Rodrigo Gianesi
Na última vez em que conversei com Marina Sena, o mundo era completamente diferente. Era agosto de 2021, o álbum De Primeira tinha acabado de sair e já fazia um barulhão na bolha indie, vamos dizer assim. O título da matéria, publicada no jornal O Globo, tratava a cantora e compositora como “aposta de popstar”.
Afinal, todos os elementos para a virada de popularidade estavam ali, naquelas dez faixas e na postura da própria Marina Sena, que se mostrava aberta e sedenta por não ser só uma artista de nichos. Isso ela já tinha conseguido nas bandas que integrou com amigos em Minas Gerais —A Outra Banda da Lua e Rosa Neon.
Para a carreira solo, a artista de Taiobeiras que só foi ter mais contato com a internet aos 15 anos queria não ter um teto, uma barreira para seu pop quente e “estranho”, como ela mesma define. E, menos de um ano depois, parece que o mainstream, o som de massas, é mesmo o lugar dela.
Curiosamente, Marina Sena furou a bolha meio que por acasos. Por Supuesto, uma faixa que quase não entrou em De Primeira porque não era lá a preferida da compositora, viralizou no TikTok. Até hoje, ela jura que não sabe quem subiu o primeiro vídeo da música na rede de vídeos.
O fato é que a coisa foi se espalhando, como costuma acontecer no TikTok, e a canção chegou aos primeiros lugares do ranking do Spotify, aquela parte da lista onde, além de Marina e, agora, Jovem Dionísio, era praticamente impossível um artista além do círculo sertanejo-forró-funk-trap entrar.
Marina Sena
Sobre sentir liberdade numa rotina profissional agitada
Agora, Marina Sena já tem no currículo shows grandiosos em festivais como o Lollapalooza Brasil, Rock the Mountain e MITA, uma turnê pela Europa, anda com agenda cheia, conheceu ídolos como Gal Costa e Anitta e foi reconhecida pelo mercado publicitário.
Nosso novo papo, inclusive, veio por conta de uma ação que Marina fez para a empresa Tembici, de aluguel de bicicletas. Ciclista amadora convicta, a cantora de 25 anos gravou uma versão de Essa Tal Liberdade, clássico dos karaokês eternizado por Só Para Contrariar e Fábio Jr. na década de 1990. Ouça abaixo:
No papo de cerca de 15 minutos, por telefone, Marina deixou claro que os primeiros meses de fama não tiraram a espontaneidade que marca sua personalidade. Leia abaixo os principais tópicos do papo.
A campanha da Tembici tem como mote a liberdade, e sua arte é muito pautada nisso. Você gosta de fazer as coisas do seu jeito, tem um perfeccionismo baseado nos seus gostos. Ao mesmo tempo, está vivendo esse momento novo, de maratona de shows, muitos compromissos profissionais… Tem conseguido exercer sua liberdade? Como?
Eu tento fazer com que meu dia a dia seja legal. Por exemplo, tento estar com pessoas que escolhi estar, e não com pessoas que por acaso estou. Isso me deixa livre. E faço questão de me cuidar. Se cuidar é muito importante. Tomo um banhão, hidrato meu cabelo, faço meu skincare, dou meu rolezinho de bike. Enfim, é importante fazer coisas que você gosta. Falar de coisas de trabalho quando tem que falar, mas não só. Isso me dá uma sensação de liberdade.
Suas influências musicais vão de Djavan e Gal Costa ao pagodão baiano, o axé, hits da Bahia, até pela proximidade com Taiobeiras. Essa Tal Liberdade, por sua vez, é um pagode romântico, que era muito forte no Rio de Janeiro e em São Paulo nos anos 1990. É um ritmo que te impactou também?
Eu não vou falar que não escutei, porque acho que todo brasileiro escutou. Mas, para mim, existem dois jeitos de escutar música. Um é quando te atravessa e não impacta, e outro quando você pega a viagem da música, aquilo de “meu Deus, o que é isso?!”. Eu peguei a viagem do pagode romântico por agora, de uns quatro anos para cá. Aí, achei tudo de bom, entendi tudo. Foi quando peguei para estudar.
