Reprodução/Netflix/HBO
A Tangerina conversou com uma psiquiatra sobre o interesse cada vez maior pelo true crime; o que gera essa curiosidade?
Jeffrey Dahmer: Um Canibal Americano (2022) estreou há pouco mais de uma semana e já teve a maior audiência da Netflix desde a quarta temporada de Stranger Things. Baseada na história de um dos mais assustadores serial killers dos Estados Unidos, a série só reforça como o gosto pelo gênero true crime cresceu nos últimos anos. Mas, afinal, por que histórias baseadas em crimes reais fazem tanto sucesso?
Em geral, as narrativas do gênero abordam crimes chocantes, fortes e por vezes mais distantes da realidade cotidiana. Algumas pessoas chegam a afirmar nas redes sociais que usam esse tipo de conteúdo para “distrair a mente”, e canais do YouTube e podcasts que contam essas histórias têm gerado cada vez mais interesse.
Segundo Danielly Ferraz, médica psiquiatra e pós-graduanda em psiquiatria forense, a curiosidade com esse tipo de narrativa não é recente –na verdade, a tecnologia apenas foi uma facilitadora para disseminar ainda mais informações sobre os crimes.
“O conteúdo de crimes sempre foi algo que chamou a atenção das pessoas. De alguma forma, sempre houve essa curiosidade da população acerca deste tema. Por ser misterioso, por envolver situações que não são cotidianas, por trazer histórias de pessoas que fogem muito do padrão”, lista a médica.
Muitos motivos podem levar ao interesse pelas histórias. Por vezes, as pessoas querem saber quais foram as táticas utilizadas pelas vítimas sobreviventes para escapar ou buscam entender as peculiaridades dos autores dos crimes.
“No caso da série da Daniella Perez [1970-1992], por exemplo, a história foge do que é considerado ‘óbvio’. Aborda uma certa culpabilização da vítima, traz à tona relatos sobre alguém que ninguém imaginava ser o culpado, então isso gera curiosidade”, acrescenta.
De acordo com a psiquiatra, sim. A curiosidade com true crime é algo natural, mas é necessário ficar alerta sempre para quaisquer tipos de exageros. “Se a pessoa só se satisfaz com temas voltados para esse tipo de história, acaba virando algo patológico. Se a única maneira que a pessoa se diverte é falando sobre a morte, acende um alerta”, revela a profissional.
“Mas o fato de alguém gostar desse tema pode ter apenas a ver com a curiosidade mesmo. Nesse caso, não há nenhum problema. Se você tiver um filho que só assiste e ouve conteúdos sobre isso, é preciso começar a notar outros aspectos. Porque não vai ser só um filme que tornará alguém um serial killer.”
Segundo Danielly, a grande maioria dos transtornos psiquiátricos têm um componente genético. Portanto, não é consumindo este conteúdo que alguém vai desenvolver algum tipo de predisposição. Porém, a médica alerta que é necessário sempre ter um aviso de gatilho antes das produções, porque as pessoas precisam saber exatamente que tipo de crime será representado e escolher se querem continuar ou não assistindo àquela série ou filme.
Recentemente, um parente de uma das vítimas de Jeffrey Dahmer (1960-1994) foi a público retaliar a Netflix pela escolha de trazer à tona a história do serial killer. Segundo ele, a atração gerava gatilhos e era uma maneira de reviver os traumas.
A psiquiatra Danielly Ferraz defende que as produtoras precisam ser cuidadosas na hora de fazer séries e filmes que retratam crimes reais. “As séries acabam tendo uma conotação mais de dramaturgia, mas também trazem um certo aspecto humano. O importante é não romantizar nem colocar aquela pessoa como alguém a se espelhar”, afirma.
A médica lembra o caso de mulheres que enviavam cartas apaixonadas a Francisco de Assis Pereira, conhecido como o Maníaco do Parque. “Eles devem ter cuidado na hora da representação também para não chegar nesse ponto da romantização. Dessa forma, torna-se um alerta.”
Ainda assim, boa parte dessas produções pode ser benéfica se forem cautelosas e souberem abordar os temas de maneira delicada. As histórias podem acabar gerando reflexões necessárias na sociedade. “Mesmo que alguns exagerem na dramatização, outros podem mostrar o outro lado de um crime e a realidade por trás de algumas mortes”, explica a profissional.
Giulianna Muneratto
Jornalista pela Faculdade Cásper Líbero. Adora um filme clichê, música pop e sonhava em ser cantora de cruzeiro, mas não tem talento pra isso.
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