Divulgação/Tinko Czetwertynski
Francesca Alterio comenta tópicos como Turá, Popload, concorrência do Primavera Sound e lições tiradas do último Lollapalooza Brasil
Desde 2020, Francesca Alterio atende pelo cargo de diretora de festivais da T4F (Time For Fun). Na prática, isso significa que ela está por trás da execução de alguns dos principais eventos de música do país, entre eles o Lollapalooza Brasil e o Popload Festival.
A partir deste fim de semana, entra oficialmente nesta lista o estreante Turá, que vai ocupar uma área do Parque Ibirapuera, em São Paulo, com 24 artistas nacionais.
Ou seja, assunto com ela não falta. E Francesca topou falar com exclusividade com a coluna Na Grade durante quase uma hora. Sem se esquivar de perguntas, a executiva, que chegou à T4F em 2017 e tem formação em Marketing, comentou, por exemplo, o boom de festivais que se observa no país desde a reabertura.
“Sinto dizer que poucos vão conseguir sair do outro lado”, alertou, sobre a sustentabilidade financeira dos festivais. “Porque, no final do dia, é um negócio. Apesar do propósito dos eventos, a meta final é financeira. Dá muita alegria colocar um evento de pé, lotado, lindo. Ao mesmo tempo, é complexo quando não tem um reconhecimento financeiro depois”.
Veja os principais tópicos da entrevista:
Tangerina: Qual tem sido o principal desafio nessa retomada dos grandes eventos em meio a uma crise financeira?
Francesca Alterio: Acho que as pessoas menosprezam a complexidade que é fazer um evento de grande porte. São muitos elementos que precisam acontecer ao mesmo tempo, e é um equilíbrio bem delicado. Economicamente, é um momento delicado. O câmbio é um grande inibidor de muitos projetos.
Quando se trata de eventos internacionais, a margem é supercomida pelo câmbio. A economia local, a disponibilidade das pessoas de ter gastos discricionários, nada disso está contribuindo. Muitos fornecedores também tiveram dificuldades financeiras ao longo da pandemia, o que fez com que o custo de produção subisse muito no pós.
É um equilíbrio bem difícil, que todo mundo tem que aprender a navegar. Do lado da T4F, são 40 anos de experiência, a gente já passou por diversos momentos econômicos. Então temos experiência, fórmulas. O cachê está mais alto? Eu compenso isso em outra linha, e assim vai. É um momento muito desafiador, e sinto dizer que poucos vão conseguir chegar ao outro lado.
Em que sentido?
De conseguirem realizar eventos de sucesso. Porque, no final do dia, é um negócio. Apesar do propósito dos eventos, a meta final é financeira. Dá muita alegria colocar um evento de pé, lotado, lindo. Ao mesmo tempo, é complexo quando não tem um reconhecimento financeiro depois.
Ao mesmo tempo, há a impressão de que no pós-pandemia temos mais festivais do que nunca. E a grande maioria tem tido bom público.
O público está muito sedento por experiências. A pandemia ajudou a enaltecer o ao vivo, que é vital para a vida de todo mundo, você ter conexões. E é um momento em que as marcas estão querendo também ter um contato genuíno e direto com o público. Os eventos acabam sendo a plataforma ideal para essa junção. Então têm surgido muitos eventos.
A maioria do que se vê é nacional, por conta do câmbio, então as empresas acabam optando por conteúdos nacionais, que não têm esse risco financeiro tão grande. Mas acho maravilhoso esses eventos estarem surgindo. O Turá é um deles. Foi uma criação nossa durante a pandemia e estamos com vários outros novos para lançar, também com propostas bem diferentes. Tem espaço para todo mundo.
Uma crítica que temos lido é em relação aos line-ups de festivais nacionais, que repetem diversos nomes entre si. Muitos eventos vêm com escalações do pré-pandemia, quando já tinham fechado contratos com artistas, e outros que surgiram durante a pandemia não vão sendo tão contemplados. O Turá teve essa preocupação?
Com certeza, foi um dos pilares em que a gente mais focou. O evento nasce de uma vontade de celebrar o Brasil, a pandemia também enalteceu isso, de um Brasil diverso. Temos tantos estilos musicais maravilhosos, artistas de gêneros e estilos diferentes, que nosso maior desafio foi celebrar essa diversidade de uma forma coesa. E que não ficasse uma bagunça, um carnaval.
