Divulgação/Na Lata Filmes
Apesar do filme Medida Provisória se passar em um futuro distópico, infelizmente aponta questões reais de nossa sociedade atual. Listamos os pontos onde realidade e ficção se encontram no longa
Medida Provisória, o filme que marca a estreia do ator Lázaro Ramos na direção de uma ficção, que acaba de chegar aos cinemas, aborda os aspectos racistas da sociedade brasileira por meio de uma distopia ambientada em um futuro não muito distante.
Após a edição de uma medida governamental que obriga a população negra a se mudar para a África, o longa foca na história de um casal de negros precisa se organizar em meio ao caos que toma a cidade e o país. De maneira irônica, mas muito séria, a produção aborda questões do racismo presentes no cotidiano de nossa cultura.
No elenco do filme estão Taís Araújo, Seu Jorge, Alfred Enoch, Emicida, Adriana Esteves e Renata Sorrah. Após ter o lançamento adiado várias vezes pela Ancine e sofrer resistência do governo atual, a produção sobre um Brasil distópico racista e autoritário infelizmente apresenta elementos tangíveis à realidade, que fizemos questão de listar para vocês.
Seu Jorge e Alfred Enoch em Medida Provisória
Reprodução
Nos últimos anos o tema reparação histórica é amplamente discutido por meio das políticas de cotas em universidades, assim como em outros ambientes de aprendizado e trabalho. O ato é uma maneira de amenizar as injustiças sociais cometidas contras certos grupos sociais. Em Medida Provisória a reparação histórica é adulterada e usada como meio de segregação.
Nos diálogos entre as personagens conseguimos identificar falas proferidas como se fossem piadas, mas que tem como propósito diminuir as pessoas que são o alvo delas. Como Adilson José Moreira aponta em seu livro Racismo Recreativo, as pessoas usam piadas em um contexto que determinam como pessoas negras são em todos os contextos, criando assim estereótipos que retiram das pessoas negras o respeito social.
Renata Sorrah é a vizinha racista Dona Izildinha em Medida Provisória
Reprodução
Quando confrontadas por terem postura racista, as personagens brancas do filme não estão dispostas a refletir sobre o que disseram. Assim como na vida real, as pessoas tentam se justificar usando de argumentos como ” foi apenas uma piada” ou “tenho até amigos/familiares negros”. A prática é comum e mostra que a autorreflexão ainda esbarra no desconforto de cada indivíduo de se ver confrontado com suas falhas.
A partir do momento em que a medida provisória entra em vigor, os instrumentos da lei passam a ter o direito de recolher todos os cidadãos “melaninados” para que eles sejam direcionados ao seu novo país. As cenas repetem, em um futuro imaginário e de uma maneira reversa, o mesmo modo de captura de africanos para serem vendidos como mão de obra escrava no começo da era escravagista. Ao mesmo tempo que as perseguições e capturas são feitas pela polícia, cidadãos comuns também participam disso, ora como denunciantes, ora como justiceiros. A truculência e violência usadas se assemelha a cenas que são repetidas em nossos telejornais, como no caso de Gabriel da Silva Nascimento, espancado por ser suspeito de estar furtando o próprio carro, ou George Floyd, assassinado por asfixia nos EUA, em 2020.
Açfred Enoch, Taís Araújo e Seu Jorge em cena de Medida Provisoria
Reprodução
A rede de apoio que se forma entre os “melaninados” à medida que a história de Medida Provisória se desenvolve pode ser definida como aquilombamento. Aquilombar significa assumir uma posição de resistência, a partir de um corpo político, se organizar. Seja em um espaço-esconderijo coletivo ou isolados em seus lares, as personagens da história criam pontes e trocam afetos e amparo para sobreviverem diante das dificuldades.
Alguns assuntos abordados no filme podem ser desconhecidos ou pouco conhecidos pelos espectadores. Assim sendo, alguns autores e suas obras são uma boa opção para ampliarmos o conhecimento sobre os debates trazidos por Lázaro em sua produção.
Reprodução/Editora Jandaíra
O livro aborda a relação entre humor e estereótipos negativos sobre minorias raciais. A discussão mostra que não há caráter benigno em piadas racistas, além de apontar como a hostilidade contra pessoas negras é disfarçada como um humor que busca na verdade afirmar uma superioridade racial.
Reprodução/Editora Jandaíra
Diferente do que se pensa, lugar de fala não é o direito de alguém falar sobre determinado assunto e silenciar os demais em seu entorno. Neste livro, a filósofa Djamila Ribeiro mostra como o seu ponto de vista, atravessado por suas experiências influenciam na maneira como lemos e entendemos o mundo. Dessa forma, alguém que não experimenta o racismo pode argumentar sobre a existência e o impacto dele nas outras pessoas sem entender exatamente os impactos provocados. A discussão desse exemplar também passa pelo “lugar de escuta”, momento em que precisamos dar espaço para que pessoas que não tem espaço para se manifestar possam relatar suas experiências de vida que podem diferir das nossas.
A partir do conceito de racismo institucional, apresentado por Kwame Turu e Charles Hamilton, do movimento Black Power, Silvio de Almeida discute como o racismo permanece na estrutura social, cultural, política, econômica e institucional provocando déficit para a maior parte da população brasileira.
Todos podem ser adquiridos através da Editora Jandaíra
Yasmine Evaristo
Yasmine Evaristo é crítica de cinema associada à Abraccine e pesquisa o gênero fantástico e representação e representatividade de pessoas negras no cinema. Devota da santíssima trindade Tarkovski-Kubrick-Lynch, também é artista visual, desenhista e cursa graduação em letras.
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