MÚSICA

The Weeknd e Tomoko Aran

Montagem/Tangerina

Curiosidades

De um bug no YouTube ao álbum de The Weeknd: Conheça o gênero city pop

Durante a fantasia capitalista do Japão dos anos 1980, nasceu e morreu o gênero musical city pop, que agora ressurge e influencia diversos artistas, passando por Ed Motta e Yubin (ex-Wonder Girls), ao mais recente clipe de The Weeknd

Jessica Pinheiro
Jessica Pinheiro

O lançamento do clipe de Out of Time, single do canadense The Weeknd, traz diversas referências. Não bastasse contar com as participações do astro Jim Carrey e da atriz e modelo sul-coreana Jung Ho-Yeon (conhecida pelo fenômeno Round 6, da Netflix), o vídeo é ainda carregado de homenagens a Encontros e Desencontros, famoso filme de Sofia Coppola.

The Weeknd - Out of Time

The Weeknd - Out of Time

Videoclipe conta com participação de Jung Ho-Yeon (Round 6) e Jim Carrey

Mas as raízes da composição da canção Out of Time, que faz parte de Dawn FM, o mais recente álbum de The Weeknd, também conta com uma referência um tanto obscura: o sample que acompanha a voz de Abel vem da música Midnight Pretenders, da cantora japonesa Tomoko Aran, lançada em 1983.

Midnight Pretenders, por sua vez, faz parte do gênero city pop. O estilo musical nasceu e morreu no Japão entre 1970 e o final da década de 1980, mas foi trazido de volta graças a DJs de future funk, a artistas inspirados por este esquecido gênero e, em especial, por conta de um bug no algoritmo do YouTube.

Vem com a Tangerina para entender melhor esta história.

A palavra de Plastic Love e o bug no YouTube

É quase certo que você, ao navegar pelo YouTube nos últimos cinco anos, tenha se deparado com um vídeo intitulado Mariya Takeuchi – Plastic Love. Caso não, no mínimo o viu de relance na esteira de recomendações ao lado direito da tela (ou abaixo, na versão móvel). A música em questão foi lançada em 1984, no Japão, como parte do álbum Variety que, na época, alcançou a primeira posição da Oricon, principal empresa que registra as paradas musicais japonesas.

Capa do single Sweetest Music da Mariya Takeuchi

Quando apareceu no YouTube, o vídeo não oficial de Plastic Love usava a capa de outro single de Mariya Takeuchi, Sweetest Music

Reprodução/Moon

Ao contrário do álbum, porém, a faixa Plastic Love não fez sucesso. Quando foi lançada como single em 1985, ela sequer emplacou no topo das paradas musicais da Oricon, contentando-se com a posição 86 e vendendo pouco mais de 10 mil cópias. Isso até 2017, quando um vídeo não oficial da música foi colocado no YouTube e, por conta de um bug no algoritmo da plataforma, passou a ser recomendada recorrentemente—muitas vezes aparecendo até quando não havia relação nenhuma com o que estava sendo assistido.

Antes de ser deletado, o feito rendeu ao vídeo original 63 milhões de visualizações até 2019. Graças a isso, a palavra de Plastic Love, de Mariya Takeuchi, se popularizou rapidamente nos quatro cantos da internet, abrindo espaço para a criação de inúmeros covers, artes de fãs, remixes e teorias da conspiração. Com o sucesso tardio da música, uma nova versão do single foi distribuída em 2021 pela Warner Music Japan, com direito a um videoclipe inédito, gravado 35 anos depois do lançamento original da faixa.

MV de Plastic Love de Mariya Takeuchi

Mariya Takeuchi - Plastic Love

Clipe inédito de Plastic Love foi gravado e lançado 35 anos depois do lançamento da faixa

O city pop como expoente do Japão em 1980

Assim como Midnight Pretenders, de Tomoko Aran —do sample que abre o hit Out of Time, de The Weeknd—, Plastic Love também faz parte de um gênero musical há muito esquecido, popularmente conhecido como city pop. Entre os japoneses que vivenciaram os anos 1970 e 1980, esse estilo musical foi amplamente conhecido como new music, e marcava a era da fantasia capitalista do Japão.

Nesse período, o país queria passar uma imagem moderna e brilhante. Já que as Forças Armadas atuavam apenas para autodefesa após o final da Segunda Guerra Mundial, grande parte do dinheiro passou a ser investido em tecnologia, incluindo videogames, automóveis, dispositivos de composição e reprodução de áudio —instrumentos eletrônicos, walkmans e fitas cassete—, dentre outros. 

