Ator vira maratonista para ir de Kafka a Secos e Molhados em 2 horas

Atores de musical precisam ser verdadeiros atletas, para cantar, dançar e atuar sem perder o fôlego. Marcos Lanza pega essa máxima e a eleva à enésima potência: não só quando sobe ao palco, mas correndo (literalmente) de um teatro para o outro. É que ele está em cartaz com dois espetáculos: atua em Kafka e a Boneca, do qual é protagonista, e em Homem com H, sobre a vida e a carreira de Ney Matogrosso. “No domingo, a sessão de Kafka acaba às 17h, e às 19h já estou no Ney. Não sei nem como viro a chave, chego e já saio fazendo”, desabafa, aos risos.

Os espetáculos não poderiam ser mais diferentes. Kafka é vendido como um musical infantil –embora trate de temas intensos e que merecem uma conversa dos pais com os pequenos depois que as cortinas se fecharem–, enquanto Homem com H explora todas as facetas de um artista que chocou a sociedade conservadora com seu visual andrógino e sua sexualidade escancarada. “Acaba que eu faço oito apresentações por semana, então demanda muita energia, a voz fica cansada. É puxado!”

A maratona acaba neste sábado (29), com o fim da temporada do musical sobre Ney Matogrosso, que tem suas sessões derradeiras às 15h30 e às 20h30, no Teatro Procópio Ferreira (rua Augusta, 2.823), em São Paulo. Será o último dia em que Lanza dará vida aos sete personagens diferentes que encara ao longo de cada apresentação. “Alguns são muito pequenos, têm três falas, mas o Ney fez questão de que aparecessem no espetáculo. O Leonardo Villar [ator de O Pagador de Promessas, 1923-2020], por exemplo, ele queria que estivesse na peça”, justifica.

“São todos personagens reais. De alguns eu encontrei mais registros; de outros, quase nada. Do Moracy do Val [jornalista e produtor musical do Secos e Molhados] tinha pouca coisa, mas a gente pôde fazer um bate-papo com o Ney durante os ensaios e perguntar sobre a importância de todas essas pessoas para ele. Isso ajudou muito, porque precisava seguir a linha mais naturalista que o Renan [Mattos, que interpreta Matogrosso] tinha adotado.”

A conversa com Ney, aliás, foi um dos momentos mais importantes para Lanza e o elenco de Homem com H. “Todo mundo ficou muito impressionado naquele dia, era simplesmente o Ney Matogrosso na nossa frente! Ele ficou umas três horas conosco, contou as histórias que retratamos no musical. E nós embarcamos nessa energia que ele tem, que transcende. Ele é um pouco tímido, acredita? Fala no próprio ritmo. Contou que as crianças gostam muito dele, porque o viam e não sabiam se ele era um inseto, se tinha vindo de outro planeta (risos). Nós vimos a liberdade que ele representa, de ser quem ele é sem se importar com o que pensam”, valoriza Lanza.

A trajetória de Homem com H acaba neste sábado, mas Kafka e a Boneca segue até 18 de junho no Teatro do Sesi (Centro Cultural Fiesp, na avenida Paulista, 1.313). No musical, inspirado em uma história supostamente real vivida por Franz Kafka (1883-1924), o escritor ajuda uma menina a lidar com o sumiço de sua boneca. Ele começa a escrever cartas como se fosse o brinquedo, retratando aventuras imaginárias por todo o planeta. O roteiro de Marllos Silva, que também assina a direção, é de uma sensibilidade ímpar.

O espetáculo é apresentado como um produto para crianças, embora Marcos Lanza discorde da classificação. “Sempre achei que não era infantil, brinco que é infantojuvenil para ficar no meio do caminho. Mas fazemos para pessoas de todas as idades, inclusive crianças muito pequenas, muitas que estão indo ao teatro pela primeira vez, e nos agradecimentos eu me sinto em um show do Coldplay (risos). O público infantil surpreende a gente, acho que todos assimilam o que precisa ser assimilado.”

Sem dar muitos spoilers, Lanza precisa se transformar diante da plateia. Kafka começa o espetáculo como um escritor seco, que não gosta de crianças, e termina como um homem que não suporta a ideia de magoar sua nova amiga –mesmo que ela nem saiba que as cartas que recebe são dele, e não da boneca desaparecida. “É uma curva dramática feita em pouco tempo, tive que pensar em alguma coisa que demonstrasse isso de forma rápida.”

Viver Kafka é uma experiência rara na carreira do ator; ele está mais acostumado a interpretar vários personagens menores em um mesmo espetáculo. “Quando você é protagonista, tem toda uma trajetória em cena, né? Não posso ficar pensando muito no que vem depois, nas próximas falas. Como eu tenho muito texto, preciso vivenciar o presente, porque me preocupar com a próxima cena me atrapalharia.”

Marcos Lanza também é jurado do Canta Comigo

Arquivo pessoal

Além da dose dupla no teatro, Marcos Lanza também bate ponto no Canta Comigo, da Record. Ele é um dos cem jurados que avaliam as apresentações dos calouros de Rodrigo Faro. Não é um trabalho que ele pode fazer de qualquer jeito, já que está lidando com o sonho dos outros. “É uma responsabilidade estar ali, julgando. São cem jurados, mas um pode fazer toda a diferença. Muitas pessoas ali nunca nem cantaram na TV antes.”

“Mas eu tenho para mim que eu compartilho experiências. Tudo que falo e tento ver ali é em prol da apresentação, não vai definir quem o candidato é. Eu falo pra ajudar. Às vezes a dificuldade que ele teve já foi a minha dificuldade. E quando tudo é perfeito, não tem nada pra comentar, a gente só quer elogiar. Eu sempre penso: ‘E se fosse eu? Será que eu teria essa coragem de enfrentar esse paredão de jurados?’. Tento me colocar no lugar da pessoa.”