Essa Tal Liberdade é um sucesso dos karaokês brasileiros, quase no nível de Evidências. Você é fã de karaokê? O que costuma cantar?
Quando vou para o karaokê, gosto de cantar as mais conhecidas. Por exemplo, esses dias eu fui a um e cantei Someone Like You, da Adele, que estourou demais. Todo mundo escutava. São essas músicas que eu gosto de cantar, que me lembrem uma fase da minha vida.
Você contou que, quando se mudou para Montes Claros e viveu o sucesso local d’A Outra Banda da Lua, se sentia a Ivete Sangalo da cidade. Agora, tem um show grande com seu nome, banda, bailarinas… Você é a estrela dele. Como quem está se sentindo?
Eu me sinto tão Marina Sena. Encontrei meu lugar, cada vez mais estou trilhando um caminho meu, que é muito único. Sinto isso, de verdade. Lógico que tenho um milhão de referências, principalmente mulheres. Procuro sempre aprender com as pessoas que estou assistindo, com quem veio antes de mim. Mas não posso me comparar com nada. É muito meu esse trajeto, assim como os caminhos de outras pessoas são muito delas.
Marina Sena
Sobre o atual momento da carreira solo
E como tem sido essa vida de estrela solo? O quão diferente do que era com as bandas e do que você imaginava que seria?
Primeiro, tem a questão de melhorar de vida, obviamente. Antes o perrengue era de um tipo, agora é um perrengue chique. Antes era pegar estrada num carro apertado, agora é um perrengue de viajar de avião. Não muda exatamente o trabalho, mas o nível que a coisa acontece. Mas o que mais mudou mesmo foi a rotina. Antes, minha vida era mais sem agenda, agora é tudo na agenda. Tem que estar marcado, com horário, ou eu não consigo dar conta.
Você conheceu a Gal Costa, uma de suas maiores referências, no Rock the Mountain. Como foi?
Eu já tinha visto a Gal uma vez antes, mas lá em Petrópolis eu realmente conheci. Fiquei mais apaixonada ainda, porque ela é muito maravilhosa, é a diva do Brasil. Gal foi muito atenciosa comigo, lembrou que nós fazemos aniversário no mesmo dia. E eu nem sabia que ela sabia disso! Eu tenho certeza que temos uma conexão de outras vidas (risos).
Anitta era outra que você citava como inspiração. Assim que Por Supuesto viralizou, você logo estava numa festa na casa dela. Você tem o WhatsApp da Anitta?
Tenho (risos). Eu não acredito que posso chamar a Anitta de amiga. Eu amo muito ela. Gal Costa e Anitta, eu não me acostumo com o fato de elas me conhecerem, fico muito besta.
Por falar em Por Supuesto, você citou no palco do MITA Festival, em São Paulo, que queria achar quem postou o primeiro vídeo no TikTok. Você realmente não sabe quem foi?
Eu não tenho ideia de onde começou isso. Realmente, não sei. Acho que nem a pessoa sabe que ela fez o primeiro vídeo, até hoje não sei o que rolou.
Marina Sena
Sobre criar para o TikTok
Por falar em TikTok, tem rolado um debate sobre isso, né? Sobre compor pensando em viral. Agora que você viralizou por acaso, pensa nisso quando está compondo?
Tudo na minha vida eu gosto de fazer de forma natural. Seria hipócrita eu falar que não penso no TikTok, que não quero ser viral de novo lá. Mas o artista vive, sente e depois reproduz. Ele não pensa para reproduzir, ele reproduz naturalmente o que está no corpo e na cabeça dele. Se eu vivo hoje lá, consumo o TikTok, consumo as músicas que estão rolando lá, naturalmente tem uma matemática na cabeça que liga um ponto ao outro. Isso sem pensar ativamente em fazer música para o TikTok. A naturalidade está nisso. O artista traduz seu tempo, eu traduzo o tempo que eu vivo. Então, o que eu estou fazendo pode acabar tendo o timbre do que está rolando no TikTok, no streaming, porque é o que eu consumo. É pensado, mas não é.
