que sinalizam as batalhas de negociação sobre o que é “ser nerd”.
Para entender essa construção, elas olham para a natureza dos heróis no mercado midiáticos nerd, em espaços de ficção científica e fantasia, e para as narrativas que representam a cultura nerd. O duelo de visões entre o “nerd como vítima” e o “nerd como herói” dão espaço para a ascensão de uma hipermasculinidade nerd, uma identidade forjada para rejeitar as marcas do feminino, assim como a estética tradicional do homem atlético.
Desde movimentos como o Gamergate, as hostilidades e violências que tomam o gênero como motivador aumentaram em convenções de quadrinhos e filmes. Há um descontentamento odioso, que se disfarça de “trollagem” algumas vezes, contra mulheres e LGBTQIA+ que ganham visibilidade como produtoras ou fãs da cultura pop.
Através da análise de produções midiáticas como Chuck (2007-2012), The Big Bang Theory (2007-2019), Supernatural (2005-2020), Sherlock (2010-2017) e uma variedade de super-heróis do MCU, as pesquisadoras percebem que uma masculinidade tóxica está profundamente enraizada na cultura nerd, sendo importante, portanto, redefinir a identidade do “nerd como vítima”, pois além de ser um entendimento que não cabe mais na atualidade, é também uma ação necessária para tornar a cultura nerd um espaço cada vez mais inclusivo.
As autoras percebem que, em muitos casos, os tipos de masculinidade exibidos como aceitáveis para homens nerds são reducionistas ao lidar com a complexidade da identidade.
Embora tenha melhorado, o ideal masculino em grande parte da ficção científica foi definido como diretamente oposto ao feminino. Ser homem é não ser mulher. Isso reforça barreiras, rotulações e limites do que é aceitável ou não para ser um homem nerd. A cobrança de um olhar mais inclusivo e transformado, que abandone relações tóxicas contidas em um um ideal de masculinidade conservador, é mais difícil ainda para aqueles que fizeram a “nerdice” o cerne da sua identidade. O medo e ódio contra feministas e “guerreiros da justiça social” (social justice warriors – SJW) é a manifestação do desejo de não transformar as relações de poder.
A cultura nerd, no entanto, não passou a ser diversa ontem. Ela sempre foi. Nunca foi apenas uma entidade singular ou um único fandom.
Grande parte dos escritores da Marvel e da DC que nos presentearam com personagens icônicos, como Stan Lee (1922-2018) e Joe Shuster (1914-1992), eram judeus e tinham no histórico das suas famílias as marcas trágicas do nazismo.
No livro Invasores de Texto, lançado no Brasil em 2015, mas originalmente publicado no início da década de 1990, o pesquisador Henry Jenkins demonstra a importância das mulheres no fandom de Star Trek e como elas inauguraram muitas das práticas de fãs.
Em Video Games Have Always Been Queer, lançado em 2019, Bonnie Ruberg traça uma história que demonstra como narrativas e pessoas LGBTQIA+ foram responsáveis e sempre estiverem presentes na cultura dos games.
Sem mencionar que o dispositivo em que você está lendo esse texto só foi inventado graças às descobertas de Ada Lovelace (1815-1852), inventora do primeiro código de programação, e Alan Turing (1912-1954), homem gay, um dos responsáveis pela invenção do computador moderno.
A diversidade sempre esteve presente na cultura nerd. E vai estar cada vez mais. O que vai estar cada vez menos presente nela é a ignorância. Ou o nerd preconceituoso muda. Ou ele vai ter que deixar de se identificar como nerd.
Christian Gonzatti
Christian Gonzatti assina na Tangerina a coluna O Lado Fruta da Força, que fala do universo nerd com um olhar bem colorido. Ele preferia ser Mestre Jedi ou o Doutor Estranho, mas a vida só permitiu ser mestre e doutor em comunicação. LGBTQIA+, é criador da plataforma Diversidade Nerd nas redes. Um dos seus maiores sonhos é ser um X-Men e frequentar uma escola para mutantes em que a Lady Gaga seja a diretora.
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