Fotos: Divulgação. Montagem: Tangerina
Tudo começou com o hit mundial de 2019: Old Town Road. Ali, a indústria fonográfica sentiu o primeiro impacto de uma canção que alcançou o sucesso organicamente em uma comunidade de usuários da mesma rede social, o TikTok. A premiada música de Lil Nas X, em parceria com Billy Ray Cyrus, saiu do aplicativo chinês direto para o topo das principais paradas norte-americanas. Doja Cat, atração do Lollapalooza 2022, Tones and I, Roddy Ricch, Lizzo e Saweetie são alguns dos nomes que viralizaram logo depois do rapper —e conquistaram o mundo.
Olhando para trás, é mais fácil traçar os motivos pelos quais a faixa de Lil Nas X captou a atenção do público. Em 2019, o trap era o subgênero musical do momento e o artista aproveitou para surfar nas tendências e adicionar um tempero para lá de inusitado: o country. Assim, a faixa caiu no gosto do povo, que usou a faixa de trap country em um dos challenges (desafios, em português) favoritos dos usuários da plataforma: as transições.
Para a empresa chinesa, não chegou a ser uma grande surpresa. Em entrevista à Tangerina, a head de conteúdo musical do TikTok Brasil Roberta Guimarães aponta que música sempre esteve no DNA da plataforma, “então já era esperado que os movimentos musicais que estavam acontecendo ganhassem destaque na plataforma”.
Roberta Guimarães
Head de conteúdo musical do TikTok Brasil
Ao entrar pela primeira vez no TikTok, você precisa definir as suas preferências: música, tecnologia, arte, cinema… Nos primeiros minutos rolando a For You Page (equivalente à página inicial de conteúdos dos outros aplicativos), você será atingido por esses assuntos de forma geral.
Por isso, para que o aplicativo afine cada vez mais o que você gosta de consumir, você precisa usar a plataforma. Assim, as sessões ficam cada vez mais personalizadas e refletem as preferências exclusivas de cada pessoa —gerando assim experiências diferentes para cada usuário.
A partir das interações (likes, comentários e compartilhamentos) com a sua comunidade e do uso de ferramentas do aplicativo (sons, filtros e hashtags), o sistema aprende um pouco mais sobre você. Assim, ele coloca em destaque na página inicial perfis e conteúdos que tenham a ver com os seus interesses. Mas também é possível navegar para fora da bolha.
Na página Descobrir, o aplicativo apresenta as novidades que mais estão bombando: de canções palpitantes às campanhas exclusivas da plataforma e dos parceiros.
Roberta Guimarães
Head de conteúdo musical do TikTok Brasil
Depois dos primeiros sucessos, no início de 2020, a pandemia da Covid-19 colocou a indústria do entretenimento para hibernar: sem shows ou festivais, o único jeito de se manter relevante musicalmente era online. Foi aí que o TikTok ganhou ainda mais força. Ao contrário das lives, que tinham data e horário marcados, com o aplicativo, estávamos a um clique de uma timeline infinita, repleta de canções.
Conforme os dados levantados pela Global/WebIndex naquele ano, o TikTok ultrapassou dois bilhões de downloads nas lojas de aplicativos. Em setembro, a plataforma da empresa chinesa ByteDance conquistou a marca de um bilhão de usuários ativos por mês. “O TikTok assumiu esse papel de apresentar novos artistas, músicas e tendências. Ele se transformou em um importante agitador cultural de música”, observa Guimarães.
Na mesma rapidez que o império dos streamings renova o catálogo —são cerca de 60 mil músicas adicionadas diariamente ao Spotify—, os usuários ativos no TikTok criam mais conteúdos com fatias dessas canções. Por isso, o cartão de visitas da plataforma acabou sendo as dancinhas.
DJ RD
Produtor do hit Sentou e Gostou, com MC Jottapê e MC M10
“Nossa percepção de produção musical foi impactada em como fazer uma música que as pessoas fiquem entretidas, a ponto de quererem dançar na plataforma”, acrescenta o produtor DJ RD.
