Bruno Fagundes no Rock in Rio
DOSE DUPLA

Bruno Fagundes vai do amor ao tóxico para evitar comparações com o pai

No ar em dose dupla, com a novela Cara e Coragem e a série Só Se For Por Amor, ator rebate críticas de nepotismo e luta pelo direito de errar

Paulo Belote/TV Globo

Luciano Guaraldo
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Bruno Fagundes sempre foi um cara do teatro: o Renan, de Cara e Coragem, é apenas o seu segundo personagem fixo em novelas. Por isso, é curioso que o ator de 33 anos esteja no ar na TV com dois produtos simultâneos. Além do coreógrafo de dança vertical da trama das sete da Globo, ele também dá vida ao produtor Rafael, da série Só Se For Por Amor, lançada na Netflix na quarta-feira (21).

Os personagens não poderiam ser mais diferentes. Renan é tóxico e maltrata as pessoas à sua volta, especialmente Lou (Vitória Bohn) e Isis (Mika Makino), que espera um filho dele. Já Renato é puro amor, tanto na relação de fada-madrinha com os artistas com quem trabalha quanto no relacionamento com Nelton (Adriano Ferreira). De parecidos, só mesmo o fato de o nome de ambos começar com R –e de serem vividos pelo mesmo ator, é claro.

“A diversidade é um dos motes da minha vida profissional, uma coisa que me move muito, é uma força motriz. Sou geminiano, gosto de novos desafios, novas personalidades. Quem tem acompanhado minha carreira vê que cada personagem é um salto do anterior, e eu tenho conseguido fazer isso de uma maneira natural”, conta Bruno Fagundes em entrevista exclusiva à Tangerina.

A decisão da Netflix de marcar a estreia de Só Se For Por Amor para a semana passada foi recebida com entusiasmo pelo ator. Por uma feliz coincidência, a série chegou justamente em um momento intenso para o intérprete na novela das sete. “O Renan está ficando mais agressivo, está acontecendo um problemão na vida dele. Esse foi o período de gravação mais difícil para mim.”

“Já o Rafael é o extremo oposto. Ele é da luz, tem outra energia, outra forma de andar, de respirar, de sobreviver. Apesar de eu ter gravado a série há quase um ano, já mirava a novela e era uma preocupação minha arranjar um jeito de me diferenciar. Eu adoraria fazer o público se questionar: ‘Ué, é o mesmo ator?’. Queria causar essa impressão”, conta.

Boy lixo e detox

Bruno Fagundes e Mika Makino em Cara e Coragem

Bruno com Mika Makino (Isis) em Cara e Coragem

João Miguel Júnior/TV Globo

Se precisasse escolher com qual dos dois personagens atuais se identifica mais, Bruno Fagundes escolheria o adorável produtor musical de Só Se For Por Amor (ainda bem). “O Renan é muito distante da minha realidade e da minha personalidade, da forma que eu enxergo o mundo”, ressalta.

A diferença entre vida real e ficção ajuda o ator a se descolar do personagem assim que as gravações são encerradas. “Quando dá o ‘corta’ eu já sinto um relaxamento, posso voltar para casa e ser quem eu sou. Fico feliz de fazer essa separação, o detox fica mais fácil (risos)”, brinca ele.

“Mas minha escola é o teatro e, lá, se você não desenvolver uma maneira rápida de entrar e sair do personagem, você não sobrevive a uma temporada. Isso me treinou muito para estar na novela e fazer essa distinção. É um trabalho de minúcias, eu escolho como fazer, como falar, não tem nenhum estresse. E o elenco tem uma relação maravilhosa, um torce pelo sucesso do outro”, elogia.

O maior desafio para viver Renan, portanto, não é depois que as câmeras param de rodar, mas durante. “Eu tenho que canalizar essa personalidade dele, me esfriar. Eu sou muito caloroso, doce, preciso lembrar que ele tem uma frieza que não é naturalmente minha.”

Do circo para a dança vertical

Além de entrar em contato com seu lado frio, Bruno Fagundes também precisou mergulhar no mundo da dança vertical, já que Renan é um coreógrafo premiado na modalidade. “Não sabia como seria, porque nunca tive contato nenhum. Mas eu adoro circo, pratico há seis anos, faço aéreo, trapézio, lira, um pouco de tecido”, lista ele.

“Então, já estava um pouco fisicamente preparado. Ou achei que estava, pelo menos (risos). É muito difícil, mexe com o seu eixo, o labirinto fica todo bagunçado, dá enjoo, azia, machuca. Mas, depois que você começa a praticar, vai calejando, entendendo melhor o seu corpo. Eu me deparei com uma modalidade totalmente nova! Tem um processo de adaptação inicial, mas depois é uma delícia”, conta.

O fato de Renan ter uma expressão artística tão apurada também foi um ponto de interesse para Fagundes. Afinal, como uma pessoa talentosa e em contato com a arte pode ser tão tóxica? “Isso só engrossa o caldo, né? Deixa o personagem mais complexo. O tempo todo se fala que o Renan salvou a companhia, que trouxe independência para a equipe, que recebeu prêmios internacionais. Então, ele tem uma sensibilidade em algum lugar para criar essas coreografias incríveis…”, começa o intérprete.

