Divulgação/Paradygma
Pabllo Vittar é representatividade. Uma artista necessária para os tempos que vivemos e que mostra que existem nerds LGBTQIA+
Um dos meus principais esforços como pesquisador tem sido demonstrar que a cultura nerd sempre foi ocupada por figuras que vão além do homem, branco e cis-hétero. Há diversidade nela e é neste contexto que estão as maiores possibilidades de transformação de uma cultura tão associada à machismo, racismo e LGBTfobia.
Esse é, inclusive, um dos temas que eu abordo na minha tese de doutorado que já foi publicada e pode ser lida aqui.
Pabllo Vittar é um importante símbolo para crianças e adolescentes que cresceram à margem das imposições de gênero da sociedade. Sabemos como a sociedade pode ser cruel com meninos que não agem de acordo com aquilo que se espera de meninos, e até mais com meninas.
Entre casos de meninos que já foram espancados até a morte pelo pai por gostarem de coisas consideradas “afeminadas”, a própria Pabllo consta nestas estatísticas de violência. É famosa a trágica declaração em que a drag relata um episódio de quando era criança, onde um menino jogou um prato de sopa quente em sua cara porque ela não “agia como homem”.
Porém, além de toda sua importância para a comunidade há um elemento estético em Pabllo Vittar que muitas vezes não é mencionado: a maneira como ela materializa a imaginação de pessoas LGBTQIA+ nerds no contexto brasileiro.
Pabllo Vittar, que nasceu no mesmo ano que eu, em 1993, vive o sonho de toda a criança “viada” e nerd brasileira de uma geração. Muitas dessas crianças sonhavam -eu incluso- em ser a Sailor Moon, em usar os looks da Equipe Rocket, ser uma super espiã estilosa combatendo o crime, capturar as cartas clow como faz a Sakura, de Sakura Card Captors, em ser uma super-heroína, viajar para outros planetas, lutar como a Beatrix Kiddo, de Kill Bill.
Momentos diva nerd de Pabllo Vittar ao longo da carreira
Reprodução/Montagem Tangerina
Mas junto a isso, também sonhávamos em “bater cabelo” como faz uma diva pop, em performar músicas com uma roupa da Mia Colucci, ou ainda da Lady Gaga, Madonna e Beyoncé. A estética LGBTQIA+ nerd, muitas vezes, sem cair em estereótipos, reúne o melhor dos dois mundos da cultura nerd e da música pop.
Pabllo Vittar vem trazendo a reunião de todos esses elementos em sua carreira. A drag articula referências da cultura pop global com as suas performances, transformando-as em algo que só encontramos nas LGBTQIA+ brasileiras. O clipe de Rajadão, por exemplo, é uma mistura de sonoridade “gospel” com uma animação de super-heroína.
Ela materializa uma criança brincando com a fabulação em torno do gênero, não se limitando ao “ser isso” ou “ser aquilo”, mas se permitindo brilhar.
Pabllo Vittar recebe carinho do público infantil no intervalo da gravação de videoclipe
Reprodução
Entre uma das fake news mais emblemáticas envolvendo Pabllo Vittar, está a de que ela teria um programa infantil na Globo, o “TV Criança Gay”. A informação falsa visava aumentar o pânico moral que conservadores e fundamentalistas religiosos têm relativo a discussões envolvendo gênero e o público infantil. Por isso, listava alguns quadros que estariam no programa: “Descubra seu gênero”, “Ele ou ela?” e “Mamãe, eu sou gay”. Tudo informação infundada, obviamente.
Para além do absurdo desses grupos que acreditam que uma criança pode ser manipulada a mudar o seu gênero ou a se tornar LGBTQIA+, fico imaginando o quanto a minha infância teria sido mais feliz com uma referência como Pabllo apresentando um programa infantil. Uma drag queen nerd. Tenho inclusive ideias de desenhos para o programa: Steven Universe, A Casa Coruja, Sailor Moon, Power Rangers, Três Espiãs Demais, por exemplo.
A drag queen mais seguida do mundo no Instagram pode não ter um programa infantil, mas ela tem levantado a bandeira da diversidade para o mundo.
Foi, inclusive, a primeira drag queen do mundo a cantar no Coachella, maior festival de música da América do Norte. Do Maranhão para o mundo.
Visivelmente emocionada no show, a brasileira comemorou a realização de seu sonho: “Meu nome é Pabllo Vittar. Sou uma drag queen brasileira. A primeira drag queen do mundo a se apresentar no Coachella. Estamos fazendo história hoje à noite”.
Pabllo chora muito ao final de show histórico no festival Coachella
Reprodução
Em um país homofóbico, com um presidente com falas explicitamente homofóbicas, Pabllo Vittar é, além de nerd, gay, drag queen, uma super-heroína da diversidade que não tem medo de se posicionar. Que com a sua voz tem estremecido preconceituosos que não suportam uma gay afeminada fazendo sucesso (“questão de gosto”, dizem eles). A figura de nossos sonhos de infância existe e se chama Pablo Vittar.
Christian Gonzatti
Christian Gonzatti assina na Tangerina a coluna O Lado Fruta da Força, que fala do universo nerd com um olhar bem colorido. Ele preferia ser Mestre Jedi ou o Doutor Estranho, mas a vida só permitiu ser mestre e doutor em comunicação. LGBTQIA+, é criador da plataforma Diversidade Nerd nas redes. Um dos seus maiores sonhos é ser um X-Men e frequentar uma escola para mutantes em que a Lady Gaga seja a diretora.
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