LIVROS E HQS

Um desenho de uma mulher negra abraçada a um homem branco (Fabien Toulmé), em tons de verde

Reprodução/Editora Nemo

PAÍS REDESCOBERTO

De caixa d’água a vira-lata: O Brasil nas HQs do francês Fabien Toulmé

Os quadrinhos do francês Fabien Toulmé levam a uma caçada às referências sobre o Brasil nem tão escondidas assim

Daniel Farad

Uma caixa d’água de uma marca característica nas primeiras páginas de Não Era Você que Eu Esperava (Nemo) deixa claro que a trama de Fabien Toulmé se passa no Brasil. O francês dá partida na HQ justamente pela época em que morava em João Pessoa, levando o leitor a uma redescoberta dos signos do próprio país –e que escapa de clichês ao exibir um pôster de Jackson do Pandeiro ao fundo de uma das cenas de Suzette ou O Grande Amor (Nemo).

O quadrinista ainda estudava Engenharia Civil quando chegou à capital paraibana para fazer um intercâmbio. Ele decidiu que não voltaria tão cedo para a Europa ao abrir um escritório com alguns colegas em Fortaleza, logo depois de conhecer a mulher –a brasileira Patrícia.

A experiência foi definitiva não só para o texto autobiográfico, mas também para o ficcional Duas Vidas (Nemo). Um dos cenários do livro é o Benim, em que o desenhista também já passou parte da vida, e que curiosamente ressoa bastante do outro lado do Atlântico.

As caixas d’águas de Toulmé não são sinais de problemas estruturais do Brasil, como estruturas fundamentais para bairros que enfrentam questões de abastecimento. Ao contrário, elas fazem parte da paisagem urbana. Elas estão em cima das casas, onde a vista alcança, mas também nos quintais em que viram piscinas.

A fauna brasileira também não ganha ares de exotismo a parte dessa reconstrução gráfica do país pelos olhos do artista. Não há araras, onças-pintadas ou capivaras. Os vira-latas, mesmo que a impressão não deixe claro se são realmente um célebre caramelo, ganham espaço em Não Era Você que Eu Esperava.

Nós, eles e Toulmé

Um dos pontos altos de ser refletido no espelho do Brasil nas HQs de Toulmé é justamente se ver pelos olhos de uma pessoa de fora. A palavra “especial” que é bastante criticada por aqui –e com razão– ao ser utilizada em relação a pessoas com deficiência ganha um sentido inesperado na cabeça de um francês.

Não Era Você que Eu Esperava fala sobre a relação entre o artista e a filha caçula Júlia, que tem síndrome de Down. O artista não leva o especial para o sentido do aparte, mas para o do extraordinário –daquela pessoa que vem para mudar o mundo.

Toulmé também faz pensar ao falar sobre a crença popular que há no Brasil de que a criança com deficiência escolhe os pais antes de nascer. Ele não trata essas questões como se fossem próprias de um país subdesenvolvido, cheio de crendices, mas como uma filosofia capaz de lhe acrescentar um novo ponto para pensar.

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QUEM FEZ

Daniel Farad

Repórter. Além do Notícias da TV, também se juntou ao Tangerina para combater a mesmice e o escorbuto. Escreve do Rio de Janeiro, onde se sente eternamente em uma novela do Manoel Carlos. Aqui, porém, a gente fala mexerica. Fale com o Daniel: vilela@tangerina.news

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