Houve também a euforia da exportação em massa de artigos tecnológicos, que contribuiu muito para a indústria fonográfica, em especial por conta dos sistemas de som automotivos. Por sua vez, os dispositivos reproduziam melodias leves e divertidas, repletas de jazz, new wave, swing, disco e funk, que acompanhavam discursos românticos em suas letras. Tudo isso gerou uma próspera sensação cosmopolita entre os japoneses: foi a era da ascensão tecnológica e econômica do país, com muito glamour e modernidade.

Poolside-Towel (2019) de Hiroshi Nagai

Muitas capas de discos de city pop da época foram influenciadas pelo movimento Pop Art e produzidas por pintores famosos, como Poolside-Towel (2019), de Hiroshi Nagai

Reprodução/Hiroshi Nagai

O city pop em si —ou new music, como era conhecido na época— era bastante influenciado pelo ocidente, mesclando diferentes estilos musicais que pudessem trazer uma sensação urbana em suas melodias. Entretanto, em meados de 1980, vale apontar que o Japão passou pela famigerada bolha financeira e imobiliária, quando o setor inflacionado gerou um colapso econômico. Por tabela, a indústria fonográfica também foi afetada, causando assim o esquecimento do city pop.

Após três décadas, city pop foi ressuscitado

Ainda hoje, existem discussões se o city pop é realmente um gênero, mas uma coisa é certa: depois de servir como uma plataforma social e passar por um período dormente nos confins das memórias da história da música, esse estilo retorna com força, e sua influência reverbera até mesmo em produções de renome da atualidade.

É impossível falar do retorno do city pop sem mencionar o future funk, um subgênero derivado do vaporwave que se consolidou em 2012. Neste estilo musical, geralmente são usados samples de grandes hits da era disco do anos 1970 e 1980 mesclados aos vocais de alguma cantora japonesa. Embora o vídeo de Plastic Love seja um dos principais responsáveis pelo renascimento do city pop, é inegável que o future funk também teve sua parcela de importância em repopularizar o gênero japonês.

Tudo isso graças a produtores como マクロスMACROSS 82–99, um mexicano apaixonado por música eletrônica e animes, ou o norte-americano Yung Bae. Desired, Tanuki e Flamingosis são apenas outros exemplos de produtores que utilizaram o city pop como principal fonte em seus experimentos no future funk.

Além dos nomes citados acima, a idol sul-coreana Yubin também não mede esforços para demonstrar que o city pop a influenciou em seus mais recentes trabalhos. Em 2018, ela fez seu debut em carreira solo e lançou o single Lady, recheado de referências ao gênero japonês tanto na composição quanto no clipe.

Yubin no MV de Lady

Yubin - Lady

Idol sul-coreana também se inspira em city pop ao lançar seu debut solo

A onda tem se estendido na Coreia do Sul e diversas outras idols e grupos estão investindo em produções inspiradas em city pop. Podemos citar as meninas do Wonder Girls (grupo de Yubin) com Rewind, Bronze (com participação de Luna) no hit Melody, e o girl group TWICE com Say Something, dentre outras. Vale ainda mencionar YUKIKA, uma idol japonesa amplamente inspirada pelo gênero que fez seu debut em 2019 na Coreia do Sul com o single Neon. A faixa marca a carreira da artista como a mais nova e jovem rainha do city pop, já que seus trabalhos seguintes também contam com toques retrô.

E enquanto The Weeknd ajuda a repopularizar (ainda que de forma indireta) o city pop na América do Norte, por aqui, Ed Motta talvez seja o principal representante do gênero no Brasil. Além de lançar um disco em 2018 inspirado no estilo musical japonês, o AOR, o artista, compositor e produtor contribuiu com uma edição digital da lendária revista de música Wax Poetics, montando uma mixtape e falando um pouco dos principais artistas que o influenciaram.

Para conhecer mais…

Abaixo, você pode escutar uma playlist com alguns dos principais hits do city pop nos anos 1980 para conhecer mais sobre o gênero.

E aí, já conhecia algum artista ou banda de city pop? Sabia da influência do gênero em Out of Time do The Weeknd ou da curiosa história do bug no algoritmo? Comente abaixo!

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Jessica Pinheiro

Jessica Pinheiro

Repórter da Tangerina, Jessica Pinheiro já cobriu games e tecnologia em veículos coo IGN Brasil, Loading TV e The Enemy. É streamer nas horas vagas e nasceu no Ceará, mas infelizmente não tem sotaque. Ama karaokê e também assina a Koluna Pop, onde traz todas as novidades do universo do k-pop.

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