Atriz sofre para cantar ‘glórias da Rússia’ em plena guerra na Ucrânia

Em um ano marcado pela invasão à Ucrânia, a atriz Carol Costa precisou encarar um desafio inesperado. No musical Anastasia, que pausou suas apresentações no fim de ano mas volta aos palcos em 5 de janeiro, ela interpreta a condessa Lily, russa que mora em Paris mas sente falta do país natal. Durante um número, a personagem chega a cantar as glórias da “Mãezinha Rússia” para o público. “Fiquei pensando: ‘Como é que eu vou fazer isso nesse momento?'”, admite a artista.

A trama de Anastasia, é claro, nasceu muito antes da guerra. Os primeiros laboratórios para o musical começaram em 2012, e a estreia na Broadway ocorreu em 2017. Mas a história não começou aí: a produção é baseada na animação homônima de 1997, que por sua vez se aproveitou da história real da jovem filha do czar Nicolau 2º (1868-1918), morta durante a Revolução Russa (1917-1923) –ou seja, em uma década em que Vladimir Putin sequer cogitava nascer.

Ainda assim, o timing da produção teatral preocupou Carol. “Eu tinha que fazer uma russa, cantar uma música em que falo o quanto amo a Rússia, em um momento em que nós estamos vendo coisas horríveis sobre a Rússia na TV”, desabafa a atriz em conversa com a Tangerina. A solução para o problema? Não pensar demais. “Eu visto a camisa e conto a história como ela precisa ser contada.”

Aclamar a Rússia não foi o único desafio de Carol Costa na preparação para Anastasia. Lily é responsável por boa parte dos momentos cômicos do musical, formando uma dobradinha inspirada com Vlad, personagem de Tiago Abravanel. “Essa coisa da comédia sempre me procura, a Hebe tinha um tom bem divertido, no Chaves tinha a responsabilidade da referência, mas que nós fomos muito livres para criar”, lembra ela, citando outros de seus trabalhos relevantes.

“Em Anastasia, o humor é diferente, é outro tipo de comédia, outro texto, tem uma coisa mais formal na linguagem da Lily. Eu não fazia ideia de como ia conseguir trazer aquilo para a minha boca. E, por ser uma franquia [internacional], você tem que ser fiel àquela forma que vem de fora. Eu tive muito receio, fiquei me cobrando como atriz, pensando: ‘Preciso ser engraçada’. Entrei numa piração! Mas não tem muito o que criar, então segui meus instintos e fui fiel à montagem que já era sucesso lá fora. Quando juntou com o Tiago, casou muito bem. E, depois da resposta inicial, fui ganhando confiança para brincar mais, dar uma abrasileirada naquilo.”

Carol Costa também viveu Roxie Hart no musical Chicago

Divulgação/Andy Santana

Anastasia veio como uma coroação para um 2022 lotado de trabalho para Carol. A atriz interpretou Wendy no musical Peter Pan, Chiquinha no espetáculo Chaves e ainda deu vida a uma das maiores personagens do teatro musical mundial: Roxie Hart, protagonista de Chicago. Ao lado de Emanuelle Araújo (Velma Kelly) e de Paulo Szot (Billy Flynn), único brasileiro a vencer o prêmio Tony de atuação, ela dançou as intensas coreografias de Ann Reinking (1949-2020) inspiradas no célebre Bob Fosse (1927-1987). Além de cantar e interpretar uma espécie de influenciadora dos anos 1920, capaz de qualquer coisa pela fama –até de matar o amante e fingir uma gravidez na cadeia para manter a atenção da imprensa.

“Eu comecei a fazer balé muito pequena. Fui crescendo, fazendo minhas escolhas, muitas vezes nadando contra a maré. O mercado de musicais é mais intenso em São Paulo, mas eu comecei no Rio de Janeiro fazendo Gypsy. E observei que as pessoas eram colocadas dentro de caixinhas: ‘Ah, você é bailarina, então não vai ter microfone para cantar’. Mas eu queria ser uma artista completa, estudar muito, crescer. Quando o Miguel Falabella me chamou para fazer a jovem Hebe, em 2018, veio uma virada de chave e as pessoas começaram a me enxergar como atriz e cantora, além de dançarina. Eu já me via assim, mas faltava fazer o resto do mundo ver também (risos)”, brinca.

Fazer quatro papéis diferentes em um ano também ajudou Carol a mostrar versatilidade –para o público, para os produtores de teatro e para si mesma. “Acho que, se a atriz não se permitir, ela fica presa no mesmo perfil. Eu gosto de mudar o corpo, o cabelo, fazer papéis bem diferentes. É uma coisa que busco a cada trabalho. Neste ano, aconteceu de ter muitos projetos, cheguei a me perguntar: ‘Será que as pessoas vão se cansar da minha cara?’. Mas também não fujo das oportunidades, elas vieram. Às vezes, você faz uma protagonista e ninguém convida mais para fazer coadjuvante, então é importante aparecer também. A Lily não é a personagem principal, mas surgiu como a cereja do bolo em um ano incrível”, finaliza.

Para 2023, além de retomar Anastasia logo no primeiro mês do ano, a atriz sonha com um papel no audiovisual –na TV aberta, na paga, no streaming ou no cinema. “São tantas oportunidades que estão surgindo agora, eu espero que as portas se abram para mim também. Meu sonho é continuar no gás em que estou agora, trabalhando com a arte, fazendo teatro, tanto musical quanto de prosa, que também amo”, conta. Alguma personagem dos sonhos? “Não tem um papel específico. Quando algum cai na minha mão, falo que já sonhava com ele e não sabia.”

O musical Anastasia volta a ser apresentado no Teatro Renault (avenida Brigadeiro Luís Antônio, 411, Bela Vista – São Paulo) em 5 de janeiro. As sessões acontecem toda quinta e sexta, às 21h; sábado, às 17h e às 21h; e domingos, às 16h e às 20h. Os ingressos estão à venda no site da Tickets For Fun e custam de R$ 45 a R$ 350.