Reprodução/TV Globo
A ideia de Jove (Jesuita Barbosa) para instaurar uma agrofloresta na fazenda do pai não é tão revolucionária quanto parece em Pantanal
A briga de Jove (Jesuita Barbosa) para dar início a uma agrofloresta na principal fazenda de José Leôncio (Marcos Palmeira) é frequentemente tachada como “revolucionária” em Pantanal. Uma ideia que não é tão utópica assim. E não se trata de elogio. Afinal, o fotógrafo continua a caminhar em direção ao inevitável apocalipse agroindustrial –e em uma marcha tão acelerada quanto antes.
As cenas em que o pecuarista confronta Davi (Lucci Ferreira) e os executivos que cuidam dos negócios dele são o principal indício de como o imaginário coletivo sobre o capitalismo mudou em 30 anos. O remake da Globo simplesmente parou de sonhar com outro mundo possível, ao contrário do que ocorria no original exibido pela Manchete em 1990.
O problema, aliás, vai muito além da adaptação proposta por Bruno Luperi a partir dos originais do avô Benedito Ruy Barbosa. O crítico Mark Fischer (1968-2017) aponta que a humanidade já não consegue mais cogitar alternativas ao atual sistema econômico –na máxima que é mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo.
As inúmeras distopias produzidas nos últimos anos ajudam a entender com mais clareza os apontamentos do britânico. O mundo vira praticamente de cabeça para baixo, em maior ou menor escala, mas algumas estruturas continuam intocáveis, como se fossem inatas da sociedade –o dinheiro, as classes sociais, a acumulação primitiva do capital.
Esses elementos costuram narrativas aparentemente tão diferentes entre si quanto O Poço (2019), Uma Noite de Crime (2013), Black Mirror, Westworld, Sweet Tooth, Round 6, Ruptura e 3% (2016-2020). A sociedade se desfez de alguma maneira, mas o capitalismo seguiu como se fosse a amálgama que nos une.
A grande questão é que esse sistema econômico como conhecemos é razoavelmente recente, data do século 19, ainda que tenha antecedentes que remontem à Idade Média. Segundo Fischer, a ideia é que o capitalismo “venceu” como única possibilidade diante da fragmentação do socialismo e da União Soviética em 1991.
Em 1990, quando a Manchete exibiu a primeira versão de Pantanal, José Leôncio não sofria qualquer remorso ou era enganado pelos executivos que havia contratado para fazer os balanços de sua propriedade. Ao contrário, ele os colocava no bolso em uma posição de oposição –como um homem que produz a partir da terra, e não a partir da especulação financeira.
O próprio Jove tinha um perfil próximo de um playboy e, curiosamente, mais radical do que o personagem de Jesuita Barbosa. E não só pela forma como reagia ao conservadorismo do pai e dos peões. Ele tinha aversão ao trabalho e dizia que era um vagabundo nato.
Um perfil impensável para hoje, em que a principal ideia vendida pelo mercado publicitário é trabalhar até a exaustão, até mesmo quando os concorrentes –seja lá quem forem eles– dormem.
O realismo capitalista no remake da Globo também contribui para o greenwashing da novela, uma vez que aponta essas soluções como o futuro ou como salvadoras para o planeta. Não são. Essas iniciativas são quase como aqueles pequenos esparadrapos tentando tapar o buraco deixado por um tiro de escopeta.
A única forma de interromper o processo de aquecimento global e mudanças climáticas é a transformação completa e praticamente imediata do atual sistema econômico –baseado em consumo e exploração. O problema é que, como Pantanal aponta, a imaginação já não parece capaz de fornecer opções.
Daniel Farad
Repórter. Além do Notícias da TV, também se juntou ao Tangerina para combater a mesmice e o escorbuto. Escreve do Rio de Janeiro, onde se sente eternamente em uma novela do Manoel Carlos. Aqui, porém, a gente fala mexerica. Fale com o Daniel: vilela@tangerina.news
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