Imagem: Divulgação/Marvel. Montagem: Tangerina
Desde o surgimento dos super-heróis, personagens superpoderosos diversos enfrentam um poderoso vilão fora das páginas das HQs e das telas do cinema: o ódio que recebem de grupos conservadores, masculinistas e de nerds preconceituosos
Todo o meu trabalho com produção de conteúdo, incluindo a coluna O Lado Fruta da Força, que você tá lendo agora e que sai toda a quarta-feira, é inspirado por uma missão pessoal, que considero a minha jornada do herói: usar o conhecimento acadêmico para transformar as desigualdades.
E, por isso, não poderia deixar de mencionar aqui a concretização de um importante momento desta jornada: a defesa da minha tese de doutorado na área da Comunicação, que irá ocorrer dia 30 de março, 14h, online, na Unisinos.
A pesquisa que eu desenvolvi é resultado de um longo percurso apaixonado pela produção acadêmica, que iniciou ainda em minha graduação como bolsista de iniciação científica. Toda a minha paixão por pesquisar também tem um ingrediente que quase todo fã vai entender: eu estudo assuntos relacionados a universos que eu amo desde a infância, e neles estão incluídos os mundos das superaventuras.
Com a visibilidade das superaventuras impulsionadas por uma série de produções cinematográficas, as discussões políticas relacionadas aos universos dos super-heróis (no masculino mesmo, para provocar a reflexão sobre como pertence aos homens a maior parte do protagonismo destas histórias) também se tornaram mais aparentes, incluindo a cobrança por mais diversidade e os incômodos com as doses “homeopáticas” de personagens femininas e LGBTQIA+ nessas produções.
Tem uma citação da pesquisadora Abigail Moore, que sintetiza, de maneira muito resumida, um dos motivos pelos quais a diversidade é importante nas histórias de super-heróis:
“Nosso panteão de super-heróis tem sido alarmantemente homogêneo: a maioria são héteros, brancos, homens com o nome “Chris”. Se nós vamos continuar defendendo os super-heróis como a visão final da perfeição humana, é vital que nossos super-heróis sejam mais do que apenas um monte de caras brancos musculosos.”
Todos os "Chris' da Marvel
Reprodução/9 GAG
Os “Chris” citados pela autora são Chris Pratt, Chris Evans e Chris Hemsworth, intérpretes de Peter Quill, o StarLord de Guardiões da Galáxia, Steve Rogers, o Capitão América, e Thor, respectivamente. Poderia acrescentar o Chris Pine, co-protagonista de Mulher-Maravilha, dando vida a Steve Trevor na DC. Ironicamente, eu também sou “Chris”
Como produto da cultura pop, essas produções apresentam modelos de masculinidade, corporalidades e veiculam discursos que, mesmo sem uma intencionalidade explícita, acabam funcionando como um termômetro para entender o que é centro e o que é periferia na cultura. Por exemplo, dos 27 filmes lançados que integram o Universo Cinematográfico da Marvel, temos um filme protagonizado por um super-herói preto (Pantera Negra), um filme protagonizado por um super-herói amarelo (Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis), dois filmes protagonizados por super-heroínas (Capitã Marvel e Viúva Negra) e um super-herói gay (em Os Eternos, que inclusive tem um grupo de personagens muito diversos).
Essa invisibilidade na mídia não é, obviamente, natural. É reflexo de uma sociedade desigual em relação a gênero, sexualidade e raça. E mais ainda, é também resultado de uma censura que passa quase imperceptível aos nossos olhos: a dos homens de negócios que acham que diversidade não vende (e que também são também conservadores).
Além da menor presença nas produções cinematográficas sobre super-heróis que circulam o mundo e levam multidões aos cinemas, personagens superpoderosos diversos precisam quase sempre enfrentar mais vilões. Além dos fictícios, há também todo o ódio que recebem de grupos conservadores, masculinistas e de nerds preconceituosos.
Isso não é exclusivo dos dias de hoje. Em 1954, o livro do psiquiatra Fredric Wertham, A Sedução dos Inocentes, alertou os leitores sobre a tese das revistas em quadrinhos serem uma forma ruim de literatura popular e um sério fator da delinquência juvenil, que influenciava, inclusive, crianças a serem gays e lésbicas. A “família tradicional” surtou e começou a proibir a leitura dessas “obras demoníacas”. Embora o “estudo” dele tenha sido manipulado, muita gente ainda pensa assim
Em 2019, por exemplo, o então prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, tentou censurar uma HQ dos Vingadores por exibir um beijo entre dois personagens gays da Marvel: Wiccano e Hulkling. Ela seria “perigosa” para crianças. O “tiro saiu pela culatra” e a cena ganhou mais visibilidade, sendo até capa da Folha de São Paulo.
Capa da Folha de São Paulo no dia 7 de setembro de 2019
Reprodução/Folha de S.Paulo
Só que este, infelizmente, passa longe de ser o único ataque que um super-herói LGBT já sofreu. Tais ataques também costumam ocorrer com super-heroínas e super-heróis que não são brancos. São muitos os casos: “fãs” brasileiros se revoltaram com uma das versões do Lanterna Verde ser gay nos quadrinhos; Ruby Rose sofreu ataques lesbofóbicos por interpretar Batwoman; Anna Diopp, atriz negra, recebeu ofensas racistas por interpretar Estelar na série Titans; Brie Larson, que dá vida à Capitã Marvel, é recorrentemente vítima de comentários odiosos nas redes sociais, assim como o filme onde atuou.
Para a tese de doutorado, mapeei 66 casos semelhantes a esses!
E são muitos os motivos pelos quais eles ocorrem. A resposta mais fácil é a nítida conclusão de que é porque nossa sociedade ainda é muito machista, racista e LGBTfóbica, inclusive os nerds que consomem tais produções. No entanto, deu pra notar que existem mais ingredientes que geram todo esse ódio. Algums deles são: a ascensão de políticos conservadores e ultradireitistas; o uso das plataformas digitais para espalhar desinformação; a organização de grupos masculinistas e odiosos na internet; a ideia de que as crianças estão sob ameaça por causa de pautas envolvendo a diversidade.
Encerro o texto portanto com um convite. Se quiser assistir a defesa de minha tese, pode me chamar por mensagem no Instagram ou no Twitter que eu te passo o acesso.
Christian Gonzatti
Christian Gonzatti assina na Tangerina a coluna O Lado Fruta da Força, que fala do universo nerd com um olhar bem colorido. Ele preferia ser Mestre Jedi ou o Doutor Estranho, mas a vida só permitiu ser mestre e doutor em comunicação. LGBTQIA+, é criador da plataforma Diversidade Nerd nas redes. Um dos seus maiores sonhos é ser um X-Men e frequentar uma escola para mutantes em que a Lady Gaga seja a diretora.
Ver mais conteúdos de Christian GonzattiTangerina é um lugar aberto para troca de ideias. Por isso, pra gente é super importante que os comentários sejam respeitosos. Comentários caluniosos, difamatórios, preconceituosos, ofensivos, agressivos, com palavrões, que incitam a violência, discurso de ódio ou contenham links vão ser deletados.
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