No nosso último papo, você dizia que estava pronta para possíveis concessões que a fama exigiria. Sobre como se portar na TV aberta, por exemplo. Mas, nas redes sociais, você sentiu um pouco alguns comentários negativos sobre seu timbre diferente. Acha que não estava preparada para os haters?
Eu sinto que tem momentos e momentos. O hate é tóxico em qualquer situação, ninguém quer levar. Mas, na época que isso rolou, eu, Marina, estava mais fragilizada, e as coisas te atravessam mais, de certa forma. Tudo tinha meio que acabado de acontecer, foi muito rápido, da noite pro dia, de verdade. Numa semana, todo mundo amava a música. Na outra, foi hate, hate, hate, uma projeção muito rápida. E aí, de repente, tudo o que você fala tem um peso, não pode mais falar qualquer coisa. Mas era uma fragilidade minha, eu não deveria ter deixado me atingir tanto.
E como você se lembra disso agora?
Eu também não me julgo. Entendo o que vivi, minhas emoções e tal. Mas acho que não poderia me afetar tanto assim. Artista está aí para gerar confusão, para provocar. Gostar ou desgostar faz parte. O hate, te odiarem, também faz parte do tipo de provocação estética que você propõe.
Marina Sena
Sobre haters
Até porque, do outro lado do hate, tem quem goste muito.
Mas as coisas ruins na internet aparecem muito mais do que as boas. Você dá mais atenção para quem fala mal. E sinto as que pessoas podem se mobilizar mais para falar mal. Não que tenha sido meu caso, mas a internet é assim. Na hora que eu voltei para mim, eu puxei o lado bom, que é muito melhor.
Então lida melhor hoje?
Eu quase não estou vendo mais, mesmo. Às vezes me contam algo e eu não vi, não tenho tempo. Antes, eu entrava nos comentários das coisas. Agora, não vejo mais.
Li que seu segundo álbum já está pronto. O que pode falar sobre ele? Vai soar como o De Primeira? Vai ser muito diferente? Ou não vai ser parecido nem diferente?
É diferente do De Primeira porque acho que entrei mais no universo eletrônico. Até pelo fato de agora namorar e morar junto com o Iuri (Rio Branco, produtor do primeiro disco, quando ainda não tinham uma relação romântica). Ele é do computador. A gente resolve as músicas no computador. Eu ainda componho no violão, mas a presença dele é menos forte no disco do que no De Primeira. A batida é mais eletrônica, menos orgânica do que era. E sinto que o disco está mais pop, em termos de estilo. Embora nunca deixe de ser estranho. Eu tento não ser estranha, mas não consigo.
Marina Sena
Sobre próximo disco, já gravado
Se é mais eletrônico, pode ornar bem com o De Primeira no tipo de show dançante que você tem feito…
Meu lugar favorito de tocar é em festival. Pela troca com outros artistas e porque acho que quando a pessoa está indo para um festival, vai atrás de uma experiência específica, que é musical. Todo mundo reunido para ter várias experiências musicais, um ambiente propício para isso. A música que eu estou fazendo agora tem mais a ver ainda com isso. É musica para tocar em festivais.
E pretende lançar ainda em 2022?
Em 2022, vou lançar singles, mas o disco mesmo só no ano que vem. Vou trabalhar mais o De Primeira. É um disco muito bom para parar de trabalhar logo, assim.
Luccas Oliveira
Luccas Oliveira é editor de música na Tangerina e assina a coluna Na Grade, um guia sobre os principais shows e festivais que acontecem pelo país. Ex-jornal O Globo, fuçador do rock ao sertanejo e pai de gatos, trocou o Rio por São Paulo para curtir o fervo da noite paulistana.
Ver mais conteúdos de Luccas OliveiraTangerina é um lugar aberto para troca de ideias. Por isso, pra gente é super importante que os comentários sejam respeitosos. Comentários caluniosos, difamatórios, preconceituosos, ofensivos, agressivos, com palavrões, que incitam a violência, discurso de ódio ou contenham links vão ser deletados.
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