Queríamos trazer algo diferenciado, por isso você vê no line-up alguns convites, para ter esse aspecto de inesperado. Você consegue ver um show do Nando Reis com uma certa frequência em São Paulo, por exemplo. Então como a gente traz uma coisa nova? Daí vem o convite para o Jão com o Nando Reis, do Baco com Marina Sena e Illy.
Teve alguma ideia que não conseguiram botar em prática, nesse sentido?
A gente estava tentando muito, também, a ideia de cantores icônicos cantarem sucessos antigos. Por exemplo, um sonho que a gente ainda está tentando é um show do Caetano Veloso tocando Transa. Como eu trago um nome incrível, nacional, mas com um aspecto de novo? Então é muito essa proposta de curadoria do festival, sim.
São Paulo é uma cidade com muitos festivais. Quando vocês estavam criado o Turá, qual lacuna ou demanda pensavam que ele ia preencher?
Sem querer criticar nenhum outro festival, porque acho que eles fazem um trabalho muito incrível, a gente sentia a necessidade de ter uma alma, um propósito por trás do line-up. Eu posso divulgar Marina Sena, Gloria Groove, Duda Beat, artistas que a gente vê com recorrência… Mas o Turá nasceu de uma necessidade nossa de responder: “O que a gente quer falar com esse projeto?”.
E aí veio dessa ideia da brasilidade, né? Veio dessa celebração do que é nosso, por diversas razões. Nossa empresa nasceu há 40 anos pela paixão pela MPB. Apesar de já termos feito show de todos os grandes artistas da música brasileira, nunca fizemos um projeto que juntasse eles e os apresentasse de uma forma coletiva.
Foram feitos milhares de estudos, pesquisas e mapeamento de tendências dentro desse universo para a gente conseguir identificar onde queria entrar e qual era oportunidade de mercado. O Brasil é o país que mais consume música local. E estamos num momento de nostalgia, no qual até os jovens ouvem muito Gal Costa, Caetano Veloso, Maria Bethânia, Alceu Valença… Então, ficou muito claro que existia uma oportunidade da gente juntar artistas de diferentes estilos e diferentes tamanhos, com trajetórias bem diferentes, numa mesma plataforma.
Alguns comentários reclamam que o Turá é no Parque Ibirapuera com ingressos pagos, sendo que o local costumava receber eventos gratuitos. Como você vê essa reclamação?
Foi uma felicidade, pra gente, conseguir fazer o evento lá. É um marco do Brasil, de São Paulo, com obras do [Oscar] Niemeyer… É uma transição que o parque está tendo hoje. Era um parque público, foi feito uma concessão. A gente se baseou muito também em festivais ao redor do mundo. Para citar dois dos maiores, Lollapalooza de Chicago e British Summer Time Hyde Park [em Londres] são feitos no coração das cidades, no parque das cidades, e também são eventos privados.
Tem uma grande diferença entre um evento privado, mesmo que num espaço público, e um evento público, que tem outras características. A nossa preocupação maior foi pensar na experiência do fã mesmo. Eu entendo que ele vai ter uma experiência muito mais rica e completa dentro do parque, obras maravilhosas, central, fácil acesso, arborizado e tal, em vez de qualquer lugar que se faz show normalmente.
O Popload Festival, outro evento da T4F, também vai para um lugar novo. Sai do Memorial da América Latina e vai para o Centro Esportivo Tietê. É um movimento ativo de vocês encontrarem novos espaços para festivais, por mais que seja cômodo ficar em locais já testados anteriormente?
Com certeza, mas é uma missão difícil. Por incrível que pareça, São Paulo é uma cidade gigantesca, mas as opções de espaço são bem restritas. Há anos a gente corre atrás porque o espaço é um diferencial. Ele agrega muito na experiência como um todo. Estamos sempre em busca de novos espaços, o Centro Esportivo Tietê foi uma surpresa muito agradável. Também é uma área arborizada, um parque de fácil acesso, perto do metrô. Foi uma grata surpresa.
A partir de novembro teremos um novo festival na cidade, o Primavera Sound. Na minha visão, ele tem uma linha de curadoria que fica entre o Lollapalooza e o Popload, e em termos de calendário também está entre os dois. Como a chegada dessa nova marca, estabelecida internacionalmente, tem impactado o planejamento de vocês?