“E aí a gente entra naquela questão de separar a obra da vida pessoal. É complexo, para mim é um dilema mesmo. Tem vários artistas que eu admiro profissionalmente e que têm uma vida pessoal indefensável. Pessoalmente, o Renan não tem defesa. Profissionalmente, ele é bom no que faz, o que deixa o personagem mais rico, com camadas. Mas agora estou com tanta raiva dele que não tem mais como (risos)”, admite.

Rei na mesa de som

Leona Jhovs e Bruno Fagundes em Só se For por Amor

Com Leona Jhovs na série Só Se For Por Amor

Divulgação/Netflix

Em Só Se For Por Amor, o personagem de Bruno Fagundes também trabalha com a arte. E, se Renan lida com as coreografias, Rafael se mantém nos bastidores para produzir as músicas. O ator admite que se assustou um pouco quando começou os trabalhos para a série. “Eu nunca estive no lugar do produtor, me sentaram naquela mesa gigante e eu tive que fingir que sabia o que estava fazendo (risos).”

“As pessoas romantizam muito, acham que todo ator faz um super laboratório de preparação. No caso da série, não teve, porque a gente gravou no auge da pandemia, então precisava respeitar todos os protocolos, tinha muito distanciamento, todo mundo usando face shield. Foi bem desafiador nesse sentido”, lembra.

“Eu sentei na mesa e confiei muito no meu feeling, nas minhas observações. Fui pegando um pouco de cada pessoa com que já trabalhei”, conta. A estratégia deu certo, diz ele. “Tinha um diretor musical que estava sempre no set porque o elenco cantava tudo ao vivo. Quando ele me viu na mesa, falou: ‘Você já fez isso antes, já trabalhou com isso’. Eu sou muito apaixonado por música, isso ajudou. Não quero parar de trabalhar com música jamais!”

Por falar em música, como era a relação de Bruno Fagundes com o sertanejo antes de gravar a série? “Não é muito meu estilo musical. Mas foi gostoso fazer um mergulho no gênero. Eu conhecia Marília Mendonça [1995-2021], flertava um pouco com a obra dela, admirava a pessoa que ela era, a artista que sabia se posicionar e seu dom de compositora que era mágico”, valoriza o ator.

“Realmente eu não sou do tipo que para e ouve sertanejo no dia a dia. Tive que correr um pouco atrás, porque o elenco todo era mais familiarizado. Mas foi muito bom, porque a música tem um potencial democrático e universal de fazer a gente se expandir. Vi meu gosto musical ficar mais elástico. Eu adoro quando o trabalho me traz coisas novas. A novela trouxe a dança vertical, o sertanejo chegou pela série… O ator aberto e atento sempre consegue algo diferente, e eu fico olhando sempre para o que não fiz.”

Inegavelmente filho do seu pai

Bruno Fagundes com o pai, Antonio, em Carga Pesada

Bruno com o pai, Antonio Fagundes, nos bastidores de Carga Pesada

Renato Rocha Miranda/TV Globo

Apesar de trabalhar duro para construir uma carreira por conta própria, Bruno sabe que sua trajetória estará sempre associada à do pai, Antonio Fagundes. É impossível ser filho de um dos maiores atores do Brasil e esperar algo diferente. E, para deixar suas escolhas ainda mais complexas, sua mãe, Mara Carvalho, também é atriz.

Em vez de enxergar sua situação como algo negativo, ele opta pelo copo meio cheio. “Tenho plena consciência dos meus privilégios. Meus pais moldaram meu olhar e me deram a chance de seguir o caminho das artes tranquilamente. Tenho amigos artistas cujos pais sequer os apoiam. Eu tenho exemplos de sucesso em casa, e isso me deu conforto para seguir meu sonho”, entrega.

“Mas, ao mesmo tempo que você tem essa facilidade, você não pode errar. Eu senti muito isso no começo da carreira, que se eu errasse seria cuspido para longe, que alguém diria: ‘Quem mandou você errar?’. O Brasil é um país pouco educado culturalmente, existe uma certa raiva estrutural. Eu sentia um olhar de ‘vamos ver se acerta’ voltado para mim, como se estivessem esperando o meu primeiro deslize.”

Ele ainda desabafa sobre acusações de nepotismo e de que só teria conseguido certos papéis porque é filho de quem é. “Isso me reduz como artista. Eu já fui muito desrespeitado em trabalhos que fiz teste para entrar e consegui por mérito meu. Nunca usei a carta de filho do Fagundes para nada. Sempre acreditei no trabalho duro, na pavimentação.”

Até por isso, admite, Bruno Fagundes preferiu começar no teatro. “Fiz o caminho inverso, e totalmente pensado de minha parte, de não ir logo para a televisão. Eu precisava encontrar minha individualidade. Mas acho que todo mundo tem direito de errar, o que pavimenta é o erro, a tentativa. E o filho de famoso, muitas vezes, não tem essa chance”, reclama.

“Para se manter no mercado sendo filho de famoso, você tem que ser excelente, senão é engolido por uma vala comum. Eu sempre trabalhei, acredito no suor, adoro aprender… E estou crescendo, porque o ator é uma constante construção”, finaliza.

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QUEM FEZ

Luciano Guaraldo

Editor-chefe da Tangerina. Antes, foi editor do Notícias da TV, onde atuou durante cinco anos. Também passou por Diário de São Paulo e Rede BOM DIA de jornais.

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