Criadas com movimentos literais —quase mímicos— que repetem o que a letra da música diz, as dancinhas têm influência do hip hop, que desafia os usuários com passos livres e mais estilizados. Não é por acaso que as primeiras coreografias virais da plataforma vieram das vertentes do rap: Lottery, de K Camp, Savage, de Megan Thee Stallion, e WAP, de Cardi B, são alguns dos exemplos que fizeram sucesso.
A maioria dos movimentos depende apenas do tronco, braços, mão e cabeça. Quando o bonde brasileiro percebeu a relevância musical da plataforma, os próprios dançarinos e artistas impulsionaram passos de funk nas DCs (apelido para coreografias no TikTok). Rebolar e “mandar um passinho” viraram regra para marcar as batidas. “Cada palavra tem uma ação no TikTok, tipo o Malvadão [do Xamã], que as pessoas fazem o chifrinho”, aponta RD.
Isso, portanto, encorajou artistas a investirem no gênero nacional e em canções com BPMs (batidas por minuto) mais aceleradas e marcadas. É o caso do funk mandelão, ritmo derivado do eletrofunk e do funk ousadia, que preza pelas batidas mais pesadas e repetitivas. O MC Niack foi um dos primeiros funkeiros do gênero a ter uma música viral na plataforma, com Oh Juliana. As versões de rave funk, bregafunk e pagodão baiano também são tendências.
A nível global, é possível que Drake tenha sido o primeiro artista a pensar estruturalmente em uma música com potencial de viralizar no TikTok. Toosie Slide, lançada como single da mixtape Dark Lane Demo Tapes, ganhou até um clipe com o astro canadense em que ele ensina uma dancinha simples —e perfeita para bombar na plataforma.
Na época, Drake chegou a ser criticado pelo feito, mas acabou criando uma regra do mercado. Agora, em qualquer videoclipe, é possível encontrar passos que já são bem comuns na plataforma. Uma isca perfeita para os influenciadores reproduzirem a faixa nas contas que ultrapassam os milhões de seguidores. “[O TikTok] agrega muito. Você pode até usar as danças de lá para colocar em algum clipe, chamar a influencer que mais repercutiu a dança”, explica DJ RD.
Zé Felipe, dono dos hits Malvada e Depende, por exemplo, além de abusar dos elementos do forró eletrônico e do pagodão baiano —super em alta—, contou com uma coreografia montada pela própria mulher e tiktoker, Vírginia Fonsenca. A influenciadora coleciona mais de 30 milhões de seguidores na plataforma e aparece como musa do clipe do refrão chiclete: “Ela só quer socadão, sentadinha e rebolada….”.
Assista ao clipe de Malvada
A faixa também está entre as 50 mais ouvidas do Spotify Brasil
Segundo Daniel dos Versos, compositor do hit Coração Cachorro, no início, o TikTok apareceu como um impulsionador, um combustível a mais para a música: “Se ela chegasse lá [no TikTok], chegava no ouvido de mais pessoas”, pontua. Mas a tendência acabou provocando uma virada de atenção —e criativa— no mercado.
Daniel dos Versos
Compositor responsável pelo hit Coração Cachorro, com o sample de James Blake
Segundo Daniel, para viralizar, a música precisa ser fácil, para atingir o maior número de pessoas possíveis, além de abordar assuntos do dia a dia. “Amor, saudade e memes são algumas saídas. A gente sente e passa por essas coisas todos os dias”, acrescenta. A receita soa como a mesma da música pop: um refrão pegajoso, fácil de cantar, e melodia marcante. “Aquela que fica em looping na cabeça das pessoas”, explica o compositor.
Para DJ RD, um diferencial é compor quando já existe um formato de vídeo do TikTok em mente. “Lá existe uma infinidade de gestos. Por exemplo, o padrão de ‘vapo, vapo’ é do Gerson, ex-jogador do Flamengo. Claro que cada música tem a própria identidade, mas no TikTok já existem gestos específicos. Então, precisa saber encaixar, aproveitar no bregafunk, que tem bastante marcação de latinhas, e saber direcionar”.