Não tem impactado muito. Acho que é uma questão de calendário. Claro, ninguém vai fazer um festival colado um no outro, até porque não faz sentido. Mas eu acho que tem espaço para todo mundo. Quando você olha cases globais, a Cidade do México tem mais de 32 festivais. Os Estados Unidos, então, milhões. Inglaterra tem mais ainda.
Cada um chega com seu posicionamento, com sua curadoria específica. É claro que, quanto mais festivais brigando por artistas, mais dificulta fechar e mais eleva o valor do cachê. O que, claro, é uma equação complexa para toda a indústria. Dito isso, eu fico superfeliz de ver que o Brasil está atraindo grandes eventos e continua se posicionando como um polo cultural de música.
Muita gente elogiou o line-up do Primavera Sound por trazer artistas que a gente acompanha, mas que não parecia que viriam tão cedo ao brasil. É um pouco da proposta do Lollapalooza, talvez em menor grau em um ou outro ano. Falo de Beach House, Mitski, Father John Misty, Charli XCX, nomes que estão bem posicionados no cartaz. O sucesso dessa curadoria, que é um pouco mais ousada que de outros festivais, pode permitir que o Lolla seja mais ousado?
Eu acho que o Lolla já é bem ousado. A gente tem uma tradição de trazer nomes consagrados e nomes em ascensão. Parte do sucesso do Lolla é justamente essa mistura de vários estilos dentro de um mesmo evento. Dito isso, eu também acho que o Primavera é reconhecido mundialmente pela curadoria deles. É o grande diferencial deles é esse.
Por isso que eu acho saudável ter concorrência, de uma forma geral. Porque são provocações que um evento acaba obrigando o outro a fazer. Tipo “será que eu deveria ir para um lugar mais indie, de bandas menores? Ou ter mais mulheres no meu line-up?”. Acaba gerando provocações positivas para todos. No Lollapalooza, estamos sempre olhando o booking de todos os eventos, todo dia que sai um line-up no mundo mandamos no nosso grupo. É se inspirar no que está acontecendo no mundo e tentar achar um meio de caminho, o nosso lugar.
O Brasil é um país de tamanho continental, mas o foco dos eventos acaba sendo basicamente São Paulo e Rio de Janeiro. Vocês pensam em descentralizar, em fazer festivais em outros locais?
Com certeza. Nossos festivais hoje estão muito focados em São Paulo, mas existe um plano. Inclusive para o Turá, nossa ideia é, com a evolução do produto ao longo dos anos, levar para outras praças e cidades do Brasil.
Miley Cyrus como headliner se provou um grande acerto. A partir disso, vocês pensam em continuar apostando em headliners mais pop?
Não sei se o pop necessariamente é um foco específico. Mas, nos últimos anos, têm surgido inúmeros artistas novos, para surpresa de muita gente da indústria. Se a gente olhasse até cinco anos atrás, quando entrei na T4F, não vou dizer que não tinha um leque gigante de artistas, mas a gente sempre acabava focando meio ali nos tradicionais. Ao longo desses cinco anos, vi milhares de nomes surgirem numa ascensão muito rápida.
Nomes como Dua Lipa, Lil Nas X, Travis Scott, Kendrick Lamar, Lizzo, Billie Eilish, artistas que surgiram muito rápido. Isso tem chamado nossa atenção, e é um exercício que estamos fazendo para que seja refletido, sim, no nosso line-up. Trazer nomes novos, mais frescos, que o público mais jovem e antenado já é superfã. É uma prioridade, um foco, mas acho que a beleza mesmo do Lollapalooza é a mistura. Sempre vai ter o equilíbrio, uma banda de rock tradicional e o cara novo, que traz frescor.
A Miley foi uma surpresa maravilhosa e estamos pensando, sim, mais nesses nomes mais jovens.
A edição do Lollapalooza deste ano foi conturbada, por motivos que vão além da organização, como chuvas e a tragédia com Taylor Hawkins [1972-2022], mas também teve a polêmica sobre acessibilidade, que viralizou nas redes. Quais lições vocês tiraram para as próximas?