Pelos números esmagadores da editoria “dancinhas” na plataforma, criou-se o boato de que “quem não dança, não cresce na plataforma”. O que não é verdade. Embora o algoritmo do TikTok soe um tanto quanto desafiador, pelos números exorbitantes, ele pode ser moldado a favor do artista para atingir uma grande comunidade. Foi assim que ONErpm emplacou a fama de artistas dentro da plataforma.
Em entrevista à Tangerina, Thiessa Torres, gerente de relações públicas da empresa gestora de carreiras, listou algumas ações realizadas nos últimos meses com os artistas FP do Trem Bala, Vitinho Imperador e a dupla Fiduma & Jeca. No caso de FP, a equipe de marketing sugeriu que ele publicasse outros conteúdos, em vez de postar vários vídeos dançando.
Thiessa Torres
gerente de relações públicas da ONErpm
Entre as ferramentas utilizadas, o filtro “tela verde” (um dos preferidos de tiktokers) foi usado de background para FP do Trem Bala contar uma história que gera identificação com quem frequenta os bailes do Rio de Janeiro, enquanto um funk com BPM (batidas por minuto) aceleradíssimo tocava atrás. A publicação rendeu 5 milhões de visualizações para o artista. Em outra estratégia, FP colocou a própria música no fundo do vídeo, enquanto respondia algumas dúvidas dos fãs. Isso ajuda a fixar a faixa na cabeça dos usuários.
Para Vitinho Imperador, a abordagem foi outra: consistência e frequência de publicações. Neste caso, o artista quis lançar uma coreografia da própria música, Tapa Tapa Sentadão. Em uma análise disponibilizada pela ONErpm em fevereiro (foto abaixo), a faixa, com menos de um mês de lançamento, mostrou um ótimo crescimento na plataforma.
'O algoritmo funciona como um motor, que vai acelerando aos poucos. Porém, mesmo aos poucos, o ritmo vai sendo criado, e em seguida a aceleração se torna exponencial', esclarece Torres
Reprodução/ONERpm
Para a executiva da ONErpm, os exemplos reforçam o discurso de que a plataforma —e os usuários— preza pela criatividade e autenticidade de quem produz o conteúdo. “Os resultados são sempre positivos”, pontua a gerente de relações públicas.
Um artista hitou. E agora? Em julho de 2021, pela alta demanda de artistas na plataforma, a empresa e o ECAD (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição) assinaram um contrato de pagamento de direitos autorais no Brasil. Isso garante uma nova fonte de receita para os compositores, editoras musicais e intérpretes.
Essa mesma leva garante ainda o pagamento retroativo pelo uso de músicas na plataforma. Ainda pensando nisso, o TikTok fechou outra parceria com a Associação Brasileira de Música e Artes (Abramus), que garante a licença de publicação de 100% do catálogo musical do grupo. Atualmente, a Abramus conta com mais de 320 editoras no mercado.
DJ RD
Produtor
No fim, como quase tudo na vida, não existe uma fórmula perfeita para que uma música viralize no TikTok, mas alguns elementos estão quase sempre presentes: artistas que produzem muito na plataforma, fórmulas que grudam na cabeça, batidas que dão vontade de dançar —e um tantinho de sorte, claro.
Nicolle Cabral
Antes de ser repórter da Tangerina, Nicolle Cabral passou por Rolling Stone, Revista Noize e Monkeybuzz. Nas horas vagas, banca a masterchef para os amigos, testa maquiagens e cantarola hits do TikTok.
Ver mais conteúdos de Nicolle CabralTangerina é um lugar aberto para troca de ideias. Por isso, pra gente é super importante que os comentários sejam respeitosos. Comentários caluniosos, difamatórios, preconceituosos, ofensivos, agressivos, com palavrões, que incitam a violência, discurso de ódio ou contenham links vão ser deletados.
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