São sempre muitas lições. A gente faz um trabalho muito extenso, pós-evento, de entender o que funcionou ou não. A gente sempre quer melhorar e é difícil atentar às expectativas de todo mundo. Mas é um trabalho árduo. Essa edição, especificamente, teve um desafio que foi o pós-pandemia. Tinha dois anos que ninguém fazia evento, todo mundo enferrujado, muitos fornecedores perderam equipe, estrutura…
Fui a vários eventos fora do Brasil e os produtores falavam isso, que estava muito difícil, sem equipe, sem braço, as pessoas perderam a agilidade que vem com a prática. E isso foi visível no Lolla. Espero que não para o público, mas para a gente, que cuida dos detalhes.
Você citou as chuvas. São tomadas de decisão muito difíceis. E a gente tem como prioridade um a segurança do público. Estamos lidando com 100 mil vidas ali dentro. Entendo a frustração do público quando a gente interrompe o festival, mas as nossas decisões foram 100% tomadas pensando na segurança do público. A gente teve problemas com chuvas em 2019, pela primeira vez e, agora, infelizmente, tivemos de novo. Fiquei orgulhosa de ver a evolução da equipe, do protocolo de segurança, da rapidez.
E sobre a parte da acessibilidade?
Eu tenho conversado muito sobre o tema, inclusive com amigos, e é um tema complexo. Porque é uma situação difícil de lidar, dependendo do tipo de deficiência, num evento deste porte. A gente fez várias iniciativas neste ano, audiodescrição, Libras, kit livre para acessibilidade… Mas realmente tivemos um problema no Lolla Lounge, que a (influencer) Pequena Lo se referiu.
Mas tem um desafio que é o espaço. O Autódromo de Interlagos tem 600 mil m², de uma área que não é plana, tem grama. São desafios, mas é um ponto que a gente está superfocado em melhorar. Não só para o Lolla, mas para todos os nossos eventos. O Turá a gente está tendo um cuidado extra nessa frente. Mas fico muito feliz de ouvir feedbacks, quando construtivos.
O que é possível fazer, dentro da estrutura do Autódromo de Interlagos, para melhorar a experiência do público?
A gente tem uma relação ótima, porém complexa. Porque não é uma área feita para eventos. É um autódromo. Muitas vezes, não temos a liberdade que a gente gostaria para fazer obras, até porque o autódromo tem um calendário bastante complexo de eventos e corridas. Então a gente acaba não tendo muito tempo para fazer mudanças. Mas temos planos. O próprio Autódromo tem investido em novas áreas, em fazer benfeitorias dentro do evento. Temos coisas planejadas há anos, que a gente tenta fazer, e por um motivo ou outro político, administrativo, acaba não rolando.
A gente tem toda a vontade, interesse, gostaríamos de fazer mais, mas o Autódromo tem as suas prioridades, a sua gestão, que independe do Lollapalooza.
Mas a ideia é seguir no Autódromo?
Com certeza.
E já estão costurando o line-up do próximo Lollapalooza?
Está quase pronto. A gente trabalha sempre com um ano de antecedência com o booking e a experiência. Já está bem costurado. E eu estou muito feliz.
Você consegue efetivamente curtir alguma coisa dos festivais?
Olha, não muito. O único show que eu curti foi o da Miley Cyrus, que eu realmente vi do começo ao fim. E o de domingo, também, com Emicida, Mano Brown, Planet Hemp…
E como foi lidar com a tragédia envolvendo Taylor Hawkins e o cancelamento do show do Foo Fighters?
Eu fui num evento recentemente e alguém até propôs fazer um documentário. Porque ninguém sabe o que rolou no backstage. Foi um grande desafio. Mas tenho que dizer que apesar da tragédia, da dificuldade de conseguir repor alguma coisa diante do acontecimento, eu fiquei muito orgulhosa do que a gente fez. Foi um momento histórico para o Brasil, para o rap nacional, e um marco no Lollapalooza. Encerrar uma edição tão histórica com bandas e cantores nacionais.
Foi muito triste para a produção, muitos conheciam pessoalmente o Taylor Hawkins e todo o time do Foo Fighters. Mas também fico orgulhosa pelo trabalho que fizemos, porque colocamos de pé um show histórico e acho que muito sensível. O Emicida é um cara que fala como ninguém e conseguiu trazer calor e amor diante de uma situação bem complexa.
Luccas Oliveira
Luccas Oliveira é editor de música na Tangerina e assina a coluna Na Grade, um guia sobre os principais shows e festivais que acontecem pelo país. Ex-jornal O Globo, fuçador do rock ao sertanejo e pai de gatos, trocou o Rio por São Paulo para curtir o fervo da noite paulistana.
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